terça-feira, 9 de julho de 2013

Tribunal restringe responsabilização dos gestores por multas fiscais

DECISÃO DO CONSTITUCIONAL
Juizes consideram que não pode haver reversão da responsabilidade nos casos em que os gestores ou administradores das empresas sejam condenados. Multas podem atingir milhões
FILOMENA LANÇA
filomenalanca@negocios.pt
Os administradores e gerentes de uma sociedade que sejam condenados por um crime fiscal, cuja pena cumpriram ou estejam a cumprir, não podem ser solidariamente responsáveis pela multa em que a sua empresa foi responsável pela prática do mesmo crime. Em síntese, é esta a principal conclusão de um Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que veio pronunciar-se sobre uma questão que já tem sido muitas vezes abordada pela jurisprudência sem que os tribunais gassem a uma conclusão comum, sendo que as multas em questão podem atingir os milhões de euros, nos crimes mais complicados.
Os magistrados do Constitucional consideram que, neste tipo de casos, estaria a ser violado o princípio da “pessoalidade das penas”, consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP)e segundo o qual uma pessoa não pode ser punida duas vezes pelo mesmo crime. Que seria o que aconteceria se houvesse lugar a reversão: depois de já ter cumprido pena, o administrador ou gerente seria penalizado novamente se fosse obrigado a pagar a multa que cabe à sociedade, mas que esta já não paga ou porque não tem os meios necessários ou pura e simplesmente porque foi dissolvida e desapareceu.
O Acórdão, publicado na semana passada em Diário da República, veio declarar inconstitucional uma norma do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) segundo a qual, “quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas”. Apesar de a decisão não ter força obrigatória geral e só se aplicar ao caso concreto, “o mais provável é que os tribunais de primeira instância não apliquem esta norma no futuro”, explica Joaquim Lampreia, advogado especialista em contencioso tributário. Se a questão vier novamente a ser colocada junto do TC, este acabará por fixar jurisprudência quando houver três processos sobre a mesa
Multas podem atingir milhões de euros
No processo que agora chegou ao Tribunal Constitucional, dois administradores foram condenados pelo crime de abuso de confiança fiscal a uma multa (que substituiu a pena de prisão) de 200 dias, à razão de três euros diários, o que dava 600 euros. A empresafoicondenadaa400diasde multa, a cinco euros cada, portanto, 2.000 euros que estavam a ser pedidos aos respectivos administradores. No entanto, as multas podem atingir valores muito superiores, explica Joaquim Lampreia Isto porque, segundo a lei, aos crimes tributários cometidos por pessoas colectivas é aplicável a pena de multa de 20 até 1920 dias, sendo que por dia o valor poderá variar entre os cinco e os 5.000 euros. No limite, e em casos muito graves, a multa pode atingir os 9,6 milhões de euros.
Esta não foi a primeira vez que o TC se pronunciou sobre a questão da reversão, que tem sido sempre admitida no sentido que esteja em causa uma responsabilidade subsidiária: a empresa tem de pagar uma multa, não tem dinheiro para o fazer, então esse dever reverte para os seus administradores ou gerentes. Neste caso, no entanto, o TC considerou que nesta norma se está perante uma responsabilidade solidária, que acresce à responsabilidade própria do administrador, que já foi, ele próprio, condenado por aquele crime e que teria de ser punido novamente, assumindo a pena que não lhe tinha sido aplicada a si, mas à empresa.
IDEIAS-CHAVE
CONSTITUCIONAL “TRILHA AQUI UM CAMINHO PERIGOSO”
1 REVERSÃO É UM MECANISMO FREQUENTE
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração ou gestão em empresas são subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias dessas mesmas empresas. A mesma responsabilidade se aplica aos casos em que há multas ou coimas aplicadas às pessoas colectivas por factos praticados durante o período do exercício dos seus cargos. Este mecanismo é usado frequentemente e já foi declarado conforme à Constituição pelo Tribunal Constitucional.
2 GESTORES NÃO DEVEM PAGAR A DOBRAR
Menos pacífica tem sido a situação em que, estando sobre a mesa crimes de natureza fiscal, também os próprios gestores e administradores são considerados culpados. Nestes casos, vem agora o TC dizer, não pode haver responsabilidade solidária, que implicaria que os gestores não só pagassem as multas que lhes são aplicadas a titulo pessoal, como também as aplicadas às empresas. A fronteira é “ténue”, explica o advogado Joaquim Lampreia, que considera que “o TC trilha aqui um caminho perigoso, com algumas fragilidades”.
3 MULTAS PODEM SER ELEVADAS
No máximo, a multa a aplicar a uma empresa pode chegar aos 9,6 milhões de euros, ainda que em regra os valores não sejam tão elevados. Este Acórdão vem determinar que os valores não poderão ser cobrados aos administradores e gestores ficando, no limite, por cobrar. E são frequentes os casos em que as empresas já foram declaradas insolventes ou foram simplesmente dissolvidas e desapareceram, deixando de haver uma entidade com personalidade jurídica para assacar culpas.
Jornal Negócios | Terça, 09 Julho 2013

Ninguém quer as casas dos juízes

JUSTIÇA – PATRIMÓNIO ASCENDE A 3,2 MILHÕES DE EUROS
Das 44 residências postas à venda, apenas uma foi comprada. Nem o financiamento a 100% da Caixa Geral de Depósitos foi argumento suficiente
RAQUEL OLIVEIRA
O Ministério da Justiça só conseguiu vender uma das 44 casas de magistrados que colocou à venda em junho. Apesar de os imóveis terem financiamento a 100% da Caixa Geral de Depósitos (CGD), apenas foi vendido um T2, no Funchal, por 68 500 euros, mais 500 euros do que o preço-base pedido.
As hastas públicas destinadas à venda das 44 casas que até agora serviam para residência temporária dos juizes ficaram desertas, com exceção da que se realizou no Funchal no passado dia 25 de junho. Com preços que variam entre os 29 750 euros e um máximo de 226100 euros, esta venda de património do Ministério da Justiça contou com financiamento da CGD, que oferecia ainda as despesas de avaliação.
No total, o valor dos imóveis ascendia a 3,2 milhões de euros, de acordo com a página do ministério liderado por Paula Teixeira da Cruz, com distribuição de norte a sul do País. Além de apartamentos e vivendas, estão também na lista para venda alguns terrenos urbanos.
Já no ano passado, das 72 casas de juízes levadas a leilão, foram apenas vendidas 29. A crise económica que se faz sentir no País, em particular no setor imobiliário, é a grande razão para que as hastas públicas da Justiça fiquem desertas. Os leilões foram organizados pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça e tinham por objetivo conseguir receitas para o ministério. Os imóveis voltam a hasta pública no final do ano, adiantou ao CM fonte do Ministério da Justiça.
Correio Manhã | Terça, 09 Julho 2013

Juizes e militares fogem às novas regras no Estado

LEGISLAÇÃO LABORAL
Militares e juizes fora das novas regras da Função Pública
Objectivo da nova Lei Geral é promover a igualdade com o privado. Mas ao manter excepções, o diploma perpetua desigualdades no Estado
CATARINA ALMEIDA PEREIRA
Uma das justificações para a criação da nova Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas é a aproximação à lei laborai do sector privado. Mas a igualdade que se pretende promover será maior para uns do que para outros, já que a primeira proposta mantém as excepções garantidas a vários grupos profissionais que trabalham para o Estado. Juizes, militares da GNR ou das Forças Armadas, pessoal do gabinete dos ministros ou dos órgãos e serviços de apoio ao Parlamento são alguns dos que estão expressamente excluídos de algumas normas ou de toda a nova Lei Geral. Paralelamente, médicos e professores já asseguraram acordos específicos.
Ficam, assim, salvaguardados regimes especiais num diploma que reduz férias, consolida o aumento do horário de trabalho e o novo regime de mobilidade especial (com despedimento ao fim de um ano, excepto para os nomeados), além de sistematizar todas as normas laborais. Nalguns casos, a opção é justificada por razões jurídicas ou porque os trabalhadores estão sujeitos z ao regime laborai do sector privado. Noutros, será uma decisão política Todas as corporações defendem que há motivos, estatutos e especificidades que justificam o facto de ficarem de fora.
O alcance das excepções será uma das questões a debater nas reuniões com as estruturas sindicais marcadas para esta terça e quarta-feira O documento que chegou aos sindicatos refere que os primeiros artigos – relativos ao âmbito de aplicação – estão “parcialmente em aberto”, “uma vez que só estabilizando o diploma após negociação com os sindicatos deverão em definitivo identificados os artigos para que as mesmas irão remeter”. O Governo pretende arrancar a discussão com os primeiros 50 artigos da proposta, de um total de 436, apesar de a Frente Comum ter manifestado mais interesse em discutir a questão da requalificação.
A primeira proposta ajuda a perceber qual é a intenção do Governo. Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical de Juizes, explica que os magistrados, que são “titulares de órgãos de soberania” não estão abrangidos por esta proposta. Nem poderiam estar, sustenta. “Nós temos um Estatuto próprio que é uma garantia de independência do Governo”. No novo diploma o Governo evita assim, o problema criado em 2007, altura em que o Constitucional chumbou a norma que aplicava a lei dos vínculos aos magistrados judiciais.
Este anteprojecto também “não é aplicável” aos militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, “cujos regimes constam de lei especial”. Isto sem prejuízo da aplicação da norma que lhes garante o vínculo de nomeação “e do respeito pelos princípios aplicáveis ao vínculo do emprego público” previsto em artigos que ainda estão incompletos, para negociação.
A intenção de proteger os militares da mobilidade especial ficou subentendida quando, há algumas semanas, o Governo os excluiu expressamente da lei da requalificação, um diploma autónomo que será debatido na quinta-feira As excepções não se ficam por aqui: os gabinetes de apoio dos membros do Governo estão de fora, enquanto os órgãos de serviço de apoio à Assembleia da República estão incluídos, mas “sem prejuízo de regimes especiais”.
Noutros casos, tal como justifica o Governo, o objectivo é excluir os trabalhadores sujeitos à lei laboral do privado. É o caso da maioria dos que estão nas empresas públicas, reguladores e Banco de Portugal.
O facto de a proposta não se aplicar aos Institutos Públicos de regime especial, leva José Abraão, da Fesap a temer que o objectivo seja generalizar o código laboral privado nestes institutos, onde o pessoal está actualmente em contrato de trabalho em funções públicas.
Médicos e professores já vão ter regimes mais favoráveis
Mesmo entre os funcionários abrangidos pela lei há já compromissos políticos que garantem diferenciação. O recente entendimento entre o Ministério da Educação e os professores, que pôs fim à greve às avaliações, prevê que a mobilidade especial não comece a ser aplicada antes de 2015. No caso dos docentes, as cinco horas extraordinárias de trabalho por semana poderão ser realizadas em casa Os médicos asseguraram no ano passado que o aumento de horário será acompanhado por um aumento de salário.
Os sindicatos vão reivindicar tratamento idêntico. Pretendem por exemplo que o aumento do horário para 40 horas por semana possa ser anulado por negociação colectiva
OS TEMAS EM DISCUSSÃO
QUEM É ABRANGIDO PELA NOVA LEI GERAL DO TRABALHO
QUEM É ABRANGIDO
Por princípio, a todos os trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, desde que não estejam excepcionados
TOTALMENTE EXCLUÍDOS
De acordo com a primeira proposta, que ainda pode ser alterada, ficam totalmente excluídos juizes, gabinetes de apoio dos membros de Governo, institutos públicos de regime especial (quando os regimes prevejam excepções), E.P.E, reguladores, Banco de Portugal.
MILITARES EM ABERTO
A proposta “não é aplicável aos militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional republicana cujos regimes constem de lei especial”. No entanto, isto não prejudica o facto de terem o vínculo de nomeação. Os “princípios aplicáveis ao vínculo de emprego público” também serão respeitados, mas este artigo está incompleto.
REGIMES ESPECIAIS PROTEGIDOS
Os regimes especiais de órgãos e serviços de apoio ao Parlamento são respeitados. Competências de autarquias e regiões também.
EXCEPÇÕES NEGOCIADAS
Médicos e professores conseguiram garantias políticas que atenuam o risco de despedimento e os efeitos do aumento do horário de trabalho.
Jornal Negócios | Terça, 09 Julho 2013

Magistrados não querem exclusivo de escutas na PJ

PROPOSTA “Prejuízos para a investigação criminal serão gigantescos” se aPJ ficar, como quer a ministra da Justiça, com a competência exclusiva das escutas telefónicas, dizem magistrados do MP.
Magistrados do Ministério Público contra exclusivo das escutas na PJ
Proposta de lei. “Prejuízos para a investigação criminal serão gigantescos”, alertam procuradores sobre o plano do Governo para impedir PSP, GNR e SEF de recorrerem às interceções
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) é “completamente contra a proposta de atribuir à Polícia Judiciária (PD a competência exclusiva” para fazer escutas telefónicas. Num parecer enviado ao gabinete da ministra da Justiça, autora do plano que visa “disciplinar” a utilização deste meio de prova, os procuradores alertam para os “gigantescos prejuízos” que esta medida pode ter na investigação criminal.
Paula Teixeira da Cruz acredita que concentrar na PJ as investigações, em que as interceções telefónicas, de e-mailse localização celular “terão um desejável efeito disciplinador e unificador”, permitindo que a GNR e a PSP “recentrem a sua atívidade no núcleo essencial das suas funções”, designadamente “o policiamento de proximidade”.
Mas para o SMMP, colocar na PJ todas as cerca de 7000 escutas que, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2012, foram realizadas pela PSP, pela GNR e pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) “desestruturará a investigação criminal e afundará a PJ na investigação de pequenos crimes que ficarão ou sem investigação adequada ou atrasarão a investigação daqueles mais graves, que já são da sua competência”. Embora o Governo garanta que a Judiciária dispõe dos meios necessários para esta missão, os magistrados do MP duvidam. “Quem conhece as dificuldades de meios humanos que a PJ enfrenta atualmente sabe que não terá, de modo algum, condições para responder adequadamente ao enorme aumento do número de inquéritos que teria de investigar”.
O SMMP considera que “os fundamentos que se avançam para esta mudança assentam em pressupostos errados”, lembrando que, ao contrário do que é invocado na exposição de motivos da proposta de lei, as interceções eletrónicas não são apenas utilizadas na investigação dos crimes mais graves e complexos, competência essa reservada à PJ, mas todos os crimes com penas superiores a três anos. Exemplos são os furtos qualificados, ameaça ou injúria por telefone, roubos simples, violência doméstica ou uma investigação de crimes de tráfico de droga “que mais alarme social causam” e que são hoje investigados pela PSP e pela GNR. “Todos esses inquéritos”, destaca o sindicato, “passarão a ser da competência da PJ. Todos esses inquéritos irão ficar parados.”
Os magistrados do MP estão convencidos de que “a desmotivação dos diversos órgãos de polícia criminal (OPC) será inultrapassável os da PJ, incapazes de dar resposta adequada a todo o serviço; os dos outros OPC, desalentados por começarem investigações que depois não acabam e cujos resultados nunca ninguém verá”. O SMMP lamenta que o Governo pretenda sobrepor a PJ à outras polícias, assinalando que “todos os OPC se encontram ao mesmo nível”.
Manifesta ainda o seu ceticismo quanto ao efeito na “utilização/diminuição deste meio de obtenção de prova”. Se o Governo pretende que apenas seja utilizado na investigação da “criminalidade grave, complexa e sofisticada, deve alterar” a legislação “reduzindo o catálogo de crimes e/ou aumentando, ainda mais, o grau de exigência sobre a sua necessidade”. Essa decisão, ” na prática”, significaria aceitar que “alguns tipos de crimes não possam ser investigados com sucesso. É uma opção política que deve ser assumida perante o País.” A ministra pediu pareceres também à Associação Sindical dos Juizes, que concordou de uma forma geral com a proposta, à Ordem dos Advogados (ver caixa), estando a aguardar as opiniões dos conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público.
Conforme noticiou o DN no último sábado, a notícia deste plano deixou a GNR, a PSP e o SEF em “choque” tendo, pelo menos a GNR, pedido esclarecimento ao Ministério da Administração Interna. O ministro Miguel Macedo não quis comentar.
PARECER
Ordem dos Advogados quer mais controlo
A Ordem dos Advogados (OA) concorda com a ministra da Justiça em que a utilização das escutas “fica melhor acautelada, para efeitos de fiscalização e controlo, se a sua realização apenas poder ser cometida a um órgão de polícia criminal, no caso a Polícia Judiciária (PJ)”. No entanto, de acordo com o parecer subscrito pelo bastonário Marinho e Pinto, enviado a Paula Teixeira da Cruz, a OA considera que se “pode e deve ir mais longe”. Uma “fiscalização obrigatória, com carácter periódico, genérico e abstrato, sobre o cumprimento das normas” relativas às escutas é a sugestão. Trata-se de “um problema que está na ordem do dia”, diz a OA e “afigura-se que o Estado de direito democrático não se poderá alhear e negligenciar deste tipo de fiscalização”.
VALENTINA MARCELINO
Diário Notícias | Terça, 09 Julho 2013