terça-feira, 30 de abril de 2013

Algumas notícias...


A Justiça e os media, uma relação complexa

JOSÉ CARLOS SOARES MACHADO 
Público - 30/04/2013 - 00:00
Pensar na relação entre a Justiça e os media conduz de imediato a reflectir sobre a questão de saber de que forma é que a Justiça e os media se influenciam. E, de outro lado, se tal influência é uma realidade indiscutível nos dois sentidos.
Por um lado, parece razoável aceitar que a Justiça influencia osmedia. Influencia-os quando estes têm como função retratar o país, o que significa que o chamado "estado da Justiça" e os chamados "casos mediáticos" são matéria processual sempre interessante para os articulados de um jornalista. Isto é, são temas que constituem conteúdo de notícia que um jornalista considera de interesse público, sendo submetidos à esfera mediática que tantas vezes hiperboliza os factos com o intuito de captar a atenção de um público que fica refém de uma percepção desvirtuada da realidade.
Nessa medida, a Justiça condiciona a agenda e o acesso à informação que molda a opinião pública dos factos. Algo que não é, em si, negativo quando serve um princípio de interesse público. É a forma de "espetáculo" que nos deve suscitar alguma preocupação e sobre a qual devemos ter um olhar crítico. Mas assumindo aqui uma posição neutra, sobre o desígnio que cada parte prossegue, que a cada um compete o seu trabalho e que a ambos pertence respeitar a deontologia pela qual devem pautar a sua actuação, centremo-nos na questão interna: quando a raiz do problema na relação media-Justiça reside nos próprios operadores judiciários.
São estes que, muitas das vezes, dão azo a um grave incumprimento dos deveres legais a que estão adstritos. Assim, não podemos restringir o problema à cobertura mediática dos processos criminais cobertos por segredo de justiça em fase de inquérito ou quando não estejam, nos casos previstos no Código de Processo Penal, como práticas expressamente vedadas aos órgãos de comunicação social. Enquanto profissionais de Justiça, deve-nos preocupar em primeiro lugar a outra face da questão: de que forma é que a Justiça utiliza osmedia na prática da sua actividade?
Ao abordar esta questão, existe alguma dificuldade, aqui confessada, em fugir ao âmbito do Processo Penal, pois este é o principal foco dos meios de comunicação em matéria de Justiça. Vejam-se, por exemplo, os casos em que os responsáveis pela administração da Justiça tendem a impor medidas de coação desproporcionais à gravidade do crime, precisamente em virtude da pressão exercida pelo peso da opinião pública. Ou quando nem sequer se encontram preenchidos os requisitos gerais de aplicação de tais medidas. Ora, se os media são os guardiões da informação pública que forma da sobredita opinião, parece também indubitável que os media influenciam a prática da Justiça. E é este ponto que deverá merecer maior atenção.
A Justiça deve ser imune a este tipo de pressão. Ou, melhor dizendo, deve sê-lo o mais possível. Naturalmente, deveria ser a qualquer tipo de pressão. A Justiça quer-se "cega", no sentido que se dá a esta expressão de imunidade à pressão externa. Trata-se do propósito de conseguir a mais elementar imparcialidade e objetividade.
Existem processos cujo respetivo decurso não reveste a tranquilidade necessária para um bom julgamento, sendo antes propensos ao julgamento da Sociedade. Nesses processos, em que os limites da exposição mediática se confundem com o protagonismo de alguns agentes, os Juízes têm em mãos o enorme desafio de permanecerem isentos perante tais condicionalismos e de administrarem a Justiça com o rigor que se lhes impõe. Mas também os advogados, em particular os advogados dos processos mais mediáticos, devem pautar o seu comportamento segundo os parâmetros deontológicos inerentes à sua profissão, o que por vezes não se verifica.
Os princípios da Justiça não podem ser expostos à desvirtuação da espetacularidade mediática. Muito menos os media devem ser encarados como um instrumento estratégico na defesa dos constituintes que exponha a Justiça ao risco de alianças de circunstância.
Este é um tema complexo e inesgotável. A discussão não pode ser fechada num único texto e, como tal, deixo a questão para quem me quiser acompanhar na discussão entre a relação de dois campos que assumem um papel regulador da vida em sociedade: se tivéssemos de limitar um dos dois, de qual abdicariamos? Da Justiça ou dos media?
Presidente do Círculo de Advogados de Contencioso