Pela mão de amigo, chegou-me um texto manuscrito do filósofo, escritor, historiador e agricultor, Alexandre Herculano, que me atrevi a transpor, com algumas dúvidas de “leitura”, mas que não quis deixar de partilhar.
Quando chegados ao meio do caminho da Vida, n’um dia de desalento nos assentamos a scismar à beira da estrada dolorosa e alongamos os olhos para o passado, não descobrimos até o horizonte da infancia senão longa fileira de ruínas: ruínas de afectos que esfriaram, de paixões que adormeceram, de prazeres que se mudaram em tédio, de crenças que passaram, de esperanças desmentidas, de ambições achadas vans: ruinas para o coração, ruinas para a intelligencia, ruinas para a vontade. E todavia, dessa extensa gandra por onde vagueámos, e onde agora só descubrimos vestígios do que passou, vem uma aura que consola o peregrino, uma luz que o illumina, um espirito que o alenta no resto da melancholica jornada. É a saudade. A saudade é o baculo que Deus deixou ao romeiro para se firmar quando, já cansado, se vai approximando ao termo da romagem. De meia existência em diante a vida intima é toda saudade; saudade das illusões e dos desenganos, do prazer e até da dor. Fóra disso só há para a nossa alma ou noite ou crepusculo. Para quem a tarde do viver tem mais alguns raios de sol no horizonte é para aquelle que tem mais recordações de saudade.
Ajuda 17 março 1857 – A. Herculano
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