Público
- 01/03/2013 - 00:00
No
topo do Ministério Público, é essencial existir absoluta confiança
Tenho
pouca simpatia pelos segredos. Não porque não os saiba ou me custe guardá-los
mas porque, muitas vezes, servem para calar e esconder o que devia ser
conhecido. No caso da justiça criminal, frequentemente, servem para esconder a
falta de progresso nas investigações, quando não a total inactividade
processual ou coisas ainda piores. As prescrições, por exemplo, beneficiam do
segredo de justiça. Normalmente, os grandes defensores do segredo de justiça
são os advogados dos arguidos "poderosos" que visam proteger,
naturalmente, os interesses dos seus clientes. Que nem sempre coincidirão com
os interesses da justiça ou da sociedade em geral.
Acresce que a preocupação com a violação do segredo de justiça é
selectiva: uma violação que devia ter sido devidamente investigada foi a que
permitiu a alguns dos implicados no processo "Face Oculta" saberem
das escutas de que eram alvo e mudarem de telefones. Tanto quanto se sabe, a
investigação deu em nada.
Acresce que, numa sociedade democrática, a transparência é, em
princípio, uma virtude. E quanto mais soubermos, quanto mais a informação
circular livremente, melhor poderemos actuar e fazer escolhas.
Por isso nunca consegui aderir às excitações periódicas contra
os jornalistas que divulgavam dados de processos que estavam em segredo de
justiça. Porque aos jornalistas, na posse desses dados, não lhes cabia
ocultá-los e porque as revelações ou as eventuais violações do segredo de
justiça - se exceptuarmos o caso já clássico da revelação num matutino de uma
busca que se ia realizar nesse dia à tarde - nenhumas consequências tiveram a
nível da eficácia da investigação. Sendo certo que as cruzadas purificadoras
são sempre de desconfiar. Em nenhum dos país do mundo, em que exista o segredo
e justiça, deixaram de existir violações do mesmo. Faz parte do mundo da
justiça.
No entanto, a violação do segredo de justiça tem sido apontada,
por diversas personalidades, como um dos mais graves problema da Justiça
portuguesa. Neste momento, as criticas à violação do segredo de justiça no
nosso país já atingiram mesmo um nível transnacional e inédito: a
Procuradoria-Geral de Angola protestou esta semana "veementemente"
contra a forma "despudorada e desavergonhada" como em Portugal tem
sido violado sistematicamente o segredo de justiça, nomeadamente em casos que
envolvem cidadãos angolanos.
Acresce a este peculiar panorama, o facto de estar em curso uma
auditoria, ordenada pela Procuradora-Geral da República, aos inquéritos-crime
dos últimos dois anos que tenham sido objecto de eventuais violações do segredo
de justiça, de forma a apurar como e onde ocorreram as violações e como
evitá-las de futuro; devendo, naturalmente e uma vez mais, estudar-se o que se
passa lá pelo estrangeiro.
Uma medida que foi saudada por toda a gente e que parece apontar
um caminho novo e mais positivo do que tinha sido trilhado até hoje: em vez de
se procurar punir os jornalistas, visa-se implementar sistemas que evitem a
chegada aos jornalistas das informações que estão a coberto do segredo de
justiça. Por analogia com o comércio da droga, em vez de se perseguir o dealer final, pretende-se estancar a
produção. O que, como é evidente, faz todo o sentido.
Anunciada em 4 de Janeiro, esperemos que a auditoria esteja a
chegar ao fim dos seus trabalhos sob pena de se desacreditar, tornando-se em
mais uma das comissões e inquéritos sem fim que abundam no nosso país. E seria
muito desagradável qualquer dia termos notícias sobre o que passa na auditoria,
através de fugas ao segredo da mesma...
Na verdade, há um lado nas violações do segredo de justiça que é
efectivamente perturbante e que consiste no facto de serem os próprios
guardiães do segredo que o violam e de uma forma que parece selectiva. Claro
que sempre houve e haverá advogados que, obedecendo a estratégias de defesa,
fornecem informações "secretas" a jornalistas, mas o mais preocupante
é saber-se - sem nunca se poder provar - que serão também magistrados ou
funcionários judiciais que violam os seus deveres funcionais e que numa atitude
dúplice investigam e divulgam o que não deviam divulgar.
E, por isso mesmo, me parece muito saudável a atitude da
procuradora-geral da República de querer saber quem foi das pessoas que deviam
ser da sua inteira confiança que forneceu informações a um órgão de informação
sobre o conteúdo de uma reunião de trabalho. Porque se quem está à frente de
uma organização hierárquica tão poderosa e importante como é a PGR não pode
confiar nos seus mais próximos colaboradores, somos uma república das bananas.
P.S.: Na verdade, somos. A saga da limitação dos mandatos
autárquicos, por exemplo, com este último requinte à volta do "de" e
"da" é a prova disso mesmo. Como o continua a ser, também, a saga do
ministro Miguel Relvas, agora, novamente, debaixo de água.
Advogado. Escreve à
sexta-feira ftmota@netcabo.pt