Catadupa
de pedidos ao TC pode atrasar decisão
Antigo presidente do Tribunal Constitucional afirma
à Renascença que com “mais pedidos” e “mais normas” a decisão “é mais
complexa”. São já quatro os pedidos de fiscalização de constitucionalidade das
normas do OE 2013. Nuno Morais Sarmento defende que o Governo deve preparar um
plano B.
A catadupa de pedidos de fiscalização de um número
alargado de normas do Orçamento de Estado (OE) de 2013 pode atrasar no
calendário uma tomada de decisão dos juízes, afirma o antigo presidente do
Tribunal Constitucional (TC) Rui Moura Ramos.
Em declarações à Renascença, Rui Moura Ramos lembra
que é preciso pedir contraditórios e essa análise demora o seu tempo. “Havendo
mais pedidos, havendo mais normas, a decisão é mais complexa. Por outro lado,
há um tempo para assegurar um contraditório ao autor da norma. O tribunal vai
notificar o autor da norma, que é o Parlamento, para que ele possa dizer aquilo
que entender dizer. Como não se sabe quando é que o Parlamento vai responder,
enquanto isso não acontecer a apreciação do pedido dificilmente poderá
começar”, explica.
Já foram entregues quatro processos, do Presidente
da República, do PS, um conjunto do PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes e,
finalmente, do provedor de Justiça Alfredo Sousa, que hoje fez chegar o seu
pedido ao TC.
O provedor de Justiça pediu a fiscalização
sucessiva da constitucionalidade das normas do Orçamento do Estado de 2013
relativas à “suspensão do pagamento de subsídio de férias ou equivalentes de
aposentados e reformados” e à “contribuição extraordinária de solidariedade”.
Diz que “violam” os artigos 2.º (Estado de Direito Democrático) e 13.º
(Princípio da Igualdade) da Constituição.
No entender do provedor de Justiça, “a contribuição
extraordinária de solidariedade, nos moldes ora vigentes, consubstancia uma
autêntica medida de redução de pensões e rendimentos equiparados, titulados por
aposentados e reformados” e, “para aferição da conformidade constitucional das
medidas que dimanam dos preceitos questionados, estas não podem deixar de ser
ponderadas à luz dos princípios da igualdade, da protecção da confiança dos
cidadãos e da proibição do excesso”.
Ao contrário do Presidente, Alfredo José de Sousa
não põe em dúvida o corte nos subsídios de férias dos trabalhadores no activo.
Também a procuradora-geral da República Joana
Marques Vidal deve enviar um pedido ao Palácio Ratton. Isso mesmo foi pedido
ontem pela Associação Sindical de Juízes, que questiona três normas do
Orçamento: o pagamento do subsídio de Natal, a suspensão do pagamento do
subsídio de férias e a sobretaxa de solidariedade.
Os deputados da assembleia regional dos Açores
também vão entregar esta semana no TC um pedido de fiscalização do Orçamento.
“Inoportunas” declarações do Governo
O antigo presidente do Tribunal Constitucional
acredita que os pedidos que questionam as mesmas normas do Orçamento devem ser
tratados em conjunto, dando lugar a um único acórdão. “Suponho que o tribunal
trata rá os pedidos que têm o mesmo objecto conjuntamente. Julgo que,
tratando-se de pedidos que têm a mesma norma como objecto do pedido de
fiscalização que, por razões de economia de tratamento dos problemas, o
tribunal optará por tratar num acórdão único”, diz. Moura Ramos considera
inoportunas as declarações à Renascença do secretário de Estado do Orçamento
Luís Morais Sarmento admitiu que a declaração de inconstitucionalidade de
normas do Orçamento poderá colocar em risco o financiamento de Portugal e o
cumprimento do programa da troika.
“Entendo que não se devem antecipar cenários, não
se deve antecipar aquilo que o tribunal vai decidir. Este é o tempo do Tribunal
decidir, não é tempo de nós nos pronunciarmos sobre o que acontecerá caso o
Tribunal decida num sentido ou noutro. Não me parece oportuno pronunciarmo-nos
sobre aquilo que quem quer que seja venha a emitir opinião. Neste momento, acho
que toda e qualquer declaração desse tipo é inoportuna”, afirma Rui Moura
Ramos.
A oposição também critica as declarações de
Sarmento (ver caixa).
Quanto tempo levará o TC a decidir?
Mas quanto tempo pode demorar a decisão do TC sobre
o OE 2013?
Quarenta dias é quanto o TC tem, legalmente, para
redigir a decisão final sobre os pedidos de fiscalização sucessiva, a partir do
momento em que o juiz relator tenha toda a documentação necessária em mãos. Na
fase anterior, não há prazos definidos para a recolha de documentação para o
processo ou audição das partes, entre outros procedimentos.
É pelo menos isso o que a lei determina, mas esta é
uma regra que pode ser quebrada. Se for declarada urgência o prazo pode ser bem
mais curto, da mesma forma que se houver necessidade de maior análise dos
pedidos de inconstitucionalidade o prazo pode ser excedido sem qualquer
penalização, explica Guilherme da Fonseca, juiz jubilado do Tribunal
Constitucional, em declarações à Renascença.
Inconstitucionalidades “não bloqueiam Estado”
O Governo deve, no caso de serem declaradas
inconstitucionais algumas das normas do OE, preparar soluções alternativas,
defende o social-democrata Nuno Morais Sarmento, lembrando que tal já aconteceu
no passado. O antigo ministro considera, em declarações ao programa “Falar
Claro” da Renascença, que é preciso ter “calma” e lembra que uma eventual
declaração de inconstitucionalidade de uma norma não determina a
inconstitucionalidade de todo o OE 2013.
“Um, dois, três artigos serem declarados
inconstitucionais, dependendo obviamente dos artigos, não determina a
inconstitucionalidade do Orçamento, nem o bloqueamento do Estado. Já aconteceu
várias vezes na história da democracia e, ainda que agora com um impacto maior,
se for esse o caso, cá estaremos para o resolver e para que o país funcione
normalmente”, afirma Nuno Morais Sarmento.
Para o socialista Vera Jardim, o Governo deve
procurar alternativas em caso de chumbo de alguma norma, mas não fica “ferido
de morte” para governar. O antigo ministro da Justiça disse ainda não ser
necessária qualquer revisão da lei fundamental. “Não é a Constituição que
representa um entrave à governação do país.”
PS diz que Governo fez “pressão ilegítima” sobre o
TC
O PS acusa o secretário de Estado do Orçamento de
ter exercido uma pressão ilegítima sobre o Tribunal Constitucional (TC) e exige
saber se o Primeiro-ministro subscreve a atitude assumida por Luís Morais
Sarmento aos microfones da Renascença.
A questão foi colocada pelo secretário nacional do
PS para a Organização, Miguel Laranjeiro, depois de Luís Morais Sarmento, em
entrevista à Renascença, ter admitido que se o TC decidir pela
inconstitucionalidade de algumas normas do OE 2013 pode estar em causa a
capacidade de Portugal cumprir o programa de ajuda externa.
“Estamos perante uma maioria arrogante e
desorientada também no que diz respeito à fiscalização da constitucionalidade
do Orçamento do Estado para 2013. O secretário de Estado do Orçamento fez
declarações inaceitáveis e que configuram uma pressão ilegítima sobre o
Tribunal Constitucional”, declarou, ontem, Laranjeiro.
“O Primeiro-ministro deve dizer aos portugueses se
subscreve as declarações do seu membro do Governo. Se nada disser, então estará
a aceitar uma pressão do Governo sobre um tribunal, o que não é de todo
aceitável em democracia”, sustentou.
Interrogado sobre quais as alternativas que o PS
irá propor caso algumas das normas do Orçamento do Estado para 2013 sejam
consideradas inconstitucionais, Miguel Laranjeiro contrapôs que antes de tudo
importa esperar pela decisão do TC.
O PCP e o Bloco de Esquerda vão mais longe e
defendem que o Primeiro-ministro deve um pedido de desculpas ao país.
Comunistas e bloquistas dizem que as declarações de Luís Morais Sarmento à
Renascença são uma “inaceitável pressão” sobre o TC.
“As afirmações do secretário de Estado do Orçamento
são uma forma de pressão política sobre um tribunal soberano”, critica Luís
Fazenda, do Bloco de Esquerda.
As afirmações de Morais Sarmento “vinculam o
Governo, que está neste momento num silêncio inaceitável”, aponta o deputado
bloquista. Fazenda defende ainda que o Primeiro-ministro “devia pedir desculpas
ao país. Ou bem que este aceita a Constituição ou não manda recados através de
secretários de Estado para que haja uma circunstância em que o programa da
troika, em que a intervenção externa colide com um texto constitucional
fundamental”, atira.
O deputado do Bloco prestou declarações na altura
em que seu partido, o PCP e Os Verdes entregaram um pedido conjunto de
fiscalização sucessiva do OE. No documento são questionadas dez normas,
incluindo dúvidas sobre as alterações ao IRS.