sábado, 19 de fevereiro de 2005

Casa da Suplicação XXI

Traficante-consumidor — finalidade do tráfico — consumo diário — insuficiência da matéria de facto provada
1 – Se o Tribunal Colectivo, condena o arguido como autor do crime de tráfico de menor gravidade, por deter 11 embalagens contendo heroína misturada com diazepam (Tabela IV) e fenorbital (Tabela IV), tudo com o peso líquido de 1,297 grs e dá como provado que essa substância se destinava ao seu consumo e, em parte, a ser vendida, propondo-se, assim, a alimentar o seu vício e a auferir com a dita venda vantagem económica indevida., sendo que o arguido consumia 1 a 1,5 embalagens por dia, impunha se apurar se a satisfação do seu consumo era ou não a finalidade exclusiva da sua conduta e qual era o seu consumo diário, por relação às embalagens apreendidas, tomando em consideração a Portaria 94/96, de 26-03.
2 – Não o tendo feito, verifica-se insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, dada a necessidade de equacionar a aplicabilidade do tipo legal de traficante-consumidor, vício que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer oficiosamente e que determina o reenvio parcial para novo julgamento.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 456/05,-5, Relator: Cons. Simas Santos

Impugnação da matéria de facto — credibilidade das testemunhas — motivos do crime — culpabilidade — violação de domicilio e detenção ilegal de arma — opção pela pena de multa — reformatio in pejus — tribunal superior — medida da pena — homicídio qualificado tentado
1 – O recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
2 – Se o recorrente aceita que o teor expresso dos depoimentos prestados permite que a 1.ª Instância tenha estabelecido a factualidade apurada da forma como o fez e questiona tão só a credibilidade que, no seu entender, (não) deveria ter-lhes sido concedida, sem indicar elementos objectivos que imponham a sua posição, a sua pretensão fracassa pois a credibilidade dos depoimentos, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.
3 – Se apesar de se esforçar, a 1.ª Instância não consegue estabelecer o motivo que levou o arguido a agir, mas estão presentes todos os elementos do respectivo tipo legal de crime, nenhuma dúvida se pode levantar sobre a culpabilidade do agente.
4 – Não é de optar pela pena de multa nos crimes de violação de domicílio e detenção ilegal de arma, quando o agente entra na casa do ofendido sem autorização, armado e dispara contra aquele, só não o matando por circunstâncias alheias à sua vontade.
5 – Deve entender-se que o n.º 1 do art. 132.º do C. Penal, que contem uma cláusula geral, resulta que o homicídio é qualificado, ou agravado, sempre que a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade; é essa a matriz da agravação, por forma a que sem especial censurabilidade ou perversidade, ela não ocorre. Depois, ao lado desse critério aferidor da qualificação assente na culpa e que recorta efectivamente o tipo incriminador, o legislador produz uma enumeração aberta, meramente exemplificativa pois, de indicadores ou sintomas de especial censurabilidade ou perversidade, de funcionamento não automático, como o inculca a expressão usada na lei "é susceptível" (1.ª parte do corpo do n.º 2).
6 – Mas os indicadores enumerados não esgotam a inventariação e relevância de outros índices de especial censurabilidade ou perversidade que a vida real apresente, como resulta da expressão usada pelo legislador: "entre outras" no segmento final do corpo do n.º 2. De concluir é, pois, que nem sempre que está presente algum dos indicadores das diversas alíneas do n.º 2 se verifica o crime qualificado, bastando para tanto que, no caso concreto, que esse indicador não consubstancie a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o n.º 1; mas que na presença deste último elemento, está-se perante um crime de homicídio qualificado mesmo que se não se verifique qualquer daqueles indicadores.
7 – Para impugnar a qualificação da conduta como constituindo homicídio qualificado, deve o arguido afirmar e demonstrar que a morte não foi produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, designadamente o índice do n.º 2 do art. 132.º do C. Penal que tiver sido invocado, pois que, independentemente da verificação de qualquer circunstância prevista naquele n.º 2 do art. 132.º, sempre se poderia considerar incluso na previsão do n.º 1 do mesmo artigo.
8 – Decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente. Mas a compreensão daquele princípio integra o processo justo, o processo equitativo, tributário da estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente e do princípio da acusação, que impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem limitados os parâmetros da decisão e condicionado no processo o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.
9 – Aceita-se que seja de esperar que o Tribunal Superior, que “desqualificou” um determinado crime, entendendo que a conduta do arguido corporizava antes o tipo simples correspondente, diminua a pena aplicável, agora numa moldura penal abstracta mais favorável. Mas tal não se impõe inevitavelmente, mesmo que a pena aplicada pelo crime mais grave, se mostre justa e adequada na nova moldura, recorrendo-se então, para baixar a pena a uma “proporcionalidade formal” com base na diferença das molduras, e uma ficção sobre o que faria o tribunal recorrido, em vez do Tribunal Superior aplicar, como lhe compete, autonomamente a lei.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 4324/04-5, Relator: Cons. Simas Santos

Tráfico de estupefacientes — estabelecimento prisional — suspensão da execução da pena
1 – Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, pelo que é necessário que, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
2 - Se o arguido não interiorizou as suas condutas delituosas, já foi condenado anteriormente empena suspensa por tráfico de estupefacientes e o volta a praticar exactamente quando cumpre pena no estabelecimento prisional, nada justifica a fixação da pena no limite mínimo da moldura penal, nem a suspensão da execução da pena. pois não é possível fazer um juízo de prognose favorável, revelando a sua personalidade e conduta que não será suficiente a mera censura do facto e a ameaça de execução da pena.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 333/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Recurso de matéria de facto — especificação dos pontos de facto e provas — texto da motivação — convite à correcção das conclusões
1 – A redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (…), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…), sem impor que tal aconteça nas conclusões.
2 – Perante esta margem de indefinição legal, e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou a Relação conhecia da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convidava o recorrente a corrigir aquelas conclusões.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. .º 4716/04-5, Relator Cons. Simas Santos

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça — anulação de acórdão de cúmulo jurídico — cabal cumprimento
Se o Supremo Tribunal de Justiça anula a decisão da 1.ª Instância para que, antes de englobar no cúmulo jurídico a que procedeu penas cuja execução estava, tomar posição expressa sobre a revogação dessa suspensão, precedendo o contraditório, e o Tribunal Colectivo se limita a dizer que, através do certificado de registo criminal se vê que essas penas ainda não estão extintas, pelo que inexiste qualquer obstáculo à sua cumulação com a pena imposta nestes autos, não foi dado cumprimento à decisão do Supremo Tribunal de Justiça e o novo acórdão da 1.ª Instância tem de ser anulado.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 223/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recorribilidade de acórdão de aclaração — Interposição condicional de recurso para o T. Constitucional — Despacho do Relator — Documentação de depoimentos orais na acta — Conteúdo da contestação — Fundamentação da decisão — Julgamento da causa — Recursos — Suspensão da execução da pena — Intenção criminosa — Julgamento da causa — Recurso — Sequestro — Homicídio tentado — Concurso real de infracções — Violação de domicílio — Homicídio privilegiado — Opção pela pena de multa — Atenuação especial da pena
1 – Não é recorrível a decisão que indeferir o requerimento de rectificações, esclarecimento ou reforma (art. 670.º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do art. 4.º do CPP).
2 – A decisão sobre a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional de acórdão da Relação cabe ao Relator e é tomada por despacho (art. 414.º do CPP e 76.º, n.º 4 da LOFTC) e se o recurso foi interposto condicionalmente, não tem que ser apreciado se a não se verificou a respectiva condição.
3 – A jurisprudência do Tribunal Constitucional e, mais recentemente, a do Supremo Tribunal de Justiça vão no sentido de que não pode deixar de ser conhecido um recurso, por deficiência das conclusões da motivação, sem que ao recorrente seja concedida a possibilidade de corrigir tal deficiência; o mesmo não se aplicando, no entanto, ao próprio texto da motivação que é, por um lado, imodificável e, por outro, o limite à correcção das conclusões. Não resulta assim, desta jurisprudência, nem da lei, um “direito” do recorrente a ser convidado a corrigir as conclusões da motivação.
4 – Estando fixada jurisprudência (Ac. n.º 5/02, DR, IS-A, de 17-07-02) no sentido de que "a não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no art. 363.º do CPP, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no art. 123.º do mesmo diploma legal, pelo que, uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer", se declarações orais em audiência foram gravadas e transcritas mas não inseridas na acta, em nada é afectado o valor da sequência de actos que integram a audiência, nem fica prejudicada a possibilidade de impugnar em recurso a matéria de facto fixada pela 1.ª Instância, pelo que a irregularidade não pode “afectar o valor do acto praticado" (n.º 2 do art. 123.º)
5 – Sendo o interesse em agir a necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção, ao processo, não pode recorrer o arguido da não inclusão na acta das transcrições dos depoimentos, pois sempre poderá recorrer quanto à questão de facto, dada a existência de gravações e subsequente transcrição.
6 – O art. 362.º do CPP não impõe a transcrição na acta de audiência dos depoimentos orais e da conjugação dos art.ºs 363.º, 364.º e n.º 3 do art. 412.º resulta um sistema de documentação que não exige aquela transcrição. A documentação das declarações orais em audiência é efectuada através da súmula (art. 389.º), ou através da gravação áudio magnética, seguida de transcrição (art. 412.º, n.º 3), transcrição que não faria qualquer sentido na tese contrária.
7 – Só devem ser objecto da discussão os factos da contestação que se relacionem directamente com a conduta em apreciação.
8 – O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.° 2 do art. 374.º do CPP) e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
9 – Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença as funções de:
— Contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral;
— Permitir, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz;
— Constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), e, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
10 – Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
11 – Assim, o julgamento em 2.ª Instância não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas a admitidas alegações escritas).
12 – Não é exacto que constitua uma regra de experiência comum inelutável que a depressão e o estado emocional de que sofria o arguido quando disparou contra ex-namorada, importe a sua inimputabilidade ou a sua imputabilidade diminuída.
13 – O Tribunal começa por decidir qual q medida concreta da pena que prisão que vai aplicar e só que esta não for superior a 3 anos é que tem de encarar a possibilidade de suspender a sua execução e não o contrário. E compreende-se que a Lei reserve a aplicabilidade daquela pena de substituição para os casos cuja gravidade não ultrapasse determinado patamar, escolhendo a medida concreta da pena a infligir como índice dessa gravidade. Essa técnica foi usada na substituição da pena curta de prisão por multa na substituição por prisão por dias livres e na substituição pelo regime de semidetenção.
14 – Com o crime de sequestro visa-se fundamentalmente proteger a liberdade individual, mais propriamente a liberdade física, o direito de se não ser aprisionado, encarcerado ou de qualquer modo fisicamente confinado por determinado período temporal, que relevantemente afecte a liberdade individual de locomoção a certo e determinado espaço.
15 – A intenção criminosa integra matéria de facto da exclusiva competência dos tribunais de instância.
16 – Sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de sequestro (liberdade ambulatória das pessoas, a capacidade de cada homem se fixar ou movimentar livremente no espaço físico contra a ilícita restrição, como se viu acima) e de homicídio (a vida humana) e não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consumpção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível deve entender-se que a conduta do agente que sequestra uma pessoa e depois a vem a (tentar) matar comete, efectivamente, em concurso real, um crime de sequestro e um crime (tentado) de homicídio.
17 – A distinção a fazer, e que tem sido feita elo STJ, reside em determinar se o sequestro se limita ao essencial, ao estritamente necessário para cometer o “crime fim”, caso em que se entende que ocorre a consumpção.
18 – Estando provado que, devido à ruptura do namoro com a ofendida o arguido ficou profundamente perturbado psicológica e emocionalmente, com depressão nervosa e que após os factos o arguido foi sujeito a tratamento psiquiátrico, foi medicado e está controlado, mas estando não provado que tenha tido apenas uma conduta negligente, causada pelo estado de doença e de perturbação e que a depressão nervosa porque o arguido passou limitou-lhe a liberdade de agir e a capacidade psicológica, entendida esta no sentido de que não podia avaliar a ilicitude ou as consequências dos seus actos, não está estabelecido que tenha agido em desespero.
19 – As situações a que se referem as diversas alíneas do n.° 2 do art. 72.º do C. Penal (atenuação especial da pena) não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.
20 – Sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta proteja de forma adequada e suficiente os bens jurídicos e assegure a reintegração do agente na sociedade. Se o arguido se introduziu ilegalmente no domicilio da ofendida detendo ilegalmente uma arma com a qual a veio a tentar mater nesse local, não é adequada a opção pela de multa quanto aos crimes de violação de domicílio e detenção ilegal de arma.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 58/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — processo por crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos — «decisão que põe termo à causa» — justo impedimento
1 - Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa; e de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
2 - O acórdão recorrido, debruçando-se sobre um caso incidental de «justo impedimento», não se debruçou sobre o fundo da causa, não decidiu definitivamente a questão de fundo. Não é hoc sensu uma decisão que tenha posto termo à causa.Daí a sua irrecorribilidade.
3 - Ainda que assim não fosse, porém, o certo é que versando a causa sobre crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão «não superior a cinco anos», aqui estaria uma segunda via de irrecorribilidade.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 544/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Assistente — legitimidade — recurso — crime público — espécie e medida da pena
Em princípio, o assistente carece de legitimidade para, em recurso por crime público, discutir a espécie e medida da pena aplicada ao arguido.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 4741/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira


Crime de violação —- Princípios «in dubio pro reo» e da livre convicção do tribunal — Poderes cognitvos do Supremo Tribunal de Justiça — «Ne bis in idem» – unidade e pluralidade de infracções
1 - O Supremo Tribunal de Justiça pode e deve avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova e do princípio processual «in dubio pro reo» até onde tal lhe for possível, ou seja, ao menos, até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada.
2 - O que o princípio da "livre convicção" ordena ao juiz é que decida sobre a matéria de facto que não se veja afectada pela dúvida, tendo a regra da prova livre como último horizonte a verdade histórica ou material.
3 - A livre apreciação das provas há-de ser, porém, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo.
4 - Do mesmo modo, a dúvida relevante para desencadear o funcionamento o princípio "in dubio pro reo", também controlável em via de recurso, há-de ser portadora da marca de razoabilidade ou racionalidade devidamente objectivada na sentença".
5 - Quer-se com isto significar que nem tudo o que diz respeito à formação da convicção do tribunal mesmo em matéria de facto, constitui "matéria de facto". Há normas jurídicas que presidem a tal tarefa do tribunal. E aí o Supremo Tribunal deve intervir, se necessário e na media do possível.
6 - Havendo duas resoluções distintas e suficientemente distanciadas e autonomizadas, não há que falar em um só crime ut artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 222/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira


Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — «Decisão que põe termo à causa»
1 – Nos termos da lei, não é admissível recurso [para o Supremno Tribunal de Justiça] de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa.
2 - «Pôr termo à causa» significa, para este efeito, que a questão substantiva que é objecto do processo fica definitivamente decidida, que o processo não prosseguirá para sua apreciação
3 - O acórdão recorrido, revogando o despacho da 1.ª instância que mandava transferir a caução económica para outro processo, impondo, consequentemente, que esta continuasse afecta ao processo crime, não pôs termo à causa ou ao que resta dela, já que, por um lado, a causa já se encontrava extinta pelo despacho que declarou extinto o procedimento por efeito da morte do arguido, por outro, mesmo admitindo que sobeja uma parcela de «causa», esta relativa agora apenas à subsistência da caução, o certo é que o acórdão recorrido não decidiu em definitivo qual o destino final dela, sendo, por isso, irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 57/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira


Prova pericial — livre apreciação da prova — embriaguez como circunstância atenuante — hábitos alcoólicos e reforço da necessidade da pena
1 - Tendo a autópsia determinado que uma tromboembolia pulmonar foi a causa da morte e tendo uma Perita do Instituto de Medicina Legal afirmado que, face aos poucos elementos esclarecedores da autópsia, lhe era “impossível estabelecer um nexo de causalidade entre as lesões provocadas na vítima e a causa de morte relatada”, mas que “a existência de lesões traumáticas abdominais afigura-se uma hipótese plausível como causa de morte ...a esclarecer também por outros meios, face de insuficiências periciais, neste momento não ultrapassáveis”, o tribunal recorrido, ao estabelecer como facto provado esse nexo de causalidade, munindo-se de relatórios clínicos e também de outros pareceres médicos com valor científico e técnico suficiente, ainda que sob a forma de depoimentos, cumpriu escrupulosamente o disposto no art.º 163.º do CPP sobre o valor probatório da perícia, pois nem chegou a haver divergência com esta.
2 - Nas características da personalidade do arguido, confluem factores de atenuação da sua culpa (na medida em que a sua eventual embriaguez não pode deixar de ter influenciado, muito negativamente, a sua capacidade de avaliação da ilicitude dos factos praticados) e factores sintomáticos de alguma perigosidade social (já que o arguido tem hábitos alcoólicos) e, por isso, de reforço da necessidade da pena.
Acórdão de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 125/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho

Habeas corpus — Recurso da defesa — Anulação da sentença de 1ª instância — proibição da reformatio in pejus — prazo da prisão preventiva — tráfico de estupefacientes — aumento do prazo ope legis — tráfico de menor gravidade
1 - Tendo sido imputada ao requerente na acusação a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. no art.º 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e tendo o mesmo sido condenado em 1ª instância pela autoria de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. no art.º 25.º do mesmo diploma, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; tendo o mesmo recorrido dessa decisão para o Tribunal da Relação que decidiu anular a sentença da 1ª instância, por violação do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, determinando-se a sua reelaboração pelo mesmo Tribunal:
- daí resulta que os efeitos da proibição da reformatio in pejus (art.º 409., n.º 1, do CPP) impedem que, alguma vez, o ora requerente possa vir a ser condenado por crime mais grave do que o de tráfico de menor gravidade e mesmo por pena mais grave do que a que lhe foi efectivamente aplicada.
2 - Com efeito, se o tribunal “ad quem” não podia ter agravado a pena aplicada, o tribunal “a quo”, chamado novamente a intervir por ordem daquele, não pode deixar de estar sujeito à mesma disciplina.
3 - Isto é, o objecto do processo que corre termos contra o ora requerente está limitado ao crime de tráfico de menor gravidade, p.p. no art.º 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, punível com uma pena máxima de 5 anos de prisão (e, em rigor, por força da referida proibição, não mais do que 3 anos e 6 meses de prisão).
4 - O art.º 54.º, n.º 1, do referido DL 15/93, dispõe que sempre que o procedimento se reporte a crime de tráfico de droga, é aplicável o disposto no n.º 3 do art.º 215.º do CPP, o qual aumenta para 4 anos o prazo máximo da prisão preventiva sem que tenha havido condenação transitada em julgado.
5 - E, por Acórdão deste STJ, n.º 2/2004, de 11-02-2004, in D.R. I-A, n.º 79, de 02-04-2004, foi fixada jurisprudência no sentido de que “Quando o procedimento se reporte a um crime dos crimes referidos no n.º 1 do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a elevação dos prazos de duração máxima da prisão preventiva, nos termos do n.º 3 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, decorre directamente do disposto no n.º 3 daquele artigo 54.º, sem necessidade de verificação e declaração judicial da excepcional complexidade do procedimento”.
6 - Contudo, da conjugação dos art.ºs 1º, n.º 2 e 215.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, e 51.º e 54.º do DL n.º 15/93, resulta que fica fora da possibilidade de se alargar o prazo normal de prisão preventiva, previsto no n.º 1 do art.º 215.º do CPP, aos casos em que se proceda por crime de tráfico de menor gravidade, p.p. no art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, pois nem é crime punível com pena superior a 8 anos, nem um dos crimes catalogados nas alíneas a) a g) do art.º 215.º, n.º 2, do CPP, nem é crime de terrorismo ou de criminalidade violenta ou altamente organizada, quer na definição do n.º 2 do art.º 1.º do CPP, quer na definição que lhes é dada no referido art.º 51.º do DL 15/93 para os crimes ligados ao tráfico de droga.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 565/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho

Princípio da livre convicção ── vícios do art. 410.º do CPP ── matéria de facto ── transcrição da prova ── princípio do in dubio pro reo ── tráfico de estupefacientes ── tráfico de menor gravidade ── atenuação especial da pena
1 - O julgador deve fundamentar a sua convicção, explicitando as provas em que se apoiou, efectuando um exame crítico delas e mencionando as razões de credibilidade que lhe mereceram, expondo, enfim, as razões (lógicas, de ciência, da experiência comum) que tornem perceptível o processo decisório e permitam seguir o fio condutor do seu raciocínio e da sua percepção, de forma a que a decisão apareça como produto, não do acaso, dos bons ou maus humores de quem julga, de reacções inexplicáveis e secretas ou do puro exercício arbitrário do poder de julgar e decidir, mas como resultado de um processo recondutível na sua essência a uma logicidade e coerência internas, face às quais a decisão possa impor-se, com a força intrínseca que a estrutura, quer aos seus destinatários, quer à comunidade de forma geral, permitindo, do mesmo passo, a sua controlabilidade pelo tribunal superior.
2 - Para a impugnação da decisão recorrida em matéria de facto, bastaria à recorrente dispor da cópia da gravação e, a partir dela, fundar a sua discordância quanto ao decidido nas passagens ou trechos dos depoimentos ou declarações gravados, especificando-os por referência aos suportes magnéticos, e expondo a razão de ser de tal discordância pelo confronto da sua interpretação com a levada a cabo pelo tribunal, o que sempre teria de implicar uma discussão acerca das provas julgadas relevantes, que não se compadeceria com a simples e genérica indicação delas, remetendo para o tribunal ad quem esse material em bruto, para este proceder à respectiva análise.
3 - Não sendo a questão da violação do princípio in dubio pro reo, na perspectiva da motivação, senão uma variação da discordância da recorrente em relação à decisão da matéria de facto na sua vertente de apreciação e valoração da prova produzida, o recurso terá que ser rejeitado por razões que se prendem com a natureza de tribunal de revista que é o Supremo Tribunal de Justiça.
4 - As circunstâncias relevantes, para efeitos de enquadramento da conduta no tipo privilegiado de tráfico têm de ser atinentes à ilicitude e não à culpa.
5 – Tendo as recorrentes actuado com intenção lucrativa, mas sendo de considerar, em primeiro lugar, a ilicitude não muito acentuada, a forte solicitação exercida pelo meio e pelas condicionantes humanas, económicas e sociais, e em segundo lugar, a posição da mulher, que a torna duplamente vítima, num universo determinado, cultural e socialmente pela posição dominante do homem, provando-se que uma das arguidas agiu sempre sob orientação do companheiro e que a outra agiu «essencialmente sob a orientação e dependência dos arguidos MS e L G, sendo a M S sua tia, para casa de quem a recorrente foi viver em 2001, depois de ter saído de casa dos pais, devido a problemas relacionados com a sua gravidez; provando-se, além disso, que ambas trabalham e têm filhos menores, resultando dos autos que nunca estiveram presas preventivamente, justifica-se a atenuação especial da pena.
Ac. de 17.02.2005 do STJ, proc. n.º 4300/04–5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

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