Vários processos judiciais em diferentes tribunais
do país têm de parar por falta de perícias. Presidente do Instituto Nacional de
Medicina Legal garante que só em menos de 2% – cerca de quatro mil – do total
das perícias realizadas nos dois últimos anos se verificaram atrasos superiores
a 80 dias
Em 6 de Maio do ano passado, uma juíza do Tribunal Judicial de Alcobaça
solicitou ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra que indicasse um perito
médico, da especialidade de psiquiatria, a fim de verificar o grau de
incapacidade de um cidadão e de elaborar um relatório sobre a eventual
necessidade da interdição relativa à administração dos seus bens. Quase um ano
depois, a 2 de Abril deste ano, esse cidadão morreu sem que a perícia tivesse
sido realizada.
No Tribunal de Trabalho de Loures deu entrada, em 2005, uma acção
relativa a um acidente de trabalho. Na sequência deste processo, a juíza
determinou, em Setembro de 2008, a fixação da incapacidade para o trabalho do
sinistrado. A 15 de Dezembro de 2011, três anos depois, um ofício assinado pela
magistrada voltava a requerer uma consulta de urologia, considerada essencial
para a fixação da incapacidade da vítima. Hoje, quase quatro anos após o
acidente, o processo não avança por falta da perícia.
Farto de aguardar pela indicação de um perito para declarar a interdição
de uma cidadã no âmbito de uma acção de 2010, um juiz do Tribunal de Alcobaça
decidiu, em Março passado, solicitar ao Departamento de Psiquiatria do Hospital
de Santo André, em Leiria, a designação de um perito para realizar o exame
necessário à declaração da interdição, até ao passado dia 26 de Abril, sob pena
de multa. Em resposta, o Gabinete Médico-Legal de Leiria remeteu o ofício para
o Instituto de Medicina Legal de Coimbra, que o distribuiu ao Serviço de
Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Norte (Hospital das Caldas da
Rainha). Mas nem mesmo face à possibilidade de multa o perito foi nomeado e a
diligência acabou por ser adiada para o próximo mês de Junho.
Num despacho com data de 26 de Abril último lê-se: “Constata-se que a
entidade a que se solicitou a nomeação de perito médico para intervir na
diligência agendada para o dia de hoje não só não nomeou perito, como delegou
tal incumbência ao INML, que, por sua vez, delegou no SPSM do CHON, sendo que
nenhuma das instituições procedeu à nomeação de perito médico.” Ficou sem
efeito a diligência agendada e, em sua substituição, designou-se o próximo dia
16 de Junho.
Alertas do procurador
Os atrasos nas perícias são apontados em muitos casos como os principais
entraves para a realização da justiça, tanto no âmbito dos processos cíveis
como penais. Contudo, o presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal
(INML), Duarte Nuno Vieira, assegura que, do total das mais de 180 mil perícias
solicitadas e realizadas no INML nos dois últimos anos, apenas menos de 2%
tiveram atrasos superiores a 80 dias.
O presidente do INML chama ainda a atenção para o facto de, segundo o
que está estipulado pela Academia Internacional de Medicina Legal, só se
considerar que existe atraso “quando entre a realização da perícia e a saída do
relatório pericial decorrem mais de 90 dias”.
Em dois anos consecutivos, por ocasião da abertura do ano judicial, o
procurador-geral da República, Pinto Monteiro, referiu a demora das perícias
como um dos obstáculos ao trabalho do Ministério Público. “Se numa investigação
criminal se tornar necessário um exame a uma arma de fogo, recebe-se do Órgão
de Polícia Criminal competente a informação de que o exame demorará um mínimo
de 300 dias”, salientou em 2010 na sua intervenção no Supremo Tribunal de
Justiça. “Se tiver que ser realizado um exame contabilístico, quase sempre indispensável
nos chamados ‘crimes de colarinho branco’, desespera-se enquanto o mesmo se
arrasta no tempo; um exame no laboratório de Polícia Científica, não obstante
os esforços e a competência de quem aí trabalha, demora longos meses; um exame
grafológico perde-se no tempo; um simples exame a uma cassete pirata ou a DVD e
CD não tem resposta pronta.”
Observando que estes obstáculos impedem a “eficácia da investigação, que
acaba por se prolongar no tempo para além do razoável”, Pinto Monteiro defendia
que fossem facultados às entidades competentes pela realização de perícias
“meios técnicos e humanos que lhes permitam uma resposta pronta ou então que se
encontre forma legal de prescindir do seu concurso”.
Duarte Nuno Vieira nota que a prática pericial “não é como nas séries do
CSI”, salientando a necessidade da “série de passos que têm de ser
concretizados para que um resultado pericial possa ser obtido”. E reconhece as
dificuldades, lembrando que quando o instituto entrou em funcionamento, em
2001, tinha realizado pouco mais de 41 mil perícias – agora aproxima-se das 100
mil anuais. “Foi um crescimento exponencial que não foi acompanhado por
qualquer reforço significativo do número de especialistas”, diz.
Ainda assim, apesar deste aumento, “apenas menos de quatro mil tiveram
atraso superior a 80 dias”. Por outras palavras, nos dois últimos anos “176 mil
foram enviadas atempadamente”, esclarece Duarte Nuno Vieira, considerando que
este resultado “não consente falar em atrasos”.
Os atrasos mais frequentes devemse à carência de peritos, sobretudo
médicos, no Sul do país, diz o presidente do INML, apontando também outros
factores como “as avarias de equipamentos” ou “os casos em que as informações
ou exames complementares solicitados a serviços de saúde demoram por
circunstâncias diversas a ser enviadas ao INML”, a que se acrescentam “as
situações de grande contaminação de uma amostra ou de surgimento de novos
elementos que vão obrigando a explorar outros resultados e possibilidades”.
Duarte Nuno Vieira nota também que existem atrasos imputados ao INML e
que não são responsabilidade do instituto, como as perícias no âmbito da
psiquiatria forense, que “são remetidas pelo INML para serviços de saúde
mental” que muitas vezes demoram longos períodos de tempo até darem a resposta
necessária para o andamento do processo.
Paula Torres de Carvalho
Público de 04-05-2012