quarta-feira, 29 de maio de 2013
Provedor de Justiça considera ilegal taxar reclamações de munícipes
SARA DIAS OLIVEIRA
Público: 29/05/2013 - 00:00
Alfredo José de Sousa diz estar em causa um imposto ilegal
Público: 29/05/2013 - 00:00
Alfredo José de Sousa diz estar em causa um imposto ilegal
Alfredo José de Sousa recomenda à Câmara da Feira que acabe com taxa cobrada aos munícipes por queixas ou reclamação
O provedor de Justiça, Alfredo de Sousa, recomenda à Câmara de Santa Maria da Feira que elimine os preceitos regulamentares que prevêem a cobrança de uma taxa pelo pedido e apreciação de queixas, denúncias ou reclamações. O provedor diz estar em causa um imposto ilegal cobrado a munícipes, que até podem estar a zelar pelo interesse público, e que o princípio da legalidade administrativa não pode estar condicionado ao pagamento de taxas.
O Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação da Câmara da Feira, aprovado a 30 de Junho de 2010, estipula que por cada pedido e apreciação de uma queixa, denúncia ou reclamação sejam cobrados 25,63 euros ao balcão e 15,38 euros no portal da câmara na Internet. Cada pedido de reapreciação após a decisão final custa 51,25 euros ao balcão e 30,75 euros no portal. Se o munícipe tiver razão, o dinheiro ser-lhe-á devolvido.
A autarquia tem até ao final de Junho para comunicar o que decidiu. "O provedor de Justiça tem uma opinião, não faz leis em Portugal", refere Alfredo Henriques, presidente da Câmara da Feira. O autarca sustenta que a câmara não pode mexer numa deliberação da assembleia municipal, mas admite analisar o assunto e, eventualmente, levar o caso a uma próxima reunião. "Vamos analisar e, possivelmente, a assembleia municipal debruçar-se-á sobre essa situação."
Para o provedor de Justiça, a criação dessa taxa revela o exercício de um poder fiscal. "Trata-se de criar um imposto, algo que se encontra constitucionalmente reservado à Assembleia da República." Alfredo José de Sousa pediu esclarecimentos à câmara, que sublinhou que as denúncias e reclamações dão origem a actos administrativos, inspecções, vistorias, levantamentos topográficos, medições e outras operações que envolvem meios humanos e materiais.
O provedor pesou este argumento, mas concluiu que a taxa "condiciona e pode mesmo comprometer o exercício do direito de petição, previsto expressamente na Constituição". "O município não se encontra a prestar nenhum serviço divisível ao autor da queixa, antes cumpre a incumbência geral de fiscalizar e controlar a legalidade urbanística", adverte.
Alfredo Sousa sublinha ainda que os cidadãos que denunciam podem estar a cuidar do interesse público, colaborando assim com a própria administração local. "Impor um tributo por ocasião do exercício de um direito que, ao mesmo tempo, é um dever cívico, e que incumbe os municípios de cumprirem um dever funcional, revela a criação de uma receita fiscal", realça. Em seu entender, se o procedimento administrativo é tendencialmente gratuito, as excepções devem ser devidamente fundamentadas. "Não parece ser o caso."
Antero Resende, do Partido Ecologista Os Verdes e actual cabeça de lista da CDU à Câmara da Feira, apresentou a queixa ao provedor de Justiça no ano passado, depois de ter pago 25,63 euros por uma queixa de índole urbanística, por ter verificado que, a um quilómetro de sua casa, havia um acesso privado a um jardim público. Indignado, pediu o livro de reclamações e decidiu escrever ao provedor de Justiça. Neste momento, Antero Resende vai pedir para ser ressarcido dos 25,63 euros por "cobrança indevida". "O provedor de Justiça considera que quem cumpre com uma obrigação do município, que fiscaliza em nome do município, não pode pagar uma taxa." "A decisão é linear, o provedor não reconhece, em nada, os argumentos da câmara e realça, inclusive, que está a lesar os interesses dos munícipes", interpreta Antero Resende.
A propósito da criação de um Ministério Público Europeu,
quando dele se (re)começou a falar no Dia Europeu da Justiça
*
JL Lopes da Mota
Tem mais de 20 anos o debate sobre a criação de um Procurador Europeu (Procuradoria Europeia ou MP Europeu).
Nos anos 90 foi feito o primeiro estudo sobre a viabilidade de criação de um tal órgão, com competência para investigar e levar a julgamento os autores de crimes afectando os denominados "interesses financeiros da Comunidade".
Projecto de grande envergadura, patrocinado pela Comissão (OLAF) e dirigido por Mireille Delmas-Marty e John Vervaele, ficou conhecido por Corpus Juris (está publicado, em 4 volumes, pela Editora Intersentia - http://www.intersentia.com/searchDetail.aspx?bookid=4464).
Reuniu um grupo de académicos de renome, as opiniões dividiram-se, e um inquérito foi feito nos Estados-Membros da UE.
A conclusão foi que não havia base jurídica no Tratado das Comunidades Europeias (TCE), pelo que, no Conselho Europeu de Nice, na sequência de um novo estudo dirigido pela Comissão (OLAF) - o Livro Verde sobre o Procurador Europeu (http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/en/com/2001/com2001_0715en01.pdf) - foi, por esta, apresentada uma proposta de introdução de um novo artigo no TCE que pudesse constituir a base jurídica em falta.
O resultado é conhecido: a proposta foi recusada pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros (Conselho Europeu) e, em vez disso, o Conselho Europeu decidiu introduzir uma disposição no Tratado da União, pelo Tratado de Nice - Jornal Oficial C-80, de 10.3.2001, p. 10 (http://www.ecb.int/ecb/legal/pdf/pt_nice.pdf) - que, alterando o artigo 31.º do Tratado da União Europeia, incluiu a Eurojust (cuja criação tinha sido decidida no Conselho Europeu de Tampere, em Outubro de 1999) no Tratado.
O assunto foi objecto de intensa discussão durante os trabalhos preparatórios da Constituição para a Europa e uma solução de compromisso foi encontrada: a haver uma Procuradoria Europeia, ela seria criada a partir da Eurojust.
Finalmente, o Tratado de Lisboa (2007) veio estabelecer a base jurídica que permitirá criar a Procuradoria Europeia: o artigo 86.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Jornal Oficial C-83, de 30.3.2010) que dispõe:
"Artigo 86.o
1. A fim de combater as infracções lesivas dos interesses financeiros da União, o Conselho, por
meio de regulamentos adoptados de acordo com um processo legislativo especial, pode instituir uma
Procuradoria Europeia a partir da Eurojust. O Conselho delibera por unanimidade, após aprovação do
Parlamento Europeu.
Caso não haja unanimidade, um grupo de pelo menos nove Estados-Membros pode solicitar que o
projecto de regulamento seja submetido ao Conselho Europeu. Nesse caso, fica suspenso o processo
no Conselho. Após debate, e havendo consenso, o Conselho Europeu, no prazo de quatro meses a
contar da data da suspensão, remete o projecto ao Conselho, para adopção.
No mesmo prazo, em caso de desacordo, e se pelo menos nove Estados-Membros pretenderem
instituir uma cooperação reforçada com base no projecto de regulamento em questão, esses
Estados-Membros notificam o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão em conformidade.
Nesse caso, considera-se que foi concedida a autorização para proceder à cooperação reforçada
referida no n.o 2 do artigo 20.o do Tratado da União Europeia e no n.o 1 do artigo 329.o do
presente Tratado, e aplicam-se as disposições relativas à cooperação reforçada.
2. A Procuradoria Europeia é competente para investigar, processar judicialmente e levar a
julgamento, eventualmente em articulação com a Europol, os autores e cúmplices das infracções
lesivas dos interesses financeiros da União determinadas no regulamento a que se refere o n.o 1. A
Procuradoria Europeia exerce, perante os órgãos jurisdicionais competentes dos Estados-Membros, a
acção pública relativa a tais infracções.
3. Os regulamentos a que se refere o n.o 1 definem o estatuto da Procuradoria Europeia, as
condições em que esta exerce as suas funções, as regras processuais aplicáveis às suas actividades
e as que regem a admissibilidade dos meios de prova, bem como as regras aplicáveis à fiscalização
jurisdicional dos actos processuais que a Procuradoria Europeia realizar no exercício das suas funções.
4. O Conselho Europeu pode, em simultâneo ou posteriormente, adoptar uma decisão que altere
o n.o 1, de modo a tornar as atribuições da Procuradoria Europeia extensivas ao combate à
criminalidade grave com dimensão transfronteiriça, e que altere em conformidade o n.o 2 no que
diz respeito aos autores e cúmplices de crimes graves que afectem vários Estados-Membros. O
Conselho Europeu delibera por unanimidade, após aprovação do Parlamento Europeu e após
consulta à Comissão."
A discussão está em aberto e reeditam-se posições anteriores, mostrando-se difícil o consenso.
Seria bom que Portugal, que contributos decisivos tem dado, nos últimos 15 anos, para progressos significativos na área da Justiça europeia (Convenção de Maio de 2000, Rede Judiciária Europeia, Atlas Judiciário e Eurojust, para citar os mais importantes), pudesse dar, também neste assunto, um contributo importante.
As questões em aberto são múltiplas e muito complexas.
E sobre elas já foi expresso algum pensamento.
Convido os interessados a visitar este site.
E também a consultar:
A Constituição Europeia e a questão do Procurador Europeu: a Eurojust, embrião de um futuro procurador europeu
Revista do Ministério Público, 98, 2004
Subscrever:
Mensagens (Atom)