Fundo de estabilização da Segurança Social vai comprar quatro mil milhões
de euros em títulos da dívida, o que poderá reduzir para metade as necessidades
de financiamento do Estado em 2014
SEGURANÇA SOCIAL
Seguro dos pensionistas depende da saúde financeira do Estado
Foi um dos últimos despachos de Vítor Gaspar, mas pode ter efeitos a longo
prazo. A saúde financeira do fundo de estabilização da Segurança Social passou
a ser indissociável da saúde financeira do Estado
Sérgio Aníbal
Imagine que o Estado português entra em falência, deixa de pagar aos seus
credores, declara um default e fica com dificuldades em fazer face a despesas
como os salários dos funcionários públicos ou as pensões. Os reformados esperam
poder contar com o recurso ao Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança
Social que, com mais 10.000 milhões de euros, tinha sido criado exactamente
para fazer face a situações de ruptura no sistema de Segurança Social. Mas não.
O fundo tinha investido quase todo o seu dinheiro em títulos de dívida pública
portuguesa, agora sem qualquer valor, e não consegue, no momento em que é
realmente preciso, cumprir a sua função.
Este é o cenário extremo que antevêem aqueles que, nas últimas semanas,
mais têm criticado a decisão do Governo de dar instruções ao FEFSS para comprar
mais títulos de dívida pública portugueses, passando este activo a ter um peso
no portefólio do fundo de 90%, contra os cerca de 55% actuais.
“Desta maneira, quando o fundo for preciso, ele fica descapitalizado, não
se segura um risco desta maneira. Isto é um verdadeiro anti-swap”, afirma
António Bagão Félix, ex-ministro das Finanças e da Segurança Social, defendendo
ainda que “a partir do momento em que tem 90% dos activos em dívida pública
portuguesa, deixa de fazer sentido o fundo de estabilização, mais vale entregar
tudo ao IGCP [entidade que gere a dívida pública portuguesa]“.
A decisão de aumentar a exposição do FEFSS à dívida pública foi anunciada
pela troika no relatório da sétima avaliação ao programa português e foi
confirmada por um despacho conjunto dos ministros das Finanças e da Segurança
Social, assinado no último dia de Vítor Gaspar no cargo. Nesse despacho
explica-se que o fundo irá, até 2015, vender os activos estrangeiros que detém
e comprar títulos de dívida pública portuguesa, num valor próximo de 4000
milhões de euros. Fonte oficial do Ministério da Segurança Social explica que
as razões para esta decisão estão “nas actuais condições de rentabilidade da
dívida pública estrangeira” e no facto de “esse investimento visar contribuir
para assegurar a sustentabilidade da dívida pública portuguesa, como consta do
relatório da 7.ª avaliação do Programa de Assistência Económica e Financeira,
uma das condições para o sucesso do programa ajustamento”. A mesma fonte
assinala ainda que “esta decisão está em linha com a gestão de fundos
semelhantes, como o exemplo espanhol”.
O ministério não respondeu às questões do PÚBLICO em que se perguntava se o
risco assumido pelo fundo não poderia ser agora maior e se o fundo tinha
garantido algum tipo de protecção especial contra um eventual default da
República Portuguesa.
A decisão tem sido, nas últimas semanas, alvo de críticas de vários
economistas, de todos os quadrantes políticos. “É uma medida que me faz lembrar
um jogador de casino que, enfrentando perdas, arrisca tudo para recuperar as
perdas. É uma medida desesperada de alguém que coloca todas as ‘fichas’ no
regresso aos mercados, não olhando a custos. E quando falhar esse regresso ao
mercado, então não é só o Estado que entra em incumprimento da dívida, é a
viabilidade do sistema de pensões pública que é posta em causa”, afirma Ricardo
Cabral, professor na Universidade da Madeira.
O economista Nuno Teles diz que “a julgar pelo exemplo da reestruturação
grega, o fundo da segurança social arrisca-se a enormes perdas neste cenário”,
já que, “se este financiamento for feito através dos mercados, na forma de
Obrigações do Tesouro, seria legalmente difícil poupar o fundo de uma
reestruturação”. Esta alteração no fundo fez ainda subir de tom as dúvidas em
relação à utilidade da própria existência do FEFSS. Nuno Teles defende que “os
ganhos no longo prazo não só são incertos como também pouco significativos
enquanto mecanismo de compensação num hipotético cenário de insustentabilidade
da Segurança Social”, afirmando que “os excedentes devem ser investidos por
forma a criar uma economia mais próspera e solidária, que permita uma vida
decente aos presentes e futuros reformados”.
Vítor Bento, que desde há vários anos questiona a lógica de existência do fundo,
escreveu num artigo de opinião recente no Diário Económico que “cada euro de
poupança que a Segurança Social coloque no fundo tem equivalente imediato num
euro de dívida adicional emitida pelo Estado. (…) O Estado Português, em
sentido lato, acaba assim por se endividar para financiar o Estado alemão, a
IBM, a Microsoft, ou seja lá o que for onde o chamado fundo invista o seu
dinheiro”.
Apesar das críticas feitas nas últimas semanas, antes da decisão, a questão
foi debatida pelo conselho consultivo do instituto que gere o FEFSS e a decisão
mereceu a aprovação dos representantes de todos os parceiros sociais, com a
excepção da CGTP.
Rafael Campos Pereira, o representante da CIP, explica porquê. “O Estado
encontra-se numa situação complicada e há este fundo que pode financiar o
Estado a taxas razoáveis. É interessante para o Tesouro e para o fundo”,
afirma, lembrando que “nos últimos dois anos o sistema de segurança social foi
deficitário e o Orçamento do Estado cobriu essas perdas, não se foi buscar
dinheiro ao fundo”.
A este argumento do apoio do Fundo ao Estado, os mais críticos respondem
com o objectivo inicial do FEFSS. “As contribuições foram pagas pelos
empregadores e trabalhadores e não são do Estado. Estão meramente a ser geridas
pelo Estado. Os gestores do FEFSS, bem como os governantes que definem os
critérios para gestão desse fundo, têm responsabilidades – o chamado dever
fiduciário – pela boa gestão dos activos desse fundo em representação dos
proprietários desses activos, os actuais e futuros pensionistas”, afirma
Ricardo Cabral.