domingo, 29 de abril de 2012

O juiz que merecia não ficar incógnito


Se queres ser famoso, filho, inscreve-te no Ídolos. Mas o Fulano foi para juiz e agora como vou eu saber como se chama Fulano? Esse, o que assinou a medida política (política, isto é, que trata da saúde da Polis, da cidade, dos cidadãos) mais justa desde que chegou a crise. Pronto, fica Fulano, o juiz estagiário de Portalegre, sem foto. Então que fez de notável o meritíssimo, superlativo por uma vez merecido, Fulano, de Portalegre? Desfez uma iniquidade. Enquadremos o assunto, bastante comum nos tempos recentes em que não faltava dinheiro, bastava pedi-lo. Para comprar casa, uma família ia ao banco para um empréstimo e o banco avaliava a casa o mais alto possível para a família ser ousada a pedir. Mas as mãos largas mirraram e a crise deu nisto: as pessoas deixaram de poder pagar o empréstimo. Todos os dias, 25 casas são entregues aos bancos. Não podiam pagar a casa e ficam sem ela, paciência... Mas é mais que isso: ficam sem a casa e continuam a pagar ao banco. É que o banco, nestes tempos murchos, avalia a casa, e fica com ela, por preço bem mais baixo do que quando, nos tempos eufóricos, a avaliara da primeira vez. Já arrasadas, como fica quem perde a casa, as famílias são esmifradas até à indecência. O juiz Fulano, que julgava um caso desses, foi salomónico: a família, que apostou mal, fica sem a casa; e o banco, que também apostou mal, fica com a casa e só. Dizem que pode fazer doutrina. Eu digo que só pode.
FERREIRA FERNANDES
Diário de Notícias 29-4-2012

José Mattoso: o "governo do povo" favorece quem já tem o poder


 O historiador manifesta esperança na bondade humana e diz que a vocação monástica continua a ser o seu mais forte apelo interior. José Mattoso acaba de publicar um livro de ensaios cívicos, criticando a acção política e o poder financeiro.

Entrevista
José Mattoso acaba de publicar o livro Levantar o Céu - Os Labirintos da Sabedoria (ed. Temas e Debates/Círculo de Leitores), onde recolhe textos de intervençao cívica e espiritual. É como que uma síntese da vida do historiador que, aos 79 anos, não desiste de um olhar lúcido sobre a contemporaneidade. Pretexto para esta entrevista.

PÚBLICO: No seu livro, confessa o seu cepticismo perante a realidade, relacionando-o também com a desilusão que sobreveio às esperanças da década de 1960. A posição céptica é a mais saudável hoje em dia?
José Mattoso: Não, de todo. A posição céptica é resultado de um certo realismo e lucidez. Quando se vêem as estatísticas, o aumento do lixo nuclear, das consequências dos aditivos na indústria alimentar, tudo o que preocupa um cidadão normal, não se vê como se possa sair daí. As coisas têm repercussões tais que só a reunião de poderes universais pode alterar a direcção em que se vai. As estatísticas são implacáveis e seria cegueira não ver isso.

Não encarar essa realidade...
Sim, mas esse é um ponto de vista racional. Do ponto de vista da fé, nada disso é fatal. Podemos ter uma atitude política, tentar intervir na realidade. Mas, se não formos conduzidos pela fé, o realismo leva-nos a desistir. O cristão tem possibilidade de se livrar dessa fatalidade na sua relação com o céu. Na metáfora que utilizo, levantar o céu, é trazer a terra ao encontro do céu.
Aí, não estamos sós. Temos a intervenção de Deus, temos a fé na redenção, no perdão dos pecados, no valor do sofrimento, na abnegação, na bondade... Temos também a fé na cultura, na inspiração extraordinária dos grandes artistas, que alcançam níveis fantásticos de captação da bondade, da beleza do mundo. E temos a renovação constante da vida: se há um incêndio numa mata, vemos daí a pouco aparecerem as flores, as ervas. A vida não desiste de se reproduzir, de envolver a realidade.

Fala da atitude política, mas hoje ela está subjugada ao financeiro. Estamos perante uma usurpação da democracia?
Não domino suficientemente a terminologia política para poder dizer se se trata de uma usurpação. Sei que o Estado tem mostrado a sua impotência perante os abusos do poder financeiro e que o sistema democrático não resolve os problemas actuais. Ninguém acredita no discurso político, nem mesmo quem o pronuncia. Os interesses corporativos viciam a democracia. O "governo do povo" não defende os direitos dos pobres e excluídos. Favorece quem já tem poder.

Impressiona a evocação que faz da tragédia ambiental. Está ameaçada a relação da humanidade com a natureza?
Creio que sim. A escassez de petróleo e de água, de todas as fontes de energia, mostra que é preciso um investimento enorme. A grande ameaça é a confiança que o homem põe na técnica. A ciência dá um poder enorme sobre a realidade. Uma parte dos cientistas atribui uma grande capacidade de resolução dos problemas à técnica. Mas esta, muitas vezes, adopta soluções que depois se revelam extremamente dispendiosas. Somos incapazes de imaginar o mundo sem energia, sem movimento, sem Internet. As comunicações tornaram-se indispensáveis. Mas quais são os subprodutos?... A técnica não dá o poder de resolver os efeitos secundários.

Há anos, Lourdes Pintasilgo presidiu a uma comissão que elaborou o relatório "Cuidar o Futuro". Estamos a pôr em causa as futuras gerações?
Sim, é de tal modo uma evidência que espanta que não se veja isso. Todavia, o imediatismo na resolução dos problemas não deixa adoptar soluções de longo prazo. Não há nenhum político que se atreva a propor que se deixe de ter electricidade uma hora ou duas por dia, porque perderia as eleições...

É preciso recuperar as ideologias e os ideais, perdidos nas últimas décadas?
Tenho pouca confiança nas ideologias, nos ideais sim. Os ideais propõem-nos um horizonte que nunca conseguiremos alcançar: o ideal da pureza, da beleza, da abnegação - nunca lá chegaremos suficientemente. Jesus Cristo utiliza expressões extremas, porque são ideais: se te baterem numa face, dá a outra; devemos fazer o bem aos nossos inimigos. Isso é um ideal, ninguém chegará lá, porque é um horizonte sem fim, de tal modo exigente, que há sempre uma aproximação e a esperança de fazer mais. E as ideologias?
Os ideais são indispensáveis para o homem melhorar a sociedade em que vive. As ideologias, não sei de nenhuma que tivesse resolvido os problemas da humanidade a uma escala suficiente: marxista, socialista, conservadora... Até as próprias religiões, como sistemas de organização da vida. Elas traçam uma série de regras e, se as regras são absolutas, tornam-se como o homem que se submete [à lei e não a lei] para o homem; e se são instituições permissivas, não atingem os objectivos.
Apareceu um abaixo-assinado de 400 padres na Áustria. Há ali uma série de problemas concretos que a instituição-Igreja não aceita e, todavia, do ponto de vista evangélico, seria natural haver uma certa maleabilidade. Na Idade Média havia um subentendimento de outra forma de organizar a vida humana do ponto de vista moral e espiritual: as regras fundamentais eram apresentadas em toda a sua exigência, mas a prática era muito mais maleável e não considerava que houvesse casos sem solução.

É nesse sentido que devemos ler a metáfora "levantar o céu"?
Não tanto. Quando falo em levantar o céu, é todo o universo, são realidades espirituais, a arte, mesmo a que não tem nada que ver com a religião, porque representa uma forma de melhorar o ser. O ser é sempre parcialmente realizado. Ao falar na beleza, não se pressupõe que ela não possa conter também alguma coisa de fealdade. Os antagonismos, fundamento do pensamento ocidental, em que se baseia a visão da realidade, são muitas vezes parciais.

Por isso vai ao Oriente buscar a ideia da harmonização dos contrários?
Exactamente. O Ocidente precisava de mais maleabilidade e da consciência de que a realização do ser é tão pluriforme que ninguém pode abarcar essa totalidade. Não é por processos de oposição que caminharemos para o pleno do ser humano.
Há toda uma tradição da cultura ocidental, em que predomina a racionalização, os opostos: preto e branco, bem e mal... Na Idade Média, aparentemente, também prevalece esse tom radical nos grandes pregadores. A mulher, para São Pedro Damião, é a encarnação do demónio. O leitor deixa-se enganar por essa aparência de intolerância mas, se estudar o que aconteceu na realidade, verifica que há uma concepção pragmática da realidade, muito diferente da doutrina.

Constrói o seu livro à base do triângulo sabedoria, razão e fé. É possível a coexistência destes três vértices?
Creio que sim, contanto que a razão não prevaleça sobre a sabedoria e a fé. Mas a razão é fundamental. A formulação teológica do século XII, de São Tomás de Aquino e da teologia escolástica, é a demonstração mais categórica da capacidade de conciliar a fé com a razão. Isso representa um progresso enorme na compreensão da mensagem evangélica. Portanto, não há uma oposição inconciliável. O pietismo, uma devoção sentimental que é por vezes a expressão de um culto popular, precisa da reflexão racional para se tornar aceitável.
Em Portugal, não se cultivou suficientemente a teologia, na sua expressão plena. Não há uma tradição de estudos teológicos suficientemente válidos do ponto de vista racional, para poder responder a um anticlericalismo primário e cego que existiu em Portugal no século XIX e grande parte do século XX.

Já referiu a bondade e escreve que enquanto homens e mulheres se amarem, ainda há um resto de esperança. A bondade é a sua esperança?
Não só. Radica nela, na medida em que esse é um efeito de Jesus Cristo ter assumido a natureza humana e representar no mundo a bondade de Deus. Ele é o redentor, o salvador. Mas eu não queria insistir no aspecto dogmático, antes na forma prática como Jesus Cristo mostra o que deve ser o homem na sua expressão mais profunda.
A bondade pode ser praticada numa concepção laical, laicista mesmo. Não precisa de ter nenhum sobrenatural por trás. Mas o cristão tem essa propensão, se a cultivar. E tem o exemplo de Jesus Cristo que leva isso a um extremo que o homem, só por si, não alcança.A bondade pode ser uma chave de uma ética comum entre crentes e não-crentes?
Sim. Pode haver colaboração entre um crente e um não-crente na vivência da bondade.

Temos dificuldades com a supressão do tempo, porque ele traz o envelhecimento e a morte, e da liberdade, porque ela nos permite escolher entre o bem e a violência?
Quando falamos do ser, pensamos em qualquer coisa fora do tempo. Mas a realização do ser é no tempo, não pode ser toda de uma vez e tem que ser com todos os indivíduos que constituem a humanidade. A realização do ser homem faz-se na totalidade da vivência humana no tempo.

E implica aceitar o sofrimento e a morte?
Sim, e também a consideração entre o bem e o mal.

Que é a questão da liberdade.
Sim. A realidade do ser humano implica o bem e o mal, como se conciliam, como entram em relação um com o outro... Os livros que têm aparecido a negar a existência de Deus dizem que, se Deus existisse, teria que intervir para que a maldade humana não prevalecesse. A oposição inconciliável entre o bem e o mal leva a negar a existência de Deus.
Qualquer pessoa que considere as coisas em termos de justiça e verifique o que se passa no mundo ou a crueldade no Holocausto, diz: como é que Deus permite isto, como é que estes homens fazem isto e quem sofre são as vítimas?
Para mim também é difícil aceitar esta realidade. Talvez seja numa visão de totalidade, em que o bem não pode existir sem o mal, que se pode aceitar e encontrar uma relação com o ser do homem. O ser implica também o ser mau.

A dificuldade maior das nossas sociedades é enfrentar o envelhecimento e a morte?
Sim, mas no envelhecimento há qualquer coisa mais própria da nossa época do que de outras. Não havia os progressos da medicina que permitem retardar o envelhecimento. Também há toda uma cultura da juventude que desvaloriza a velhice e as incapacidades que ela traz. Todavia, de um ponto de vista estatístico, a diminuição da natalidade não traz senão uma percentagem cada vez maior de velhos e doentes. Como se resolve tudo isso? O pensamento oriental se calhar é mais sábio, porque tem consciência do papel do velho...

Tal como o africano...
... talvez porque a percentagem de velhos é menor do que no Ocidente. Para o homem de fé, é preciso aprofundar esta noção da sabedoria, que se baseia numa experiência vivida e na meditação da palavra como fundadora da própria realidade, de autenticidade dos conceitos e dos valores.

Não se zanga quando ouve, na praça pública, referências à Idade Média como a idade das trevas? Mesmo quando várias das tragédias evocadas, como a Inquisição, são posteriores...
Não acho que seja precisa uma atitude apologética, explicando que esse é um conceito primário e redutor. Foi refutado já tantas vezes e de forma tão clara que não vejo nisso grande problema. Pode acontecer é que seja apenas expressão de um primarismo cultural que é lamentável. Mas há mais qualquer coisa: o Liberalismo e, sobretudo, o Iluminismo é muito responsável pela inferiorização da Idade Média, por causa da noção de progresso. O Iluminismo procura a racionalização e o progresso e desvaloriza tudo o que seja intuitivo, tudo o que seja [do domínio do] jogo...Dizia que a Idade Média era muito mais tolerante e diversificada, que o clero não era tão dogmático como mais tarde alguns missionários...
Não diria "muito mais" tolerante. Diria mais tolerante e menos dogmático. Isso resulta sobretudo da prática das instituições. A Igreja quis formatar o homem de uma certa maneira, impor-lhe um modo de comportamento demasiado rígido. Por exemplo, a confissão sacramental, que aparece no Concílio de Latrão em 1215, ou a regra de ir à missa uma vez por semana ou o matrimónio como sacramento... O clero começou a pensar que eram objectivos. Mas não são senão meios pedagógicos.
É verdade que a sociedade ocidental ganhou, do ponto de vista moral, com o matrimónio monogâmico. Mas, na prática, o concubinato era extremamente difundido. A Igreja conviveu com isso. Era preferível ter sido um pouco mais tolerante. A prática das visitas canónicas na região de Coimbra no século XVI era uma autêntica espionagem da vida privada das pessoas que levava a uma hipocrisia que não trouxe vantagem nenhuma em relação a uma certa tolerância medieval.

Tem evocado a sua convicção cristã, mas também expressa reservas em relação a aspectos institucionais do catolicismo. Como vê a Igreja institucional?
Poderia dizer, de forma quase brutal, que não me importaria de assinar a carta dos 400 padres austríacos [a pedir reformas na Igreja e o fim do celibato obrigatório, entre outras coisas]. Mas não quero ser provocador. Relaciono isso com a sondagem que diz que há menos católicos e uma proliferação cada vez maior de grupos religiosos ou pseudo-religiosos. A evolução social é implacável. Que estratégia a Igreja deveria seguir, para não perder o lugar que chegou a alcançar? Penso que é sobretudo na vivência do Evangelho, na autenticidade da vida cristã. Não de uma forma pietista, mas de forma autêntica, vivencial e esclarecida. Há uma grande quantidade de questões que resultam da ignorância teológica pura e simples.
É uma atitude exemplar, a de frei Bento Domingues, seguro nas suas posições doutrinais e todavia extremamente maleável na sua apreciação da realidade actual.

Quando ganhou o Prémio Pessoa, estava numa aldeia em Arganil. Agora vive no interior do distrito de Aveiro. Já passou por uma aldeia no Alentejo, por Timor... A vocação de monge continua a tentá-lo?
Não diria a tentar-me, diria a manifestar-se. Diria quase: a protestar contra todas as tarefas que tenho aceitado e das quais não me arrependo porque me parecia que era isso que eu devia fazer, na ocasião em que me foram propostas. Mas o meu apelo interior vai por aí, é um apelo primeiro, que permanece.

Agora queria que me deixassem em paz. Se calhar já é tarde. Os cartuxos só admitem vocações até aos 40 anos, já tenho o dobro, não sei se tenho capacidades de viver sozinho. Mas pelo menos queria, com a liberdade pessoal suficiente e sem imposição de tempo, dedicar-me à oração. Mais do que isso: dedicar-me a descobrir o valor da palavra, o autêntico significado da palavra, no sentido de linguagem, de expressão da realidade, no sentido de logos. Encontrar-me na meditação da palavra como expressão do mundo, da existência, da história, e descobrir-lhe um sentido. Sente esse apelo mas, no livro, fala da cidade como símbolo da humanidade solidária. Na Idade Média, a cidade era o sítio onde as pessoas se protegiam da agressão do campo e hoje a cidade é a selva urbana...
Não oporia uma coisa e outra. Há uma tradição cristã que vê a cidade com uma dupla face: a Babilónia, o orgulho, o querer afrontar Deus na realização técnica. A outra metáfora é A Cidade de Deus, de Santo Agostinho, a sociedade ordenada, com uma capacidade de organização que valorize o homem e permita a sua realização, a solidariedade, a conjugação das tarefas. Essa dupla face da cidade mantém-se toda a Idade Média. Na actualidade, poderíamos também ter as duas metáforas como modelo: Corbusier e outros arquitectos que pensaram as coisas em termos urbanísticos quereriam dar realidade à concepção de Santo Agostinho. Mas o que a realidade nos mostra é a megapolis, as cidades desenvolvidas quase sem limites, como São Paulo, Bombaim ou outras. E o homem perde o domínio, a sua capacidade de construir um lugar onde possa viver em toda as suas virtualidades, na solidariedade.
António Marujo
Público 29-4-2012

Justiça: Dados dos primeiros 3 meses de 2012


Menos 4 milhões nas oficiosas

No primeiro trimestre de 2012, os advogados que prestam apoio judiciário a pessoas que não têm dinheiro para litigar nos tribunais apresentaram uma factura ao Ministério da Justiça (MJ) de 14,9 milhões de euros, menos 4,1 milhões do que em 2011, durante o mesmo período.

 Orçamento para apoio judiciário em 2012 é de 50 milhões de euros e o Ministério da Justiça, tutelado por Paula Teixeira da Cruz, teme que não seja suficiente. Estimativa aponta para 60 milhões até final do ano
Fonte do MJ sublinha que esta redução se deve a um controlo mais apertado imposto pela ministra da tutela, Paula Teixeira da Cruz. "Nos termos legais, estes pedidos só podem ser pagos depois de validados pelos tribunais onde correm os processos. Está em causa o princípio de que os pagamentos do Estado só devem ter lugar com as garantias suficientes de regularidade e legalidade", refere a mesma fonte.
Apesar dos valores das oficiosas dos primeiros meses de 2012 estarem abaixo do apresentado em 2011, o Ministério teme que, "a este ritmo", a verba orçamentada de 50 milhões seja ultrapassada.
Dos 14,9 milhões de euros, 783 438 mil foram rejeitados por não estarem devidamente justificados e cerca de três milhões serão pagos até amanhã.
PETIÇÃO PARA SUSPENDER APOIO JUDICIÁRIO
Os advogados queixam-se de atrasos no pagamento da factura do apoio judiciário e já criaram uma petição na internet para suspender o acordo com o Ministério da Justiça. Mais de 300 já assinaram o texto. A 31 de Dezembro de 2011 a dívida do apoio judiciário era de 19 milhões de euros. Em 2010, o Ministério da Justiça pagou aos advogados 36,9 milhões de euros e em 2011 esse valor subiu para 54,3 milhões (a maior parte no segundo semestre). Destes, 11,9 milhões transitaram da dívida de 2010.
Sónia Trigueirão
Correio da Manhã 29-4-2012

Sentir o Direito: Cultura Constitucional


A repetição de polémicas estéreis, sem um fundamento sólido, em torno do Tribunal Constitucional exige a evocação de certos factos. Herdeiro da Comissão Constitucional, criada após a Revolução de Abril, este Tribunal tem sido um instrumento de aperfeiçoamento democrático das leis e a qualidade da sua jurisprudência é reconhecida pela comunidade jurídica.

Na verdade, o Tribunal Constitucional tem obrigado a adequar à Constituição inúmeras leis que a representatividade democrática deixou conceber sem o rigor necessário. Aconteceu assim com várias leis atinentes a direitos fundamentais, no campo do Direito e do Processo Penal, do Direito do Trabalho, do Direito Administrativo ou do Direito da Família.
Por outro lado, O Tribunal Constitucional português tem granjeado um elevado prestígio, sendo citado com muita frequência em instâncias internacionais. O Tribunal faz parte das Conferências dos Tribunais Constitucionais ao nível mundial, europeu, ibero-americano e da CPLP e constitui um poderoso instrumento de difusão do nosso pensamento jurídico.
Além disso – e apesar de a escolha dos juízes ser feita, como noutros países, por acordo entre partidos com representação parlamentar –, as decisões, mesmo quando têm incidência política, são tomadas quase sempre por unanimidade ou por larga maioria e com fundamentos sólidos. Assim aconteceu, recentemente, com a lei do enriquecimento ilícito.
Por fim, pode dizer-se que existe já uma cultura jurídica que controla os desvios à democracia e os atentados aos direitos fundamentais, formada pelas dezenas de juízes que têm trabalhado no Tribunal Constitucional. Essa cultura dificilmente poderia ser gerada por uma instância judicial "normal" e sem o diálogo entre juristas com diferen-tes proveniências e mundivisões.
Por tudo isto, é indispensável valorizar a jurisprudência do Tribunal Constitucional e preservar a sua tradição de estudo e de rigor (que se tem conjugado sempre com um alto nível de produtividade). As questiúnculas sobre os nomes de juízes não podem pôr em causa a cultura de constitucionalidade que se desenvolveu por obra daquela instituição.
Aos novos juízes, tal como aos antigos, exige-se uma forte predisposição para dar sequência ao trabalho anterior, com a máxima independência de pré-compreensões políticas, ideológicas ou religiosas e livres de qualquer influência exterior. Essa exigência, vital para o Estado de Direito Democrático, deve ser-lhes feita, desde logo, pelos partidos que os propõem.
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Correio da Manhã de 29-4-2012

Castelo de Paiva: Futuro médico foi internado


Estudante de Medicina ataca os pais à dentada
João, nome fictício, sofre de problemas psíquicos e tem de andar medicado. Uma recente troca do receituário terá tirado algum poder de concentração ao jovem estudante de Medicina, de 23 anos, o que o levou a deixar de tomar os remédios. Descompensado, atacou anteontem os pais, em casa, à dentada, numa freguesia de Castelo de Paiva.
Jovem de 23 anos ficou internado na ala de psiquiatria do Hospital de São João, no Porto
O caso ocorreu pelas 20h30. O futuro médico, filho de um autarca de uma junta daquele concelho, foi chamado à atenção pelos progenitores para a necessidade de tomar os medicamentos. Teve um ataque de fúria. "Recentemente, os médicos trocaram-lhe os remédios e ele dizia que não se conseguia concentrar. Deixou de os tomar. Os pais aperceberam-se e chamaram-no à atenção, mas ele alterou-se e mordeu-os", explicou ao CM um vizinho. "Fiquei surpreendido quando percebi o que se passava, porque nunca antes tinha havido algo semelhante", acrescentou.
Os Bombeiros de Castelo de Paiva foram ao local e assistiram as vítimas antes de as transportarem ao Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira.
"O pai foi o que sofreu ferimentos mais graves, e teve de ser suturado no nariz, mas regressou a casa com a mulher ainda na mesma noite", explica o morador. João admitiu à GNR o ataque e aceitou ser levado para uma consulta de psiquiatria no Hospital de São João, no Porto, onde ficou internado. Ontem à tarde, os pais foram visitá-lo e passaram a tarde com ele.
Francisco Manuel
Correio da Manhã de 29-4-2012