A remuneração dos autores e também dos intérpretes e das
próprias produtoras, através do pagamento pela difusão ou reprodução das suas
obras, sendo uma evidente necessidade, choca com a importância de uma ampla e
livre difusão das obras e com as realidades tecnológicas dos nossos tempos.
No campo da música, por exemplo, se ainda não se pode dizer que
a venda dos discos é uma actividade residual, certo é que, no nosso país, por
exemplo, uma boa parte dos artistas/autores têm actualmente mais rendimentos
com as suas actuações ao vivo do que com a venda dos CD. É na faixa etária
abaixo dos 25 anos, seguramente, que é muito inferior a percentagem de jovens
que compra músicas em relação à dos que as descarregam ilegalmente na internet.
Em muitos casos, nem sequer há a consciência de se estar a cometer qualquer
ilegalidade, já que nasceram num mundo de acesso gratuito à informação e ao
lazer.
Certo é que a luta pela cobrança dos direitos dos autores e
intérpretes tem muitas batalhas e o Tribunal da Relação de Guimarães, no
passado dia 7, produziu uma curiosa decisão. Aqui há uns anos, a Sociedade
Portuguesa de Autores (SPA) descobriu que a transmissão pública de música, seja
como música ambiente na agência de um banco ou num qualquer café, devia pagar
direitos aos seus representados e começou a cobrá-los. A exigência da SPA deu
origem a inúmeros processos judiciais, por recusa de pagamento por parte dos
proprietários dos estabelecimentos, alegando, muitas vezes, que se limitavam a
ter um aparelho de rádio ou televisão ligado. Embora tenha havido decisões
contraditórias, a situação veio a estabilizar-se, aceitando os tribunais, em
geral, a legalidade da exigência da SPA, condenando, em alguns casos, os
proprietários dos estabelecimentos pelo crime de usurpação, isto é, por terem
utilizado as obras sem autorização dos autores ou dos artistas.
Desta feita, no dia 6 de Março de 2011, numa acção de fiscalização
da GNR de Póvoa de Lanhoso, verificou-se que num snack-bar estava a ser
reproduzida música através de um canal televisivo, reprodução efectuada através
da televisão que tinha três colunas distribuídas pela área do estabelecimento,
estando cerca de 10 clientes presentes. Como o proprietário não tinha obtido
junto da SPA autorização para a fixação, reprodução e eventual distribuição
pública das músicas, a aparelhagem foi apreendida e o processo remetido para
tribunal, sendo o proprietário acusado pelo crime de usurpação.
Condenado no tribunal de 1.ª instância, o proprietário recorreu
para o Tribunal da Relação de Guimarães, que teve outro entendimento:
esclareceu, em primeiro lugar, que a recepção dos programas televisivos, com
música ou sem ela, é um direito de quem tem os aparelhos e não obriga a
qualquer pagamento uma vez que as estações de rádio ou de televisão já pagaram
previamente os direitos aos autores e artistas. Passou então à análise da
segunda questão: saber se não fazendo as colunas parte integrante do televisor,
a distribuição do som, através delas, pelo estabelecimento extravasava a mera
recepção e configurava já uma (re)transmissão do programa.
Ora, sem as colunas era possível não só a exibição e
visualização do canal em causa mas também a sua audição. As colunas
"apenas permitiam a distribuição uniforme do som por toda a área do
estabelecimento, ou seja, permitiam que quem estivesse junto do televisor ou
mais afastado dele tivesse uma qualidade de som idêntica". Por outro lado,
"sendo o estabelecimento em causa um espaço limitado, com ou sem colunas,
o programa que estava a ser recepcionado seria acessível a todos os clientes
(público visado), variando apenas a qualidade do som", pelo que "a
utilização das colunas em nada alterava a utilização da obra transmitida
através da televisão - quer a imagem quer o som eram exactamente os que o canal
sintonizado transmitia".
Concluiu, assim, o acórdão relatado pela juíza desembargadora
Maria Augusta Moreira Fernandes que não tinha existido "nova utilização ou
aproveitamento organizados da transmissão original", pelo que não era
necessário efectuar qualquer pagamento, não existindo qualquer crime. E, assim,
absolveu o proprietário do estabelecimento, que continuou a dar música...
Advogado.
Escreve à sexta-feira
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Público, 25-01-2013