Quando os funcionários públicos (ou
"trabalhadores em funções públicas") e os pensionistas sentiram na
pele os cortes nos vencimentos e subsídios, só puderam invocar a Constituição.
Esperaram, assim, que o Tribunal Constitucional se assumisse como guardião dos
critérios de Justiça – o que não significa que lhe caiba tomar decisões sobre
política económica.
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
A
jurisprudência constitucional tem confrontado sempre a leitura dos princípios e
das normas constitucionais com os problemas concretos e desenvolve um diálogo
hermenêutico entre o texto da Constituição e a realidade histórica. O Tribunal
Constitucional nunca deixou de se pautar por esses parâmetros, independentemente
do mérito das suas decisões.
No
âmbito da decisão tomada sobre a redução das remunerações (Acórdão nº 396/2011), o Tribunal Constitucional fixou duas exigências que não podem ser
escondidas "debaixo do tapete". A redução só seria compatível com a
Constituição se obedecesse a critérios de necessidade e igualdade na
distribuição dos sacrifícios e possuísse um caráter temporário.
Tais
critérios pressupõem um estado de exceção e obrigaram os governos a alterar o
discurso político, convertendo a "supressão" em "suspensão"
das prestações remuneratórias. Por outro lado, colocam um travão à perigosa
"criatividade" de uma política financeira que tende a sacrificar
quaisquer direitos ao objetivo supremo da redução do défice público.
O
Tribunal Constitucional enfrentou agora, no plano da fiscalização abstrata
sucessiva (e é pena que não o tenha podido fazer em sede de fiscalização
preventiva), a questão da constitucionalidade dos cortes dos subsídios de
férias e de Natal nos vencimentos dos funcionários públicos e em todas as
pensões (tanto do setor público como do setor privado).
O
Tribunal não caiu no erro de "lavar as mãos", a pretexto de não lhe
caber avaliar a política económica. E compreendeu que a sua decisão anterior,
de admitir o corte excecional de parte dos vencimentos dos funcionários, não
poderia ser levada a sério se, cumulativamente, aceitasse agora o corte
discriminatório, integral e duradouro de outras prestações.
Perante
este caso tão difícil, pedia-se aos juízes constitucionais que fossem hercúleos
em independência, coragem e sabedoria. Numa decisão fundamentada na igualdade e
aprovada com apenas três votos de vencido, os juízes comprovaram a sua
honorabilidade, a dignidade do Tribunal Constitucional e o acerto do nosso
sistema de fiscalização da constitucionalidade.
Coluna
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