O Supremo
Tribunal de Justiça (STJ) cancelou há dias uma decisão judicial que atribuiu
uma indemnização de 25 mil euros à ex-assessora de imprensa da
Procuradoria-Geral da República Sara Pina, na sequência do caso das cassetes
roubadas. Foi este episódio que esteve na origem da demissão da então porta-voz
do procurador-geral Souto Moura, em Agosto de 2004.
Sara Pina
pediu em tribunal quase 131 mil euros por danos morais e patrimoniais que
imputou à directora do extinto semanário O Independente, Inês Serra
Lopes, que publicou parte das gravações feitas por um jornalista do Correio
da Manhã (CM). O repórter tinha gravado, sem autorização dos
interlocutores, as conversas com várias fontes sobre o processo Casa Pia,
cassetes que lhe foram furtadas. O caso levou também à demissão do ex-director
da Polícia Judiciária Adelino Salvado, uma outra fonte do jornalista. A
directora do semanário foi condenada em primeira instância a pagar uma
indemnização de 25 mil euros a Sara Pina, uma sentença que o Tribunal da Relação
de Lisboa confirmou. Mas a decisão foi revogada no final de Outubro pelo
Supremo, que absolveu a jornalista.
Três
juízes do Supremo, onde Souto Moura se encontra actualmente, recusaram-se a
atribuir uma indemnização a Sara Pina, apesar de darem como provado que a
publicação das conversas "causou danos irreversíveis à imagem daquela, que
se viu forçada a pedir a demissão e dificilmente recuperará a confiança dos
eventuais empregadores, para além dos aborrecimentos e incómodos sofridos e
provados".
Os magistrados
criticam Inês Serra Lopes pela publicação do conteúdo das gravações furtadas,
mas consideram que a antiga assessora de imprensa é a culpada pelos danos que
sofreu. "Concluímos, assim, que os danos sofridos efectivamente pela
recorrida [Sara Pina] só podem e devem ser imputados a si própria, aos seus
próprios actos", escrevem no acórdão.
Para os
juízes do STJ, a assessora tinha "consciência da ilicitude da sua conduta
e do grande risco que corria, como sobejamente demonstra a sua preocupação em
que o jornalista não desse qualquer pista sobre a identidade da sua
fonte". E acrescentam: "Os danos foram causados pelo seu acto de
quebra de confiança relativamente ao procurador-geral da República, para além
da eventual dignidade penal, e pela sua justificada vergonha de o ter
praticado."
O STJ
censura igualmente a atitude de Inês Serra Lopes, filha de um dos advogados que
defenderam o ex-apresentador de televisão Carlos Cruz no processo Casa Pia. Os
juízes dizem que a directora de O Independente se aproveitou
"em benefício próprio" do conteúdo de cassetes, que tinham sido dadas
como furtadas pelo respectivo proprietário e que a jornalista não tinha
autorização para divulgar publicamente.
"A
recorrente [Inês Serra Lopes] sabia que a publicação do conteúdo das cassetes
era ilícita e decidiu conscientemente fazê-la, agindo com dolo", afirmam
os juízes. Os magistrados sublinham que a directora do semanário tinha o dever
de denunciar às autoridades, nomeadamente à procuradoria, a situação de que se
inteirou ao ouvir as cassetes. "Só não tinha o direito de as usar em seu
benefício, como o fez." Apesar da censura, os juízes acabaram por
desresponsabilizar Inês Serra Lopes. "A forma da denúncia foi ilícita e
ética e deontologicamente reprovável, mas não foi esta forma de denúncia a
causadora dos danos efectivamente sofridos pela recorrida", concluíram.