A diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Teresa
Pizarro Beleza, alertou hoje para a existência de uma "revisão
constitucional clandestina" em curso, criticando algumas decisões do
Tribunal Constitucional (TC).
Durante a conferência de comemoração dos
50 anos do Instituto Ciências Sociais, que hoje decorreu na Fundação Calouste
Gulbenkian, Teresa Pizarro Beleza lançou o alerta: "Está em curso uma
revisão constitucional clandestina".
"Há a ideia de que, em situação de
necessidade, vale tudo, inclusivamente passar por cima da Constituição. Mesmo
do lado do Tribunal Constitucional, julgo que há decisões ou, pelo menos, votos
que são criticáveis e que devem ser cuidadosamente analisados e
criticados", defendeu a jurista.
À Lusa, Teresa Pizarro Beleza deu como
exemplo a retirada de alguns direitos dos funcionários públicos, como aconteceu
com os cortes dos subsídios de férias e de natal.
A especialista considera que existe um
discurso que tenta olhar para alguns direitos como sendo "regalias"
dos funcionários públicos. Sem discussão, alerta a jurista, essas mudanças
poderão, no futuro, pôr em causa os direitos de todos.
A professora da Universidade de Direito
teme que, por trás desta argumentação, exista o objetivo de "levar as
pessoas a aceitar a ideia de que existe um grupo privilegiado, que são os
funcionários públicos, e que é preciso começar a cortar nas regalias
deles".
O problema, alertou, é que "as
pessoas não se percebem que daqui se passa para cortar a toda a gente. Porque o
princípio da igualdade, em vez de funcionar a favor das pessoas discriminadas,
acaba por estender essa diminuição de direitos a toda a gente".
"Quer a classe política, quer o
próprio Tribunal Constitucional, quer a generalidade dos cidadãos e cidadãs
estão dispostos a aceitar uma alteração profunda da sociedade portuguesa que
vai no sentido contrário aos valores fundamentais que estão na Constituição: da
liberdade, igualdade, dignidade. E penso que é importante as pessoas tomarem
consciência dessa situação", alertou.
Há em algumas decisões do TC uma espécie
de "ideia de cedência à necessidade económica e financeira", disse
Teresa Pizarro Beleza, lamentando a atual ausência de discussão ideológica e
questionamento político.
Durante a sua apresentação na Fundação
Gulbenkian, a ex-vogal do Conselho Superior do Ministério Público alertou:
"Do lado da Assembleia da República e do sistema político português há uma
certa resignação de que o tempo de Abril passou e que, neste momento, é preciso
ser realista e endurecer as coisas, independentemente do que diz a Constituição.
Portanto está em curso uma revisão clandestina da Constituição".
Esta declaração foi fortemente aplaudida
pelo público presente na conferência "Portugal em Mudança - Diversidades,
Assimetrias e Contrastes", que teve início na segunda-feira e encerrou
hoje em Lisboa.
Diário Digital com Lusa
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