O livro é lindo, na capa, em azul, ostenta-se o sexto marquês de Marialva. O autor é anónimo, a obra foi atribuída a João Bernardo Freire de Andrade Beja.
O título, esse, é uma suave provocação ao espírito: «Tratado jurídico das pessoas honradas». Só visto por dentro, na edição fac-similada em que se reeditou já no ano passado, se percebe que as «pessoas honradas» são, afinal e apenas, as que «têm algumas das honras», as que, por isso, gozam de «prerrogativas». São os condes, marqueses, barões, grandes do Reino, pessoas reais e fidalgos de linhagem, a par com tantos outros, em tudo o que os distingue dos vulgares plebeus e que no livro se explica como se distinguem pelos efeitos da distinção. Não se espera ironia numa obra assim. Foi escrita em 1851, segundo a legislação vigente à data da morte de D. João VI e exprime-se como um autêntico código de soberba. Mas o que menos se espera é tropeçar nele com uma sublime definição do que sejam as virtudes patrícias desses senhores. Vem no § 15º do artigo 2º, como uma das prerrogativas das pessoas honradas: «de por direito se presumir que obram bem e com fidelidade». Gozam do privilégio de «serem inquiridos na casa da sua residência, não sendo inquiridor o juiz» e podem «mandar requerer às justiças dos lugares as bestas e carretas que houverem mister». Quanto aos «grandes do Reino», os que têm direito ao tratamento de «Excelência», esses, segundo o «Tratado», tinham a prerrogativa especial de seus filhos, sendo licenciados em Direito «começarem a servir na magistratura pelo lugar de desembargador do Porto». Precisamente no Porto, sabe-se lá porquê.