Por António Cluny, publicado em 13 Nov 2012, na Informação
O permanente elogio à paciência dos portugueses parece esquecer
uma realidade: eles não são muito dados ao pim-pam-pum das puras reclamações
folclóricas
1. A
situação que Portugal está a viver, enquanto país e enquanto povo sofredor e
inconformado, convida, naturalmente, a revisitar e reler a história.
Polémicas
à parte – e elas são sempre boas para abalar os bonzos da cultura, mesmo os
mais recentes – durante o último Verão e por causa da ideia feliz de um
semanário de oferecer uma edição da “História de Portugal” em
fascículos, muita gente, eu incluído, teve oportunidade de rememorar muitos dos
seus episódios mais significativos.
As
comparações em história, já sabemos, não conduzem a análises brilhantes, mas
também todos aprendemos – e são os textos dessa mesma obra que o referem – que
a história é muita vezes invocada a
posteriori para justificar tomadas de posição e iniciativas de
mudança radical em muitas sociedades.
A
propósito da Restauração de 1640, narra-nos Nuno Monteiro na referida obra: “O
pronunciamento de Lisboa foi antecedido por um crescendo de tensões [...] duas
décadas antes. As já referidas grandes revoltas antitributárias [...] foram,
sem dúvida, os aspectos mais visíveis desses fenómenos.”
Adiante
prossegue: “Nas cortes convocadas para 1641 [...] ficou definido o discurso de
justificação da Restauração: desde logo a afirmação da legitimidade dinástica
da casa de Bragança [...] mas também o argumento da ‘tirania’, a acusação
dirigida aos Habsburgos espanhóis de que teriam posto em causa o estatuto
autónomo e intocável do reino [...]”
E
explicita: “[...] a historiografia recente tem acentuado [...] a sua dimensão
de restauração constitucional.”
2. Quem
lê este e outros textos sobre essa época não pode deixar de anotar, inquieto,
as coincidências, mesmo que aparentes, entre aqueles tempos e os que hoje se
vão sucedendo em Portugal.
Não, não
me refiro já ao facto de os Habsburgos, que queriam impor-nos a revisão do
“pacto constitucional” – apesar de espanhóis –, exibirem um nome de família de
ressonâncias germânicas. Não me refiro ainda ao facto de Miguel de Vasconcelos,
o representante doméstico da potência dominante, e acusado depois de a eles se
submeter, ter acabado defenestrado.
Refiro-me
em especial ao paralelismo da situação social – a uma primeira vaga popular de
protestos antitributários – e à invocada justificação jurídica da revolta: a
defesa do estatuto constitucional do reino.
3. A
sempre e insistentemente reclamada pretensão da revisão constitucional, na sua
forma directa ou na sua forma encapotada, não pode, pois, deixar de nos
inquietar.
Mais nos
perturba quando, não a podendo legitimamente mudar de forma directa, técnicos
de organismos internacionais se arrogam, inclusive, o direito de sugerirem a
necessidade de uma interpretação “refundada” do sentido da nossa lei
fundamental.
Esta
pretensão afigura-se grave e sensibiliza cidadãos de todo o espectro
partidário. Que o diga e repita o dr. Ribeiro e Castro, uma das primeiras vozes
a ter-se publicamente manifestado contra esse facto.
4. O
permanente elogio à paciência dos portugueses parece de facto esquecer uma
realidade: eles não são, como outros povos, muito dados ao pim-pam-pum das
puras reclamações folclóricas.
Quando
se decidem a agir, costumam fazer “pum”!
Aconteceu
em 1385, 1640 e, mais recentemente, no regicídio e em 25 de Abril: com muita
paciência, muito ordeiramente, mas de forma definitiva e radical.
Atenção
pois: não convém brincar muito e levianamente com o fogo.
Pode ser
trágico para quem o faz e, fundamentalmente, para o país.
Jurista e presidente da MEDEL