1. O Diário de Notícias de hoje publica mais uma entrevista da Magistrada do ministério Público que dirige o DIAP de Lisboa em que, para além de algumas banalidades intimistas, nas quais se inclui a concordância hierárquica com discutíveis pontos da prática judiciária, vem à baila o tema das escutas telefónicas.
Tenta a Magistrada contrariar a pergunta do jornalista, que apontava para a eventualidade de se tratar de um método preguiçoso.
No entanto, é evidente que se trata de um método burocratizante e de alto risco intrusivo, pelo que a lei exige que só seja autorizado (judicialmente) quando “indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter”. E pode efectivamente transformar-se num método preguiçoso.
Quanto à escuta ser, em sua opinião, um “fardo enorme” e às exigências formais serem “intermináveis” e que “tudo tem de ser transcrito”, basta olhar para o artigo 188º do CPPenal para concluir que não é assim. Bem mais difícil será procurar a prova na rua, em contacto com as pessoas, em busca dos sinais externos, nos exames à escrita ou à sua falta, no controlo do uso de outros meios de comunicação que não apenas os telefónicos.
2. Mas para além da proeza sublinhada pela entrevistada – constitui “um número recorde” terem sido ouvidas 72 pessoas num mês e meio no denominado caso “Apito Dourado”-, e da insistência em o ministério Público se aproximar cada vez mais e estreitar as relações com as polícias (não está em causa uma boa articulação, porém ao Ministério Público cabe fiscalizar a actuação funcional das polícias), o que me surpreendeu foi a pronta adesão que se dá às escutas por parte dos serviços secretos.
Tínhamos os ministros da Justiça e da Administração Interna favoráveis a esse sistema. Temos agora também esta Representante do ministério Público.
Veja-se a justificação: “São escutas que não são feitas para perseguir um crime ou para recolher prova em relação a um crime, mas para protecção e segurança do cidadão e do país. São escutas de natureza preventiva em relação ao terrorismo, por exemplo. Em França fazem cinco mil escutas administrativas por ano, autorizadas pelo ministro da Administração Interna. Não me faz espécie nenhuma isso. Até lhe digo uma coisa: é preferível que haja escutas autorizadas”. - Politicamente? Pergunta cautelosamente o jornalista.
“Com certeza. É preferível a haver uma margem indefinida de situações na penumbra, porventura incontroláveis” (afinal sempre há escutas ilegais – perguntaríamos?)
Como aplaudir a existência de “escutas administrativas” autorizadas por um qualquer ministro, independente ou de partido? E será que os Serviços Secretos iriam confiná-las apenas aos crimes de terrorismo ou outros de catálogo, “desperdiçando” toda a restante informação que lhes vem nessa “rede”, sem uma nota, uma transmissão, uma confidência à entidade que a administrou? E como seria usado o segredo de Estado, controlado pelo próprio Governo?
Sabemos que em França se acaba de permitir, no quadro de um caso de terrorismo, o acesso a correio electrónico pelas forças da ordem sem o controlo de um juiz, ao abrigo da Lei n° 2006-64, de 23 Janeiro de 2006.
O uso de “escutas administrativas” tem sido um elemento fraco da prática francesa e por muitos criticada, que nos compete afastar.
Não temos dúvidas, todavia, que apesar de serem esse “fardo enorme”, os Serviços Secretos portugueses estariam disponíveis para o suportar…
Espera-se que a própria direcção da PJ não se deixe sem mais embarcar nesta onda.
3. O Partido no poder dá pistas claras e insistentes de querer caminhar no sentido de alterar a Constituição e a lei de modo a permitir, com maior ou menor controlo formal, que também os Serviços de Informações façam escutas telefónicas, e por acréscimo, de outros meios tecnológicos, nomeadamente, os informáticos; temos agora a mediática magistrada a não hesitar em fazer coro.
O que nos devemos interrogar – e já o anotei uma vez aqui – é sobre que países europeus dispõem de tal sistema e como está previsto (o exemplo francês das “escutas administrativas” é um péssimo exemplo). Mas mais do que isso: sem ignorar que a criminalidade organizada é a primeira a aproveitar da globalização e das novas tecnologias de informação e comunicação, o contexto nacional e a sua inserção no mundo regional e internacional exigem mais esse sacrifício das liberdades públicas?
Sinceramente, continuo a não ver razões para responder pela afirmativa. Antes pelo contrário.
Tenta a Magistrada contrariar a pergunta do jornalista, que apontava para a eventualidade de se tratar de um método preguiçoso.
No entanto, é evidente que se trata de um método burocratizante e de alto risco intrusivo, pelo que a lei exige que só seja autorizado (judicialmente) quando “indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter”. E pode efectivamente transformar-se num método preguiçoso.
Quanto à escuta ser, em sua opinião, um “fardo enorme” e às exigências formais serem “intermináveis” e que “tudo tem de ser transcrito”, basta olhar para o artigo 188º do CPPenal para concluir que não é assim. Bem mais difícil será procurar a prova na rua, em contacto com as pessoas, em busca dos sinais externos, nos exames à escrita ou à sua falta, no controlo do uso de outros meios de comunicação que não apenas os telefónicos.
2. Mas para além da proeza sublinhada pela entrevistada – constitui “um número recorde” terem sido ouvidas 72 pessoas num mês e meio no denominado caso “Apito Dourado”-, e da insistência em o ministério Público se aproximar cada vez mais e estreitar as relações com as polícias (não está em causa uma boa articulação, porém ao Ministério Público cabe fiscalizar a actuação funcional das polícias), o que me surpreendeu foi a pronta adesão que se dá às escutas por parte dos serviços secretos.
Tínhamos os ministros da Justiça e da Administração Interna favoráveis a esse sistema. Temos agora também esta Representante do ministério Público.
Veja-se a justificação: “São escutas que não são feitas para perseguir um crime ou para recolher prova em relação a um crime, mas para protecção e segurança do cidadão e do país. São escutas de natureza preventiva em relação ao terrorismo, por exemplo. Em França fazem cinco mil escutas administrativas por ano, autorizadas pelo ministro da Administração Interna. Não me faz espécie nenhuma isso. Até lhe digo uma coisa: é preferível que haja escutas autorizadas”. - Politicamente? Pergunta cautelosamente o jornalista.
“Com certeza. É preferível a haver uma margem indefinida de situações na penumbra, porventura incontroláveis” (afinal sempre há escutas ilegais – perguntaríamos?)
Como aplaudir a existência de “escutas administrativas” autorizadas por um qualquer ministro, independente ou de partido? E será que os Serviços Secretos iriam confiná-las apenas aos crimes de terrorismo ou outros de catálogo, “desperdiçando” toda a restante informação que lhes vem nessa “rede”, sem uma nota, uma transmissão, uma confidência à entidade que a administrou? E como seria usado o segredo de Estado, controlado pelo próprio Governo?
Sabemos que em França se acaba de permitir, no quadro de um caso de terrorismo, o acesso a correio electrónico pelas forças da ordem sem o controlo de um juiz, ao abrigo da Lei n° 2006-64, de 23 Janeiro de 2006.
O uso de “escutas administrativas” tem sido um elemento fraco da prática francesa e por muitos criticada, que nos compete afastar.
Não temos dúvidas, todavia, que apesar de serem esse “fardo enorme”, os Serviços Secretos portugueses estariam disponíveis para o suportar…
Espera-se que a própria direcção da PJ não se deixe sem mais embarcar nesta onda.
3. O Partido no poder dá pistas claras e insistentes de querer caminhar no sentido de alterar a Constituição e a lei de modo a permitir, com maior ou menor controlo formal, que também os Serviços de Informações façam escutas telefónicas, e por acréscimo, de outros meios tecnológicos, nomeadamente, os informáticos; temos agora a mediática magistrada a não hesitar em fazer coro.
O que nos devemos interrogar – e já o anotei uma vez aqui – é sobre que países europeus dispõem de tal sistema e como está previsto (o exemplo francês das “escutas administrativas” é um péssimo exemplo). Mas mais do que isso: sem ignorar que a criminalidade organizada é a primeira a aproveitar da globalização e das novas tecnologias de informação e comunicação, o contexto nacional e a sua inserção no mundo regional e internacional exigem mais esse sacrifício das liberdades públicas?
Sinceramente, continuo a não ver razões para responder pela afirmativa. Antes pelo contrário.