segunda-feira, 3 de junho de 2013


JUSTIÇA

O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (MJ) pagou em 2010 e 2011 cerca de um milhão de euros (950 mil euros mais IVA) por um sistema informático de gestão processual que nunca chegou a ser aplicado em todos os tribunais, como era inicialmente pretendido.

O programa foi desenvolvido pela Critical Software com o nome Citius Plus e destinava-se a substituir a plataforma Citius/Habilus (que permite a passagem dos processos para suporte infor-. mático) depois de, segundo a empresa, terem sido encontrados "sérios problemas de segurança" nesta última.

A plataforma foi "formalmente aceite" em junho de 2011, ficando instalada em três tribunais: os judiciais de Coimbra e Figueira da Foz e na Relação de Coimbra.

"Entregámos ao ITIJ (atual Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça) o código de fonte (todo o sistema), todas as ferramentas e documentação, o que lhe deu autonomia para decidir como queria desenvolver o projeto", explicou Marco Costa, presidente executivo.

Após junho de 2011, a Criticai teve como missão assegurar a garantia e dar suporte técnico sempre que solicitado. "Ao ITIJ competia operar o sistema no dia-a-dia. E, claro, fazê-lo evoluir se fosse esse o entendimento."

O Ministério da Justiça confirmou ao JN que a empresa tinha cumprido os objetivos delineados. Porém a plataforma ficou "parada no tempo" por não existir "qualquer contrato de suporte/manutenção evolutiva", não tendo sido possível "fazer a passagem de conhecimento para as equipas do ITIJ de forma a permitir a evolução".

Porém, nos últimos dois anos, as equipas do MJ desenvolveram uma outra aplicação, o Citius Piloto, que segundo a tutela, citada pela agência Lusa, se trata de "uma versão do Citius Plus". O Citius Piloto está a ser instalado nos tribunais e "irá suportar os novos desenvolvimentos a fazer para o novo Código de Processo Civil.

TÉCNICOS DO MINISTÉRIO CRIARAM SISTEMA QUE É "UMA VERSÃO" DO CITIUS PLUS

Jornal de Notícias, 3 de Junho de 2013

Aptidão e qualificação

Nos últimos anos, nomeadamente com as alterações feitas em 2008 ao seu Estatuto, o Ministério Público viu crescer a utilização de critérios de confiança pessoal para a nomeação de magistrados para muitos lugares.

O MP deve assentar no mérito e na qualidade dos seus magistrados; não em critérios de confiança pessoal, próprios de outras organizações que não uma magistratura, pois a descaracterizam e atentam contra a responsabilidade individual e a consciência jurídica dos seus magistrados.

Esses critérios fomentam uma cultura organizativa em que potencia, no relacionamento entre os seus agentes e na definição das suas carreiras individuais, fidelidades pessoais em detrimento da competência e particular adequação para cada lugar; cumplicidades em lugar de respeito à lei; compromisso e subjectividade em detrimento de isenção e objectividade. O que o cidadão exige é que cada lugar seja ocupado pelo mais apto e qualificado.

Rui Cardoso

Correio da Manhã, 3 de Junho de 2013

Em defesa da efetiva independência do Poder Judicial na Europa

Lido pelo SMMP:
Berço dos ideais iluministas da separação dos poderes do Estado, ao longo da sua História a Europa sentiu em vários momentos as graves consequências da falta de um Poder Judicial independente, que seja capaz de garantir aos cidadãos a defesa eficaz dos seus direitos.

A crescente integração dos países europeus levou à criação de um espaço judiciário comum, baseado no reconhecimento mútuo e automático das decisões judiciais dos diferentes Estados membros. Contudo, apesar dessa integração e de os juizes nacionais serem agora também Juizes comunitários, não houve a definição de regras mínimas que os Estados devam cumprir para garantir a independência do Poder Judicial em todo o espaço da União.

Alguns -episódios recentes (como as reformas recentemente promovidas na Hungria) vieram mais uma vez alertar para a necessidade da definição de um Standard mínimo de proteção da independência do Poder Judicial. Por outro lado a situação generalizada de crise europeia, com repercussões graves no tecido social, nomeadamente nos novos conflitos que todos os dias emergem, leva os cidadãos europeus a recorrerem, cada vez mais, aos tribunais como forma de verem garantidos os seus direitos fundamentais e sociais.

Decisões judiciais recentes proferidas em França, em Itália, em Espanha ou em Portugal, nomeadamente sobre a compatibilização constitucional de leis que, a propósito do estado de crise, colidiam com princípios constitucionais, mostram bem a importância, para os cidadãos, de existirem tribunais independentes.

A MEDEL (Magistrados Europeus para a Democracia e as Liberdades) promoveu dia 23 de maio - data do aniversário do assassinato do juiz italiano Giovanni Falcone pela máfia - uma jornada europeia de defesa da independência do Poder Judicial, com iniciativas em Bruxelas e em mais de vinte países europeus.

Todos temos o dever de exigir às instituições europeias que garantam que os cidadãos europeus têm acesso a um Poder Judicial com o mesmo grau de independência, qualquer que seja o ponto da União onde se encontrem. Só assim se construirá uma Europa baseada no respeito pelos direitos dos cidadãos e não apenas nas liberdades económicas.

HÁ TRIBUNAIS QUE JÁ DECIDIRAM A FAVOR DE CASAIS GAY

Quando os juízes decidem que o melhor para as crianças é ficar com um casal gay
Há quem entenda que o “superior interesse” de uma criança não fica protegido numa família com dois pais ou duas mães. Mas há anos que os tribunais entregam crianças a famílias homoparentais, apesar de a lei proibir a adopção por casais gay
Andreia Sanches
São 14 páginas onde se passa em revista a ainda curta vida de um menino, então com dois anos, e onde se interpreta, à luz do direito e das convenções internacionais, o que é o “superior interesse da criança”. A certa altura, o juiz escreve o seguinte: “Nunca será de mais afirmar que a questão da orientação sexual de Eduardo Ferreira e Luís Borges nunca poderia ser circunstância impeditiva na atribuição da confiança de H. aos cuidados daquele casal.”
Num país onde os casais gay não podem adoptar, o Tribunal de Família e Menores do Barreiro decidiu que o menino ficaria confiado aos cuidados do cabeleireiro de Lisboa, conhecido como Eduardo Beauté, e de Luís Borges, o mediático modelo internacional. Foi em Outubro de 2012. Actualmente, Luís vai pondo fotografias na sua página do Facebook – a criança na praia, em casa, a comer mousse de chocolate, sorridente. “Obrigado por Deus te ter colocado na minha vida”, escreveu há dias.
Um segundo caso: em 2009, em Oliveira de Azeméis, duas meninas de oito e cinco anos foram retiradas aos pais. Tinham sido detectados problemas de negligência ao nível dos cuidados de higiene, alimentação e acompanhamento escolar. O pai bebia de mais. A casa não tinha água. Para sua protecção foram acolhidas numa instituição.
O tio das meninas, homossexual, a viver com um companheiro há vários anos (o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não tinha sido aprovado), passou a visitá-las na instituição e requereu a guarda das meninas, com a concordância da sua irmã – mãe das crianças. A juíza de Oliveira de Azeméis analisou o pedido e, segundo foi noticiado na altura, quando lhe enviou a carta a convocá-lo para ir a tribunal, onde seria informado da decisão de que as sobrinhas lhe iam ser entregues, por um período não inferior a seis meses, remeteu-a também ao companheiro dele.
Quatro anos passados, as meninas continuam com o casal, relatou ao PÚBLICO uma advogada que acompanhou o processo. Os relatórios sociais que foram sendo feitos ao longo destes anos mostram que têm carinho, higiene, refeições a horas, acompanhamento na escola.
No ano passado, Teresa Paixão (ver texto nestas páginas), que protagonizou com Helena Paixão o primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal, conseguiu, ao fim de vários anos, a guarda da filha. Beatriz vive actualmente numa quinta em Sintra, com duas mães e uma irmã. “A sua inserção no agregado familiar resulta benéfica para a menor”, lê-se na sentença de 2012 do Tribunal Judicial de Estremoz.
Tema fracturante
O argumento mais usado pelos críticos de qualquer medida que passe por entregar uma criança a dois homens ou a duas mulheres homossexuais é este: “O superior interesse da criança” não se cumpre dessa forma.
Esse mesmo argumento voltou a ouvir-se depois da aprovação, na generalidade, há duas semanas, da proposta de lei do PS, sobre coadopção. E foi manifestada também pelo ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares (CDS-PP), que declarou estar contra o diploma: “Como democrata-cristão, tenho uma posição que é pública e conhecida: a adopção deve visar sempre a protecção dos interesses da criança. É exactamente por isso que não vejo a bondade desta medida.”
Já a ministra da Justiça (PSD), Paula Teixeira da Cruz, felicitou os deputados pela aprovação, que classificou como “histórica”, e, logo depois, o ministro da Presidência, Luís Marques Guedes (PSD), veio explicar que a governante tinha dado apenas uma “opinião pessoal”. Em suma, o tema fractura. Mesmo se se fala apenas de co-adopção – que significa dar a possibilidade de um dos membros do casal poder adoptar o filho, biológico ou adoptado, da pessoa com quem já vive em união de facto ou com quem é casada.
Propostas que visem alargar a possibilidade de qualquer casal gay ser candidato à adopção (o que actualmente não é permitido) já foram chumbadas por duas vezes. Para a Ordem dos Advogados, que, a pedido do Parlamento, emitiu parecer sobre a proposta do PS (assinado por Marinho Pinto), as crianças têm direito a uma família “constituída por um pai (homem) e uma mãe (mulher) e não com um homem a fazer de mãe ou com uma mulher a fazer de pai.”
Quanto ao Conselho Superior do Ministério Público, também num parecer a propósito do projecto do PS, disse: “Vale para a orientação sexual o mesmo argumento que valeria, por exemplo, se se considerasse, à partida, que determinadas situações genéricas, por exemplo a situação de desempregado, de deficiência ou de pertença a um grupo social, fossem impeditivas de adoptar.”
“Sempre senti a pressão de ter boas notas”
Reportagem
Andreia Sanches
A 7 de Junho de 2010, Teresa e Helena casaram-se. Dois anos depois, Teresa conseguiu em tribunal “o exercício das responsabilidades parentais” Marisa mudou 15 vezes de escola ao longo da vida. Mas, mesmo assim, tem boas notas e espera entrar no curso de Psicologia Criminal, na Força Aérea. “Sempre senti a pressão de ter sucesso”, diz. Por duas razões: vivia com duas mulheres, “duas mães”, que tinham uma relação homossexual, e sentia que à sua volta isso nem sempre era visto com bons olhos, pelo que iria provar que não era mal-educada. Para além disso, as suas duas mães – Helena, a biológica, e Teresa, a companheira de Helena – lutavam havia anos pela guarda de Beatriz, a filha biológica de Teresa. “Se eu tivesse insucesso escolar, o tribunal ia pegar nisso”, conta Marisa. “Iam dizer: ‘Como é que aquelas duas mães querem ter uma criança a cargo delas se a criança que elas já têm tem insucesso escolar?’”
Marisa tem hoje 17 anos, uma expressão confiante, um discurso articulado. “Ainda há preconceito, mas as coisas estão melhor”, diz. Sobretudo entre as pessoas da sua geração. Acha que a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo tem ajudado.
Há cerca de 11 anos, ainda não havia essa lei. Quando Teresa se separou do marido, foi viver com a filha, Beatriz, em casa dos pais. Depois, apaixonou-se por Helena, que vivia com a filha, Marisa, e foi viver com elas.
Quando Teresa foi buscar Beatriz, para a juntar à nova família, os avós recusaram entregála. “Na altura considerava-se que eu era uma pessoa perigosa, por viver com outra mulher, e foi isso também que o meu marido alegou”, conta Teresa.
Quando o caso chegou a tribunal, o juiz reconheceu que Beatriz gostava muito da mãe (“mantém com ela um bom relacionamento”, lê-se no processo) e que o pai raramente telefonava à criança. Resultado: pediram-se avaliações e “relatórios sobre as condições económica, moral e social” de Teresa e sobre as “condições habitacionais e económicas” do pai de Beatriz e dos avós. “Acho que fui a primeira pessoa a quem foi pedida uma avaliação moral para ficar com a filha”, diz Teresa.
Os relatórios, bem como as decisões, arrastaram-se durante anos. Ao longo dos quais Beatriz foi vivendo com os avós – que a impediam de ver a mãe. E só em 2007 é que o tribunal definiu um regime de visitas. A guarda de Beatriz continuava confiada aos avós, mas a mãe podia vê-la, fimde-semana sim, fim-de-semana não, e passar férias com ela.
Beatriz tinha nove anos quando confrontou os avós. “Tinha acabado de vir de férias com a minha mãe. De cada vez que voltava para os meus avós começava a chorar, porque queria estar com a minha mãe. E disse: ‘Ou vou viver com a minha mãe ou fujo’”, conta a rapariga, de cabelos longos e loiros, hoje com 13 anos. Não foram tempos fáceis para ninguém na família. Em muitos locais onde Helena e Teresa viveram não foram bem aceites, contam. Em algumas escolas por onde passou, Marisa foi vítima de bullying. “E quando íamos à escola perguntar o que se passava diziamnos: ‘Oh, os outros, coitadinhos, são filhos de famílias um pouco complicadas…’ Havia sempre uma desculpa. Mas se fosse a Marisa a fazer bullying a resposta seria: ‘Pois, já se sabe, filha de um casal homossexual tinha de fazer asneira’”, diz Teresa.
Em Fevereiro de 2006, Teresa e Helena tornaram-se o primeiro casal do país a dirigir-se a uma conservatório para se casarem. Era o início de um mediático processo que trouxe Helena e Teresa para as páginas dos jornais. Foi uma exposição enorme, mas não se arrependem. “Voltávamos a fazer se fosse preciso.” A 7 de Junho de 2010, com a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo aprovada, casaram-se – foram o primeiro casal gay a fazê-lo em Portugal. Marisa e Beatriz assistiram à cerimónia – nessa altura, Beatriz já vivia com elas.
O processo de regulação do poder paternal, contudo, conseguiu demorar mais tempo. A 2 de Julho de 2012, o tribunal, depois de verificar que Beatriz já vivia com a mãe, com “a mulher desta e a filha menor desta”, que estava “bem inserida no contexto escolar”, que apresentava “bom aproveitamento” e “boa relação afectiva” com a progenitora, entregou “o exercício das responsabilidades parentais” a Teresa.
Há muito, diz Teresa, que o pai de Beatriz está ausente da vida da filha. Por isso, tanto ela como Helena gostavam que a lei da coadopção se aplicasse à família delas – “Mas já me disseram que não se aplica.” E disseram-lhes bem: tal como foi aprovado, o projecto de lei do PS deixa bem claro que se houver um segundo vínculo de filiação estabelecido com o menor, a co-adopção não pode ser requerida.
Mesmo sem lei, partilham a educação das filhas. Teresa é encarregada de educação de Marisa. E Helena, encarregada de educação de Beatriz. Assim, podem ir as duas às reuniões da escola de cada uma das filhas. O debate prossegue. Mas, independentemente das grandes diferenças que marcam as decisões dos tribunais do Barreiro, Oliveira de Azeméis e Estremoz, e de estas não visarem a figura legal da adopção ou da co-adopção, elas mostram como os tribunais portugueses já decidiram, em alguns casos, que o “superior interesse” das crianças se cumpre enquadrando-as numa família homoparental. E estes não são casos únicos – os envolvidos tendem é a não revelar as decisões, disseram ao PÚBLICO representantes de algumas associações que prestam apoio a pais homossexuais.
O interesse das crianças
O caso Eduardo Beauté e Luís Borges, bastante mediatizado na altura, tem características únicas, entre os que foram noticiados ao longo dos anos. Tinham-se casado em Maio de 2011. Em Agosto desse ano, a mãe de um menino com um ano e três meses entregou-lhes o filho para que cuidassem dele, continuando, contudo, a visitá-lo. A descrição consta da sentença a que o PÚBLICO teve acesso na íntegra.
O menino nascera com síndrome de Down, e alguns problemas decorrentes, e não apresentava “qualquer estímulo adequado à sua idade”. O pai estava preso.
Já Eduardo e Luís garantiam-lhe, segundo os relatórios de avaliação analisados pelo juiz António José Fialho, os cuidados de saúde adequados, tendo sido possível observar “uma evolução francamente positiva em termos de desenvolvimento”. Mais: construíram uma “relação afectiva forte” com a criança, pretendiam assumir “responsabilidades parentais”.
Os avós da criança estavam contra, por se tratar de um casal gay, e queriam ficar com o neto – que passaria a acompanhá-los na sua actividade de vendedores ambulantes.
“Considerar que a orientação sexual constituiria um factor de impedimento à atribuição dos cuidados ou das responsabilidades parentais consubstanciaria uma discriminação com base nessa orientação, proibida por via dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana”, escreveu o juiz do Barreiro.
“Não resulta demonstrado que essa orientação seja um factor de risco ou de perigo para a criança”, argumentou. E “os receios” manifestados de que ela pudesse “seguir uma orientação sexual diversa da pretendida pelos seus pais ou pela sua família são também infundados”, já que “não é possível educar alguém para ser homossexual ou heterossexual”.
Ambiguidade ou preconceito
“Nem a lei nem os instrumentos internacionais definem o que deve entender-se por ‘superior interesse da criança’”, sustenta o juiz na sua decisão. “Daí que, por se tratar de um conceito jurídico indeterminado, o princípio só adquire relevância quando referido ao interesse de cada criança em concreto, defendendo-se mesmo que haverá tantos interesses quantas forem as crianças destinatárias.”
Para o juiz, este não era um menino igual aos outros, “pelo que o acompanhamento em feiras e mercados não seria o local adequado para lhe permitir uma oportunidade diferente e estruturada em termos de estímulos”. Por isso, valorizou “a dedicação, empenho, estabilidade, carinho e respeito” que Eduardo Beauté e Luís Borges lhe proporcionavam.
Optou por confiar a criança aos cuidados de Eduardo e Luís – primeiro como medida de protecção e, depois, atribuindo-lhes os “poderes-deveres de guarda, de representação, assistência e educação do menor”, incluindo a possibilidade de viajarem todos, sem autorização dos pais biológicos. As “restantes responsabilidades parentais” foram atribuídas à mãe da criança, que deveria poder visitá-la em dias e local a combinar com Luís e Eduardo.
O tema não é pacífico. Rita Lobo Xavier, professora de Direito da Universidade Católica do Porto e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, diz ter grandes dúvidas em relação a este tipo de decisões – ainda que ache que o caso de Oliveira de Azeméis está “legalmente mais bem defendido” porque a confiança das crianças é, formalmente, entregue a uma pessoa e não a um casal gay.
“Se a lei proíbe a adopção por pessoas do mesmo sexo, não faz sentido confiar um menor a um casal constituído por pessoas do mesmo sexo”, diz, defendendo ainda que se é um facto que a questão do “superior interesse da criança” não é para ser analisado à luz de “critérios de legalidade estrita”, também não pode haver “arbitrariedade”.
Sérgio Vitorino, activista da associação Panteras Rosa, vê nestas decisões dos tribunais algo bem diferente: “Demonstram, melhor do que qualquer debate, as incongruências legais criadas com o reconhecimento legal de parte das famílias formadas por casais do mesmo sexo – uniões de facto, matrimónio civil semo reconhecimento das relações parentais já existentes no interior dessas famílias ou dos projectos de paternidade/maternidade que estes casais venham a assumir. O percurso legal feito desde que foi aprovado o ‘casamento sem adopção’ eleva a hipocrisia a ponto de se considerarem as mesmas pessoas ora aptas ora inaptas nas suas capacidades parentais.” Em suma, trata-se de uma “discriminação dupla, dos casais em função da orientações sexual, e das crianças” que não vêem um dos seus progenitores reconhecido.
Votação sem data
Processo demorado e de resultado incerto
O projecto de lei sobre a co-adopção já chegou à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias, onde serão feitas as audições que vierem a ser pedidas pelos partidos, mas ainda não começou a ser trabalhado.
É um processo demorado e ninguém arrisca avançar com uma data para a votação final global. Pode ser até ao final da sessão legislativa ou ficar para Setembro. A aprovação ou chumbo é outra dúvida, dada a escassa margem com que passou na generalidade (99 votos a favor, 94 contra) e o número de deputados que estavam ausentes naquele dia, em particular na bancada social-democrata.
A discussão na especialidade do projecto de lei ainda nem sequer começou. A primeira comissão tem uma agenda cheia de trabalho, nomeadamente propostas na área da Justiça. Os partidos podem agora pedir para ouvir especialistas e entidades. Para tal deverá ser constituído um grupo de trabalho. Só depois de todas as audições é que podem ser apresentadas alterações ao projecto socialista. É então marcada a votação na especialidade e só depois é agendada a votação final global em plenário. É o resultado desta votação que conta para efeitos legais.
Como ainda não se discutiram as audições a realizar, nenhuma das bancadas arrisca a avançar com datas para o fim do processo legislativo. Pode ser até Julho, mas poderá derrapar para a próxima sessão legislativa, pós-férias de Verão. De qualquer maneira, o projecto de lei não cai com o fim da actual sessão legislativa (só acontece com a mudança de legislatura) e todo o trabalho na especialidade é aproveitado na próxima sessão. Sofia Rodrigues

Público, 3 Junho 2013

Justiça obriga 228 empresas a alterar contratos abusivos

Justiça obriga 228 empresas a alterar contratos abusivos
Seguradoras, ginásios e banca na mira do Ministério Público
Investigação. 228 instituições foram obrigadas a retirar dos seus contratos cláusulas consideradas abusivas. Mas, ao todo, em Lisboa, as ações cíveis ascenderam 3,4 mil milhões de euros
FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA
Ginásios, bancos, seguradoras, comunicações móveis e operadores turísticos estão a ser os principais alvos do Ministério Público (MP) na anulação das chamadas “cláusulas contratuais abusivas”. Ou seja, disposições predefinidas nos contratos de adesão entre estas empresas e consumidores que podem prejudicar o cidadão, “sem possibilidade de discussão ou alteração, que normalmente não são explicadas, são redigidas em letra minúscula e assim oferecidas à assinatura do consumidor”, explica a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), na sua página oficial.
Holmes Place, Wellness Spa Center, Banco Espírito Santo, Banif, Santander Totta, Banco Popular, a seguradora Axa, Zon, Lusitânia Vida, Seguros Mapfre ou Groupama Vida (ver coluna ao lado) foram alguns dos visados nas ações cíveis do último ano por parte do Ministério Público.
No total, o Registo Nacional de Cláusulas Abusivas – onde estão referenciadas todas as instituições que celebraram estes contratos estãoregistados 228 casos. Só nos últimos quatro anos, na Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (que abarca quase metade do território judicial nacional), estiveram 400 instituições sob suspeita. Segundo o procurador Pina Martins, procurador da República coordenador das ações cíveis na comarca de Lisboa “desde há quatro anos a esta parte, o Ministério Público do distrito judicial de Lisboa instaurou mais de 400 averiguações com vista a apurar se, em outros tantos casos, estávamos perante cláusulas abusivas” e, na sequência disso, propôs “cerca de 110 ações inibitórias”, conclui (ver caixa em baixo).
Valores das ações em 2012
Só no ano passado, as ações cíveis que passaram pela Procuradoria-geral distrital de Lisboa envolveram 3,4 mil milhões de euros. Um valor bastante elevado se compararmos com os relativos às ações laborais decididas na PGDL (11 milhões de euros) e às comerciais (sete milhões de euros).
Ao DN, o procurador da República da PGDL, José Branco, assume que “os resultados apresentados – sejam as quantias envolvidas seja a defesa dos interesses da coletividade e dos cidadãos – decorrem de uma aposta forte e crescente do Ministério Público em áreas de que, normalmente não se fala, como o cível e o laborai”, explica, já que a principal responsabilidade do MP, à partida, é a investigação criminal.
O relatório anual da PGDL relativo a 2012 reflete a aposta em matéria de “interesses difusos e coletivos” que estes contratos de seguradoras, bancos e ginásios, violam (ver caixa em baixo). Exemplo disso é a criação do projeto “Procuradoria Cível de Lisboa”, para difusão das cláusulas contratuais abusivas declaradas nulas. Menezes Cordeiro, advogado e autor do livro “Direito Civil Português”, defende mesmo que “o Ministério Público é o grande motor das ações já intentadas”.
Alguns dos casos chegam ao conhecimento do MP através da DE- CO que, desde 2010, já levou a tribunal bancos por cláusulas abusivas nos contratos de crédito à habitação. Concretamente na questão das instituições financeiras querem ter liberdade para alterar unilateralmente o spread (margem do banco) e outros custos referentes ao empréstimo quando se verificarem alterações de mercado.
LITÍGIOS
Instituições violam “interesses difusos” dos cidadãos
A massificação da sociedade de consumo tem feito aumentar alguns litígios que podem ser acautelados através da ação do Ministério Público. Este órgão, também competente no âmbito das ações cíveis, é competente para tentar solucionar parte deles, em defesa de um leque variado de pessoas ligadas por um interesse comum. A título de exemplo, todos os que adquiriram um automóvel com o mesmo defeito de fabrico, ou aqueles que aderiram a um contrato de um ginásio com letras minúsculas contendo disposições abusivas ou ainda aqueles que possam ficar afetados por alguma poluição ambiental de uma região. São os chamados “interesses difuso”, defendidos através das ações inibitórias.
NULIDADES
HOLMES PLACE
O Ministério Público declarou nula a cláusula definida pelo ginásio que previa que “o valor da anuidade poderá ser livremente alterado pelo Holmes Place, após comunicação aos associados com 45 dias de antecedência”.
ZON TVCABO
Estabelecia a TV Cabo, que “se no período de dois anos, detetar o acesso indevido pelo cliente, ou de terceiros a partir da instalação do cliente, aos produtos e serviços, o cliente fica obrigado ao pagamento de uma penalidade correspondente ao valor devido pela utilização, por um período de 12 meses”. Mas o MP acabou a anular esta obrigação.
EUROVIDA
A seguradora estipulava que todos os pagamentos a efetuar pela seguradora só seriam feitos nos seus escritórios, “na localidade de emissão deste contrato e só serão exigíveis depois de entregues todos os documentos a que se referem as cláusulas anteriores”. Mas a disposição acabou por ser considerada abusiva.
BANCO ESPÍRITO SANTO
Nos contratos de crédito ao consumo, dizia o BES que são da exclusiva responsabilidade do beneficiário todas as despesas judiciais e extrajudiciais em que o BES venha a incorrer para boa cobrança dos créditos de capital, juros e encargos devidos, legal e contratualmente.’ Foi chumbado.
BANCO POPULAR
No cartão de crédito estabelecia o banco, erradamente segundo a PGDL, que seria “alheio a eventuais incidentes entre o comerciante ou prestador de serviços e o titular do cartão, bem como às responsabilidades e consequências que tais factos possam originar.”
SEGURADORA AXA
Nos contratos de seguros de vida, a AXA foi obrigada a retirar a cláusula que exigia “atestado médico e elementos clínicos onde constem as causas e a evolução da doença que causou o falecimento” da pessoa.
HGB TRAVEL
Nos contratos do cartão Inter Travel, os titulares do cartão classicficavam obrigados, anualmente, durante o mês de Fevereiro, “a adquirir uma publicação/anuário dos produtos Inter Travel” e caso o sócio aderisse ao cartão Visa Inter Travel, teria de autorizar o débito dos custos referentes a esta publicação, no cartão Visa. Mas o Ministério Público considerou uma violação dos direitos do consumidor.

Diário Notícias3 Junho 2013