quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

As custas no Habeas Corpus de que se fala

A pedido do Relator do acórdão do Habeas Corpus em causa, publica-se o texto da "aclaração" desse mesmo acórdão no que respeita às custas, que teria sido dada, se tivesse sido pedida.
O texto tem o acordo dos juízes que o subscreveram, entre os quais se conta o autor deste "post".
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«A condenação em taxa de justiça «é sempre individual» - art.º 513.º, n.º 3, do CPP - no pressuposto de que cada recorrente defenda um interesse próprio no processo.
É justo que assim seja: se cada um dos recorrentes, mesmo num único procedimento de recurso, tenta obter um benefício pessoal, dá autonomamente causa a custas, pelo que deve suportar a taxa correspondente à prestação do serviço por ele pedido à Justiça.
Porém, no caso do presente procedimento de habeas corpus, os cidadãos subscritores encabeçaram, todos eles em conjunto, o interesse de um só. E que nem sequer era um deles.
De resto, tal como lhes é facultado pela disposição especialíssima do artigo 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, em claro afastamento do regime dos recursos ordinários que, como resulta do disposto no artigo 401.º do mesmo corpo de leis, só podem ser interpostos pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente, pelas partes civis, ou os que tiverem sido condenados em custas ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão. O que, mais uma vez, demonstra que o procedimento excepcional em causa não é um recurso e como tal também não tem de obedecer a idêntico regime de custas.
Tudo se passa como se, no seu conjunto, aqueles cidadãos estivessem no lugar do único preso que queriam ver imediatamente restituído à liberdade.
Não foram formalizados na petição de habeas corpus tantos interesses, e, assim, tantos pedidos individuais de que cumprisse conhecer, quantos os requerentes. Pelo contrário, todos os subscritores se conjugaram na defesa do interesse do preso, de um preso, solidarizando-se, assim, em torno de um só pedido para o que estavam legitimados, ao invés do que sucederia num recurso ordinário como se viu.
Vigorando em matéria de custas judiciais um conhecido princípio de causalidade – paga as custas quem lhe dá causa – logo se percebe que os requerentes, melhor, o universo dos requerentes, apenas motivou a apreciação jurisdicional de um [só] pedido com os mesmos singulares fundamentos a que todos aderiram subscrevendo-o: a libertação imediata do arguido preso. Logo, não deram causa a custas para além das que emergem da apreciação desse único pedido de habeas corpus.
Portanto, pese embora a pluralidade de subscritores, daí não resultou qualquer tarefa acrescida para o Supremo Tribunal de Justiça. A actividade jurisdicional despendida foi a mesma que teria de ser acaso o subscritor fosse um só, com ou sem patrocínio de advogado, por vezes, até, manuscrito na prisão pelo próprio preso, como tantas vezes tem acontecido.
Assim, tem cabimento jurídico a solução segundo a qual, num caso de procedimento excepcional como este, em vez de pagarem 10.000 taxas de justiça – o que seria absurdo até pela exorbitância do montante global das custas assim devidas em manifesta desproporção com a actividade jurisdicional reclamada, e, que, por isso, não passaria pela mente de um qualquer juiz dotado de um mínimo de sensatez – paguem uma só taxa, correspondente ao único pedido que subscreveram e foi julgado e a cujas custas em conjunto deram causa.
Daí que o texto do acórdão, nomeadamente no respeitante à condenação em custas, permaneça intocável, de resto, porque já oportuna e tranquilamente meditado e ponderado para o caso – por isso, necessariamente, fora das luzes da ribalta da praça pública – como é obrigação de qualquer instância jurisdicional, nomeadamente tratando-se do Supremo Tribunal de Justiça, de quem, justamente, se espera ponderação, reflexão e prudência: Perspiciendum est iudicanti, ne quid aut durius, aut remissius constituatur, quam causa deposcit; nem enim aut severitatis, aut clementiae gloria affectanda est: sed perpenso iudicio, prout quaeque res expostulat , statuendum.
Ou seja, «o juiz deve cuidar para que não se pronuncie nenhuma pena, ou com maior severidade, ou com maior indulgência daquilo que exige a causa: porque não se deve aspirar à glória por meio da severidade ou da indulgência, mas, discutida a causa, deve-se pronunciar conforme exige cada caso» (Marciano, L 11. Dig. De Poenis – das Penas).
«Custas pelos requerentes, nos termos do n.º 1 do artigo 84.º do Código de Custas Judiciais, com taxa de justiça que vai fixada em 5 unidades de conta». Foi o que então se escreveu e ora se reitera.
A ser de outro modo teria ficado «taxa de justiça individual de...», ou outra equivalente.»

Casa da Suplicação

CRIME DE ABUSO SEXUAL DE MENORES:
agravantes - parentesco - afinidade
I - Sendo o arguido casado com a avó das vítimas, embora não sendo «avô», é afim delas no mesmo grau, ou seja, uma afinidade no segundo grau da linha recta ascendente, partindo das menores, ou descendente, partindo do progenitor.
II - Se fosse avô, como exigiu o tribunal recorrido, esquecendo a afinidade e que também esta é fonte de relações jurídicas familiares – art.º 1576.º do Código Civil – o arguido não seria afim, mas parente no mesmo grau das crianças ofendidas.
III - Consequentemente, o arguido casado com a avó das suas vítimas de abuso sexual de menores cometeu o crime agravado pelo artigo 177.º n.º 1, a), do Código Penal, e não, o crime simples p. e p. no artigo 172.º do mesmo diploma.
AcSTJ de 15.02.2007, proc. n.º 27/07, Relator: Cons. Pereira Madeira
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CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES:
autoria - cumplicidade

I - Resultando dos factos provados que o arguido não teve qualquer intervenção na decisão de traficar a droga, assim como a não tinha na respectiva execução, por se encontrar «acamado» e que apenas surge a «ajudar» a arguida, aliás, numa tarefa secundária de acondicionamento de embalagens e recorte de plásticos, limitando-se a usufruir vantagens da actividade que sabia criminosa, o arguido não dominava o facto. Era um auxiliator simplex ou causam non dans.
II - Mas, como auxiliator, só o pode ser do crime principal – no caso do artigo 21.º – e não de um qualquer crime autónomo como seria o do artigo 25.º proposto pelo recorrente.
III - O que sucede é que, por ser cúmplice e não autor, ou co-autor, a pena que lhe é aplicável será a do autor, mas especialmente atenuada – art.º 27.º, n.º 2, do Código Penal.
AcSTJ de 15.02.2007, Proc- n.º 14/07-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Casa da Suplicação

Recurso de matéria de facto - Poderes de cognição do STJ - Conclusões da matéria de facto - Direito do arguido ao silêncio - Indemnização civil - insuficiência da motivação - Rejeição parcial do recurso
1 – Resulta da Revisão de 1998 do CPP, que o Supremo Tribunal de Justiça foi restituído à sua qualidade de Tribunal de revista que conhece exclusivamente da matéria de direito, com a excepção dos recursos trazidos de decisões finais do tribunal de júri e das decisões em que as Relações funcionam como tribunais de 1.ª Instância.
2 – Nos restantes casos, o Supremo Tribunal de Justiça não conhece da questão de facto que lhe seja colocada pelos recorrentes, o que não o impede de oficiosamente declarar, se for o caso, a existência de qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que impossibilitam a definição da aplicação do direito, por insuficiente ou inadequada matéria de facto.
3 – As conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, salvo se em vez de desenvolverem a matéria de facto a alteram, o que não vem sequer invocado.
4 – O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio in dubio pro reo, pois elas cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto, pelo que aquele princípio constitui o limite àquele recurso.
5 – É ao recorrente que compete apresentar as razões da sua discordância com a qualificação jurídica dos factos, não cabendo ao Tribunal ad quem substituir-se ao recorrente na procura de eventuais razões de discordância.
6 – Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ – enquanto tribunal de revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de direito – dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções, pois constitui núcleo essencial da função de julgar, o enquadramento jurídico dos factos apurados, a determinação do direito, pelo que não está limitada por errado enquadramento que haja sido feito pelos interessados ou pelas partes.
7 – Se o arguido agiu animado por um sentimento de raiva, porque estava convencido que este tinha um envolvimento amoroso com a sua anterior namorada, não agiu por motivo fútil. Se é certo que o propalado “ciúme” não surge como um motivo nobre e socialmente aceite como desculpabilizante de um crime contra o sujeito que se deseja ou sobre o rival, o estado de raiva em que colocou o recorrente e em que este agiu, afasta o motivo fútil, que é o “motivo sem motivo”, a sem razão que permita compreender psicologicamente a acção.
8 – A circunstância de o arguido em julgamento se haver remetido ao silêncio não pode ser valorada em seu desfavor, na certeza de que o fez no exercício de um direito – art. 343.º, n.º 1, do CPP, mas, como vem alertando o Supremo Tribunal de Justiça, a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida. O mesmo já fez também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo presente o art. 6.º da CEDH e a propósito do silêncio do arguido e das presunções judiciais.
9 – Num crime de homicídio simples, mostra-se adequada a pena de 14 anos de prisão, quando:
– o arguido tinha apenas 20 anos de idade à data dos factos, e estava social e familiarmente inserido (vive com a mãe), apesar da instabilidade afectiva decorrente da recente separação da sua companheira e mãe do filho de ambos (separação que esteve na origem dos factos ilícitos cometidos), com emprego, (trabalhava como caixa de um parque de estacionamento, auferindo cerca de 600/700 € mensais), tem o 8º ano de escolaridade, não regista antecedentes criminais, sempre considerado pelos amigos e tido como uma pessoa pacífica, não lhe sendo conhecidos hábitos de violência;
– é elevada a ilicitude, em especial por causa do modo de execução (de que se destacam as 26 facadas desferidas sobre a vítima, várias delas na cabeça), sendo a vítima amigo de infância do arguido.
10 – Se nas conclusões e texto da motivação o recorrente se limita a pedir a diminuição do montante da indemnização sem indicar qualquer razões, nem particularizar sequer a que parte da indemnização se refere, não deve ser convidado a corrigir as conclusões e o recurso deve, nessa parte, ser rejeitado por insuficiência de motivação.
Supremo Tribunal de Justiça
AcSTJ de 15.02.2007, Proc. n.º 15/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Homicídio simples - Medida da pena - Proporcionalidade - arrependimento
1 – Se o recorrente se limita a impugnar a pena concreta, embora defenda a aplicação de uma pena inferior ao limite mínimo da respectiva moldura sem suscitar qualquer questão cuja solução fosse susceptível de diminuir esse limite mínimo, esse pedido de fixação da pena concreta apresenta-se como completamente destituído de fundamento, nos termos da própria motivação, não competindo ao Supremo Tribunal de Justiça a tarefa de se substituir ao recorrente na fundamentação do seu recurso.
2 – O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. Tratando-se de um crime de homicídio simples (morte de outra pessoa) cometido numa república baseada na dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP) a moldura penal de 8 a 16 anos não pode sofrer, pela sua duração relacionada com o bem jurídico protegido (a vida humana), qualquer contestação quanto à proporcionalidade.
3 – O arrependimento é um comportamento posterior atendível na dosimetria penal, pois releva quanto à personalidade do agente, mas não diminui em nada a sua culpa.
3 – Numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstracta e, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.
5 – Mostra-se justa e adequada a pena de 9 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio voluntário simples:
— se o agente tomou a resolução de matar o ofendido por este ter puxado de arma de fogo contra si, incidente que ficou então resolvido;
— e foi logo buscar uma espingarda e procurar a vítima e aproximar-se dele, e ao vê-la de costas para si, distraído, sem dizer palavra, a uma distância de cerca de 10 mt, apontou a espingarda e disparou por duas vezes na direcção do tronco, primeiro, e depois em direcção ao crânio;
– mas confessou parcialmente e está arrependido, tendo vindo a contribuir com 200 € para sustento dos filhos da vítima.
AcSTJ de 15.02.2007, Proc. n.º 3/07-5, Relator: Cons. Simas Santos

O recurso da matéria de facto

I - O princípio da imediação não pode constituir obstáculo à efectivação do recurso em matéria de facto, por aí intervirem elementos não racionalmente explicáveis nem susceptíveis de ser importados para a gravação da prova. «Bem ao invés, sendo esse o primeiro aspecto do próprio processo de valoração da prova, revela-se aí um momento particularmente sensível e cauteloso de comunicabilidade e imposição a terceiros de escolhas e decisões do julgador - sob pena de todo o demais processo de valoração da prova resultar inexorável e totalmente viciado. Compreender a decisão, e a ela aderir, de eleição de um meio de prova como sendo mais credível do que outro, é precisamente o primeiro momento em que a livre apreciação da prova como processo objectivado e motivado se impõe» (Paulo Saragoça da Mata, A Livre Apreciação da Prova..., Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, pág. 257). Para registar os «elementos subtis» que intervêm na formação da convicção do tribunal é que se exige que, na fundamentação da decisão, se faça o exame crítico das provas.
II - Nada obstando, e impondo a lei que o acórdão recorrido apreciasse o recurso na dimensão constante da respectiva motivação, não o tendo apreciado nessa dimensão omitiu pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, razão por que é nulo, nos termos dos arts. 428.º, n.º 1, 431.º, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, al. c), todos do CPP.

Ac do STJ de 08-11-2006 - Proc. n.º 3140/06 - 3.ª Secção
Sousa Fonte (relator) - Santos Cabral - Oliveira Mendes

Regime penal do jovem adulto

I - Os crimes contra a propriedade cometidos através de violência mais ou menos difusa, em circunstâncias da normalidade do quotidiano, e mesmo não atingindo valores materiais significativos, constituem um fenómeno que provoca acentuada perturbação, pela frequência e pela insegurança e intranquilidade que lhe está, consequencialmente, associada.
II - As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
III – Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
IV - O regime penal dos jovens destina-se precisamente a realizar essa concordância prática entre as responsabilidades comunitárias e a complexidade das actuais sociedades de risco.
V - No caso, deve atender-se especialmente à idade do recorrente ao tempo dos factos (16 anos), ao seu percurso social [...], bem como à influência do ambiente de vivências e de comportamento grupal relativamente a um jovem de 16 anos.

Ac. do STJ de 15-11-2006 Proc. n.º 3135/06 - 3.ª Secção
Henriques Gaspar, Silva Flor, Soreto de Barros, Pires Salpico (vencido como relator)