A
porta e os vidros da seguradora Zurich, na Rua Luís Veiga Leitão, as montras do
Montepio Geral, na Rua da Boavista, e da Caixa Geral de Depósitos na zona de
Campanhã, Porto, foram apedrejados na madrugada de domingo. A PSP recebeu ontem
um pedido para fazer "policiamento" ao escritório da Zurich devido
aos "atos de vandalismo", disse fonte policial à Lusa, não os
associando, para já, à manifestação anti- troika de sábado.
Os
atos de vandalismo em todo o País, contra carros ou prédios, em igrejas e
edifícios públicos, ascendem a 54 por dia desde o início de janeiro até junho,
somando os dados da PSP e da GNR.
O
ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, anunciou a 6 de agosto que
vai avançar com legislação própria para combater o vandalismo. Atualmente, os
estragos em propriedade particular ou do Estado cabem todos no mesmo
"saco" penal: o crime de dano e de dano qualificado.
Quando
PSP e GNR contabilizam o crime de dano, juntam os estragos a propriedade
particular e a propriedade pública (do Estado ou das autarquias) e a separação
dos vários tipos de situação é difícil. Para aumentar a confusão, a Justiça tem
interpretações diversas. Nem sempre fazer graffiti em equipamentos ou edifícios
públicos é considerado um ato criminoso.
Seja
por falha na lei ou na sua interpretação, há casos que têm ficado impunes, como
se verifica num acórdão a que o DN teve acesso. Um grupo encheu de graffiti
várias carruagens estacionadas numa estação do Metropolitano de Lisboa. A
empresa avançou uma ação por dano qualificado em coisa destinada ao uso e
utilidade públicos, que é um crime punido com pena de prisão até cinco anos ou
com multa até 600 dias. Mas o processo acabou arquivado porque os estragos
causados não foram interpretados como crime, nem pelo Ministério Público nem na
Relação de Lisboa em sede de recurso do queixoso.
Já
num outro acórdão, do tribunal criminal de Lisboa, foi decretada multa contra
um arguido punido à revelia, exatamente pelo crime de dano, por ter desenhado
uns gatafunhos numa parede (ver caixa).
Interpretações
diferentes
Fontes
policiais queixaram-se ao DN de que a ação das forças de segurança é
dificultada pela "falta de consistência judicial" quanto a este
crime. Lembram que têm muitas vezes de pedir aos lesados para apresentar
queixa-crime para que haja intervenção. E que a única forma de PSP e GNR
excluírem a necessidade de queixa é se o dano for superior a 50 unidades de
conta, cerca de 5100 euros. "Passa a ser valor elevado, logo sem
necessidade de denúncia", diz fonte policial.
Até
agora, o novo diploma sobre vandalismo que o MAI quer levar ao Parlamento pouco
avançou. O DN pediu esclarecimentos ao MAI em agosto e setembro mas a resposta
foi que "nesta fase" não era possível dar mais informação.
Câmaras
de Lisboa e Porto combatem
A
autarquia de Lisboa criou um programa de remoção de grafitti e outros registos
de "arte de rua" ao mesmo tempo que avançou com a Galeria de Arte
Urbana na Calçada da Glória, em 2008, que pretendeu elevar o grafitti a forma
reconhecida de arte urbana (distinguindo-o de "garatujas selvagens",
como respondeu a Câmara).
No
Porto, o presidente da Câmara, Rui Rio, criou, há vários anos, uma equipa de
limpeza de grafittis equipada com máquinas para limpar pedra. "Atividade
que, em breve, será alargada à pintura de paredes em geral", referiu ao DN
o gabinete de Rui Rio.
Existe
também um protocolo entre a autarquia e o Ministério Público, para substituir o
processo-crime por trabalho à sociedade, obrigando o condenado a limpar o que
fez, referiu ainda o gabinete do autarca.
ESTATÍSTICA
Casos
recuam no primeiro semestre
Nas áreas da PSP e da GNR as participações pelo crime de dano têm vindo a
descer. Passou-se de uma média de 57 atos de vandalismo por dia participados no
primeiro semestre de 2011 para 54 no período homólogo deste ano. Desceu de 4484
queixas por dano em geral feitas à PSP e 32 por dano contra o património
cultural no primeiro semestre de 2011 contra 4051 e 17, respetivamente, no
período homólogo deste ano.
A GNR forneceu só os totais do dano em geral (sem o património cultural): de
5874 queixas no primeiro semestre de 2011 desceu para 5678 em 2012.
'Graffiti'
no metro não é crime mas dá indemnização...
Em causa, para os desembargadores da Relação de Lisboa, estava saber se os
arguidos, ao fazerem pinturas e desenhos com latas de spray, vulgo graffiti, em
várias carruagens estacionadas numa estação do Metropolitano de Lisboa,
estariam a cometer o crime de dano qualificado em coisa destinada ao uso e
utilidade públicos (punido com prisão até cinco anos ou multa até 600 dias).
No acórdão da Relação, a que o DN teve acesso, os desembargadores dão razão ao
Ministério Público, que decidiu arquivar o caso. A"destruição" ou
"desfiguração" teria de atingir as características funcionais do
Metropolitano, o que não aconteceu. "A atuação dos autores dos graffiti,
inserida nos tempos e modas da juventude, é no convencimento de se estar a
desenvolver forma de arte e expressão", refere o acórdão da Relação de
Lisboa O metro só teria direito a pedir indemnização cível.
...
mas também é crime e dá direito a indemnização
A Justiça pode ter dois pesos e duas medidas. O caso de que se dá conta a
seguir ilustra isso mesmo. Um cidadão suíço invadiu o resguardo para recolha de
material circulante do Metropolitano de Lisboa, nas proximidades da estação
Baixa Chiado, e procedeu à pintura de vários metros da parte lateral exterior
de uma carruagem do Metropolitano com graffitis. Foi surpreendido em flagrante
por uma operadora de linha.
O processo seguiu para julgamento e o 6.° Juízo Criminal de Lisboa condenou o
arguido pela autoria material de um crime de dano simples e por um crime de
introdução em lugar vedado ao público na multa global de 650 euros, a que
corresponde, subsidiariamente, a pena de 86 dias de prisão. Na parte cível, o
cidadão suíço foi condenado a pagar ao Metropolitano de Lisboa a quantia de
189,62 euros, com juros de mora. Um tratamento bem diferente do caso anterior.
Dano
em património subiu 67% em dois anos na capital
Dados que a Polícia Municipal de Lisboa avançou ao DN indicam que os crimes em
património cultural/municipal subiram 67,8% na capital desde 2010. Há dois
anos, entre graffiti (15), furtos/danos (sete) e incêndios (seis), os crimes de
dano em património cultural totalizavam 28.
Em 2011, os atos de vandalismo com graffiti foram dez em Lisboa, com furtos e
danos foram 15 e com incêndios seis, num total de 31 casos contabilizados.
Finalmente, este ano e até ao momento, não houve um único caso de vandalismo
com graffiti registado pela Polícia Municipal na cidade de Lisboa.
Em contrapartida, houve 38 casos de furtos/danos e nove de incêndios, num total
de 47 crimes registados. Contas feitas, isto significa que os atos de
vandalismo subiram 67,8% na capital desde 2010.
Rute
Coelho
Diário de Notícias de 17-09-2012