segunda-feira, 1 de maio de 2006

A nova agenda dos juízes


«(...) Temos mais de trinta anos de democracia e verdadeiramente não podemos reclamar a autoria de nenhuma reforma fundamental do sistema de justiça. Donde decorre, que, aos olhos dos nossos concidadãos, sejamos vistos como cúmplices e interessados no seu evidente mau funcionamento. O que, por não ser verdade, precisa de ser mudado. A representação sindical dos juízes, que começou por fazer todo o sentido na época histórica em que surgiu, e que teve a sua importância na preservação dos valores da independência (incluindo também o aspecto relevante das condições materiais para o exercício da função), perdeu há muito, do meu ponto de vista, sentido estratégico e utilidade prática.
Mas a verdade é que essa aposta persistiu fazendo o seu caminho, baseada na ilusão de que por essa via os juízes conseguiriam obter melhores condições para exercer a sua função e, assim, por reflexo, exercê-la melhor. Ilusão que se desfez, quando, esgotadas todas as possibilidades do discurso voluntarista e reivindicativo, no fim desse caminho, os juízes perceberam que não há lá nada e que essa via não tem saída. Donde, está bom de ver, para avançar agora, vai ser preciso voltar um pouco atrás e começar de novo.
Precisam os juízes, pois, colectivamente, de uma nova agenda política.Afirmar em primeiro lugar, sempre, a cultura da exigência. Em todos os aspectos organizativos, funcionais e de comportamento, os juízes têm de ser os primeiros a exigir de si próprios um desempenho situado num patamar de excelência e de encontrar forma de isolar aqueles (...) que, não querendo corresponder a tais expectativas, degradam a imagem e prestígio da justiça. Depois, não menos importante, intervenção cívica e visibilidade social.
A funcionalização burocrática, que esconde os juízes na sombra dos gabinetes, atrás dos processos, é contrária a uma justiça capaz de afirmar os valores da cidadania e dos direitos humanos. Também, ainda, uma aposta clara e prioritária na eficiência dos tribunais. Do lado das reformas, com abertura, disponibilidade e interesse, e não contra toda a mudança - esse conservadorismo tão típico dos tribunais. Tomando a dianteira de avançar com propostas de solução dos estrangulamentos do sistema, de forma positiva e construtiva. Não por razões estratégicas de melhoria da imagem social dos juízes. Mas porque essa é a nossa responsabilidade.
E, finalmente, talvez o mais importante: respeito e dignidade. O relacionamento dos juízes com os governantes, num espaço comum que é o da organização política do Estado, deve basear-se sempre, mutuamente, em padrões de grande respeito institucional e correcção formal e substancial. Valores que condicionam directamente a imagem e prestígio dos tribunais. Por isso, importa colocar esse diálogo institucional num patamar de normalidade e desdramatização. Com memória, mas sem ressentimentos inúteis e inconsequentes.É a afirmação desta agenda própria, que não se detenha a todo o passo no ruído das questões da actualidade político-mediática (...), que poderá ganhar para os juízes a confiança dos seus concidadãos»

Manuel Henrique Ramos Soares,
novo Secretário-Geral da Associação de Juízes,
Quinta-feira, Abril 27, 2006
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