MARIANA OLIVEIRA E MARIA LOPES
Em
causa está o facto de, no departamento de Cândida Almeida, ter sido nomeado um
procurador para reanalisar novos dados sem reabrir a investigação ao SIRESP que
estaria arquivada desde 2008
A jornalista da
TVI Ana Leal apresentou no início deste mês uma queixa escrita ao Conselho de
Redacção (CR) da estação de Queluz acusando a subdirectora de Informação,
Judite Sousa, de ter censurado uma peça sobre o Sistema Integrado das Redes de
Emergência e Segurança de Portugal, conhecido pela sigla SIRESP.
Em causa está o facto de o Departamento Central de Investigação
e Acção Penal (DCIAP), ainda dirigido por Cândida Almeida, ter avocado um
processo sobre a polémica parceria público-privada do SIRESP, mas depois ter
optado por não reabrir o processo. A peça deveria ter sido emitida a 26 de
Janeiro, a par de uma outra que dava conta do não-funcionamento do sistema de
comunicações de emergência durante a vaga de mau tempo, ocorrida uns dias
antes. Mas nunca foi para o ar. Isto sem que a jornalista, que recusou prestar declarações
ao PÚBLICO, tenha conseguido algum tipo de explicações de Judite Sousa,
responsável pelo telejornal naquele sábado.
Contactada pelo PÚBLICO, a subdirectora da TVI garantiu
"não saber" do que o PÚBLICO estava a falar. "Não tenho nada a
dizer", repetiu, numa conversa telefónica que durou pouco mais de dez
minutos. "A Ana Leal nunca falou comigo sobre essa reportagem",
afirma Judite Sousa, que sublinhou que "quem decide sobre a organização e
a gestão da informação são os directores".
Já o director de Informação, José Alberto Carvalho, confirmou,
durante uma entrevista realizada anteontem e publicada parcialmente ontem, que
houve uma "participação" de Ana Leal ao CR, que ainda não tinha tido
oportunidade de ler. "Eu recebi a nota dessa participação e ainda não tive
tempo de a ler. Abri-a, vi a dimensão do texto, e voltei a fechar. Lerei a seu
tempo", afirmou José Alberto Carvalho. Garantindo que iria discutir este
caso no CR da TVI, um órgão a que preside, o director de Informação assume que
faz parte das suas funções assegurar o "respeito pelas regras
deontológicas e editoriais" naquela estação.
"A direcção de Informação, tal com a direcção de um jornal,
tem a obrigação legal - não é o direito, não é o dever, é a obrigação legal -
de decidir o que é notícia; o que é e não é emitido. E fazê-lo em função de
variadíssimos critérios: legais, estratégicos e editoriais", explica o
jornalista. E acrescenta: "É obrigação da direcção de Informação e dos
directores gerirem da forma mais eficiente e eficaz os recursos
disponíveis".
Sem nunca falar sobre o caso concreto, que insiste desconhecer,
José Alberto Carvalho afirma que "o jornalista que decide sozinho utilizar
os recursos da empresa, parece-me insensato; o jornalista que decide sozinho o
que é notícia e não é notícia, parece-me insensato". E, sem nunca referir
o nome de Ana Leal, conclui: "Não é esse o procedimento, não é isso o que
fazemos, não têm [os jornalistas] sequer esse poder, senão, não precisamos de
direcção". A versão, contudo, é contrariada por várias fontes da TVI, que
insistem que a peça foi pedida a Ana Leal como contexto da peça do
não-funcionamento do SIRESP.
Admitindo que aceita que alguns dos seus subalternos trabalhem
no que designa por "autogestão", refere: "Eu permito coisas em
autogestão, acho muito bem, não sou nenhum obcecado com o poder. Acho que as
pessoas são, em regra, ponderadas, sensatas, arriscam o seu nome. Mas isso
acontece quando eu permito, não é quando eles decidem".
Esclarecimento
do DCIAP
Contactado pelo PÚBLICO, através do gabinete de imprensa da
Procuradoria, o DCIAP enviou ontem um esclarecimento: "O magistrado,
oportunamente nomeado para dirigir o inquérito, concluiu pela não-verificação
dos requisitos previstos no Código de Processo Penal para a sua reabertura,
pelo que decidiu manter o seu arquivamento". Não foi possível esclarecer,
em tempo útil, como é que um procurador foi nomeado para um processo que estava
arquivado ou como é que o DCIAP avoca um inquérito sem o reabrir. Isto ainda
que, após avaliar os novos factos, se entendesse que não havia matéria para
continuar a investigação
Em Janeiro de 2009, menos de um ano depois sobre o arquivamento
do processo, o Diário de
Notícias publicou um artigo
intitulado Ministério Público volta a investigar SIRESP. Na notícia dizia-se
que a reabertura do caso era "uma hipótese em cima da mesa, tendo em conta
alguma documentação apreendida a José Oliveira Costa, ex-presidente do BPN, no
âmbito da investigação a este caso".
A forma como decorreu a adjudicação do SIRESP foi denunciada
pelo PÚBLICO em Maio de 2005, tendo dado origem a um inquérito que foi
arquivado em Março de 2008.
Em causa estava a adjudicação daquele sistema de comunicações,
atribuída por dois ministros do Governo de Santana Lopes a um consórcio
liderado pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN) - proprietário do BPN, antes da
sua nacionalização - três dias após as legislativas de 2005, ganhas por
Sócrates. O SIRESP, que custou mais de 500 milhões de euros, foi entregue ao
consórcio liderado pela SLN, uma holding para a qual o então ministro da
Administração Interna, Daniel Sanches, trabalhou, antes de integrar o Governo
de Santana Lopes e de ter adjudicado o negócio.
Dias Loureiro, ex-deputado do PSD, era na altura administrador
não-executivo do grupo, presidido pelo ex-secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais Oliveira Costa, que se encontra em prisão domiciliária no âmbito de uma
das investigações ao BPN.