Ontem, fui chamado à Lei. Ao contrário dos
guardiões de «A
Lei», de Kafka,
os guardiões do 3.° Juízo Criminal do Porto são gente cordial e paciente; por
aí, a minha aventura na Lei seria uma sensaboria.
Só que, mesmo não esperando que a Lei servisse
chá e bolos, contava eu que tivesse umas cadeiras onde chamados e escolhidos se
sentassem. Não tem. Advogados, queixosos, arguidos, testemunhas e público
amontoam-se ali em dois lanços de escada e, se quiserem sentar-se, têm que
fazê-lo (e é o que fazem) nos degraus ou em «zazen» no chão, pois que os colos
uns dos outros estão fora de hipótese.
A Lei, amiúde anfitriã mal-encarada,
prestava-se ontem a receber os convidados mal estes, cumprindo escrupulosamente
a hora fixada, chegaram. Só que, menos escrupulosa, uma incerta advogada, regendo-se
no caso pelo fuso de Vila da Feira, onde (ou ali ao lado, no Mercado do Bolhão)
alguém a desencantou, se esteve nas tintas para Lei, juiz, procurador, cliente,
colegas, testemunhas e só pôs os saltos altos no local quase hora e meia
depois. Atrasos assim costumam custar aos cidadãos não advogados entre 204 e
1020 euros. A mim e a mais uma dezena de pessoas, o atraso de Sua Anónima
Advogância custou uma hora e tal de pé e as pernas inchadas para o resto do
dia.
O bastonário, que tanto se queixa dos
magistrados quanto às indignidades do funcionamento da Justiça, faria bem se
olhasse para a própria casa.
Manuel
António Pina, JN,08/10/2010