Este é o título da intervenção proferida por Figueiredo Dias na sessão comemorativa dos 25 anos do Estatuto do Ministério Público, realizada a 24 de Junho de 2004.
Nela defende a autonomia do Ministério Público como a solução que “melhor realiza o princípio democrático”, afirmando:
“[A] acusatoriedade do processo penal convida ou mesmo exige um MP independente do Executivo, um MP que não constitua uma “parte” processual e cujo êxito funcional não seja medido pela número de condenações que obtenha, em suma, um MP autónomo. Aquilo a que a dependência do MP convida e conduz não é a um processo mais caracterizadamente acusatório, é sim a um sistema processual penal dispositivo, civilístico, que põe definitivamente em causa, pelo menos no que respeita à criminalidade grave, as exigências públicas e comunitárias mínimas de defesa social. Um sistema este que continuo a pensar dever ser pura e simplesmente recusado”.
Autonomia necessariamente integrada pela “exigência democrática de responsabilidade comunitária”, sem a qual “tornar-se-ia em mero privilégio burocrático-corporativo, que não haveria razão para que assumisse relevo jurídico-constitucional”.
E conclui: “[A] autonomia do MP será tanto mais perfeita e mais plena quanto mais extenso e transparente for o seu dever de prestar contas à comunidade pelas suas formas de actuação passadas e presentes, bem como pelos resultados da sua actuação na execução das políticas que lhe são cometidas, nomeadamente da política criminal legitimamente definida”.
É importante que este documento (que integra o livro “25 anos do Estatuto do Ministério Público”, agora publicado pela PGR e pela Coimbra Editora) seja lido por quem insiste na ideia de que a autonomia do Ministério Público é um entrave à prevenção, investigação e perseguição criminais, opondo-lhe apelos voluntaristas à eficácia policial.
Assim como é importante para a clarificação das ideias quanto ao sentido e aplicação do preceito constitucional segundo o qual o MP “particip[a] na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania”.
O programa do Partido Socialista para a justiça avança, neste campo, com a seguinte medida:
“No plano da política criminal, é necessário que a AR passe a prever periodicamente, de forma geral e abstracta, as prioridades da política de investigação criminal e que o Ministério Público exerça as responsabilidades de execução dessa política que lhe são cometidas pelo artº 219º da Constituição”.
Concordo! Vem de encontro à ideia que recentemente exprimi nestes termos:
“Em face do actual texto constitucional (…) entendo que se mostra necessário reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República (…) e que seria desejável, face à impossibilidade prática de conceder igual prioridade a todas as investigações, que esta definisse, de forma geral, quais as prioridades da investigação criminal, dotando o MP de legislação e dos meios necessários à fiscalização e inspecção do seu cumprimento pelas polícias” (Revista do CEJ, nº1).
Pena é que aquele programa nada diga quanto ao reforço e qualificação dos meios (humanos e técnicos, mas também normativos) ao dispor do MP para o cumprimento das suas responsabilidades. E que não anuncie a intenção de inverter o sentido político da legislação respeitante à prevenção e investigação criminais posterior à consagração constitucional da autonomia, caracterizado pelo aumento dos poderes policiais (processuais e extra-processuais) e pela diminuição dos poderes efectivos de fiscalização e direcção do Ministério Público.
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