Por
Rosa Ramos
Cândida
Almeida disse que não há políticos corruptos em Portugal, mas todos os estudos
sobre o assunto apontam em sentido contrário
Todos
os estudos parecem apontar no mesmo sentido: a corrupção é um fenómeno em
crescimento em Portugal, os indicadores nacionais estão abaixo do que seria esperado
para um país desenvolvido e os partidos políticos são os organismos mais
influenciáveis. Mesmo assim, a directora do Departamento Central de
Investigação e Acção Penal (DCIAP), Cândida Almeida, afirmou há dias na
universidade do Verão do PSD que Portugal não é um país corrupto. “Digo olhos
nos olhos: o nosso país não é corrupto, os nossos políticos não são corruptos,
os nossos dirigentes não são corruptos”, garantiu a procuradora-geral adjunta
em Castelo de Vide. Mas, de acordo com os dados do Global Corruption Barometer
(GCB) de 2010, 83% dos portugueses consideram que os níveis de corrupção não
param de aumentar desde 2007 e que os partidos políticos são os mais afectados
pelo fenómeno. Mais: 75% dos inquiridos disseram mesmo que as acções do Estado
para combater a corrupção são ineficazes. Já este ano, o Eurobarómetro mostrou
que 97% dos portugueses consideram que a corrupção é um “problema grave do
país”. Por outro lado, a percepção que os outros países têm da transparência
nacional parece confirmar as suspeitas dos portugueses: num espaço de apenas 10
anos, entre 2000 e 2010, Portugal passou do 23º para o 32º lugar no índice de
percepção da corrupção – num ranking que engloba 170 países. Só quatro países
da zona euro estão agora atrás de Portugal no ranking geral: Malta, Eslováquia,
Itália e Grécia. As estatísticas oficiais da Justiça também parecem apontar
para um crescimento do fenómeno da corrupção detectada pelas autoridades.
Segundo os números da Direcção-Geral de Política de Justiça, em 2007 foram
constituídos 210 arguidos por crimes relacionados com corrupção e peculato. Em
2009 o número aumentou para 297 arguidos Destes, 175 foram condenados e 109
acabaram absolvidos. MÁ JUSTIÇA E MÁ POLÍTICA Segundo o último relatório do
Sistema Nacional de Integridade (SNI), que se debruça sobre a temática da
corrupção, a administração pública e o sistema de repressão criminal – o
Ministério Público, os organismos de investigação criminal e os especializados
no combate ao fenómeno – são as áreas mais vulneráveis à corrupção. O relatório
é claro: as condições propícias à corrupção têm aumentado consideravelmente nos
últimos anos, devido “ao crescimento do Estado e da sua função reguladora na
Economia”. Paulo Morais, vice-presidente da organização Transparência Nacional,
garante que a política está dominada pela corrupção e se transformou, em
Portugal, “numa mega-central de negócios”. “É preciso mais transparência na
vida política e nos negócios públicos”, defende. Por outro lado, a “lentidão” e
a “complexidade” no sistema judicial é considerado um obstáculo ao eficaz
combate ao fenómeno, além da falta de formação de juízes e a inexistência de
tribunais especializados. Isto acaba por provocar demoras nos processos, “que
acabam por prescrever”, sublinha o SNI, que exemplifica com os casos de
Isaltino Morais ou Fátima Felgueiras. No que toca à repressão da corrupção, o
relatório concluiu que os resultados têm sido “bastante limitados”. Em suma, o
combate ao fenómeno apresenta resultados “mais baixos do que seria de esperar
para um país desenvolvido”. “Há imenso fumo de corrupção no aparelho do Estado.
O que não há é uma investigação do Ministério Público. É mais fácil vir dizer
que não há corrupção do que investigá-la e punir os corruptos”, diz Marinho e
Pinto, o bastonário da Ordem dos Advogados, numa alusão às declarações recentes
de Cândida Almeida. É CULTURAL? O presidente do Sindicato dos Juízes, Mouraz
Lopes, sublinha que a corrupção não se resume só ao crime previsto no código
penal, mas também tem a ver com “uma série de comportamentos não éticos que,
não sendo ilegais, não são correctos”. Por isso, defende que é preciso “atacar
comportamentos – dos compadrios às cunhas – que ainda continuam a ser tolerados
e que são trágicos”. Marinho e Pinto vai mais longe e garante que a corrupção
existe, é o “cancro da democracia” em Portugal e está “entranhada nas
estruturas do Estado de Direito”. EFEITOS NA ECONOMIA Em 2005, Daniel Kaufmann,
na altura responsável do Banco Mundial, disse publicamente que a diminuição da
corrupção em Portugal poderia colocar o país ao nível da Finlândia em termos de
desenvolvimento. Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do
Ministério Público, acredita que “parte do problema” que o país tem em mãos, em
termos económicos, é “consequência das decisões políticas que lesaram o
Estado”. “Ainda que não se possa afirmar que haja crime por detrás de algumas
decisões políticas, sabemos que lesaram gravemente o Estado, muitas vezes em
centenas de milhões de euros”, diz. E, segundo o SNI, a corrupção tem tido
mesmo um impacto negativo no clima de negócios do país. Portugal desceu da 28ª
posição em 2000 para a 46ª em 2010 no Indice Global de Competitividade e os
investigadores do SNI sugerem que entre os factores que terão contribuído para a
queda estão o “desperdício de recursos públicos”, “a ineficácia da Justiça”, “o
favoritismo recorrente nas decisões governamentais” e a “má gestão verificada
em aquisições, contratos, participações em negócios e parcerias
público-privadas desastrosas para o Estado”, além da “corrupção e desvio de
dinheiros públicos”. “Tudo isto se traduz num aumento descontrolado da despesa
pública e, inevitavelmente, num aumento da carga fiscal”, refere o relatório de
2011. Com Pedro Rainho
As
causas da corrupção AUSÊNCIA DE ESTRATÉGIA Segundo o
Sistema Nacional de Integridade (SNI), não há uma orientação política
estruturada. Multiplicam-se, sem coordenação, os organismos de combate à
corrupção e as medidas anticorrupção adoptadas pelos vários governos estão
“dispersas e são inconsistentes”. Não existe prevenção. MÁS LEIS
Boa parte dos diplomas que regulam o combate à corrupção contêm lacunas, são
deficientes e não podem ser implementados na prática. POUCA
REPRESSÃO O SNI sublinha o número “escasso” de condenações por corrupção em
Portugal e critica os “infindáveis recursos que os corruptos mais hábeis, ricos
e influentes exploram”. FALTA DE ESPECIALIZAÇÃO
Faltam especialistas no meio judicial e no combate ao crime económico.
FALTA DE SUPERVISÃO Portugal é o país “dos buracos e das
derrapagens financeiras”. Os mecanismos de acompanhamento da despesa pública
são “muito rudimentares”. INTERESSE PÚBLICO Não há
uma definição clara do que é o interesse público nos negócios do Estado e
existe uma grande permeabilidade a influências que ligam escritórios de
advogados, sociedades de auditoria, instituições financeiras, deputados,
governantes, autarcas e partidos. As ligações empresariais dos políticos
“fazem-se sentir em múltiplos sectores”. POUCA TRANSPARÊNCIA
Falta transparência, parcialidade e responsabilização na Administração
Pública. CONSULTAS PÚBLICAS Consultas em matérias
como a reforma da justiça ou o combate à corrupção são “meras
formalidades”. RETÓRICA Combate à corrupção faz-se “ao nível da
retórica e numa perspectiva eleitoralista”. Conclusões retiradas
do último relatório do SNI
Luís
de Sousa Coordenador do Sistema Nacional de Integridade “Portugal
não é um país desenvolvido em matéria de corrupção” – Portugal é
um país corrupto? – Todos os relatórios sobre o fenómeno têm
concordado em alguns pontos: em Portugal há corrupção, raramente há condenados
e os processos arrastam-se numa teia infindável de recursos. Julgo que isto dá
uma má imagem do país a nível externo e acaba por afastar os investidores mais
sérios e prudentes. Em matéria de corrupção, Portugal não tem dado uma imagem
de país desenvolvido. Mas dizer que é um país de corruptos é uma afirmação
pobre. Ninguém nasce com o ADN de corrupto. – E há uma estratégia
anticorrupção? – Não. A corrupção é um tema que tem constado em
todos os programas do governo, mas que nunca passa das intenções. Tem havido
falta de vontade política, porque a própria política vive refém de uma série de
interesses. Basta ver o parlamento, onde muitos dos deputados têm ligação a
grandes escritórios de advogados ou a grandes empresas. Por outro lado, há uma
questão cultural que não pode ser esquecida: os portugueses não têm o hábito de
lidar com o escrutínio público, levam-no muito a peito. – Mas
existe um Conselho de Prevenção da Corrupção… – Sim, mas até à
data não tem tido qualquer tipo de actividade, nem foram definidas prioridades
ou áreas de risco. E as coisas não podem ser feitas de forma amadora. Há
organismos mais sólidos no combate à corrupção e menos permeáveis. O Tribunal
de Contas aparece como um dos casos mais sólidos; os menos sólidos são os
partidos. – Os últimos relatórios mostram que o fenómeno da
corrupção está a aumentar em Portugal. A crise tem influência? – A
crise não é desculpa para tudo e pode até servir para as instituições
reforçarem controlos internos e repensarem modelos. Mas há um risco maior de
corrupção em tempo de crise, porque se verifica um enfraquecimento da ética
pública e um desinvestimento nos mecanismos de controlo. E, muitas vezes num
curto espaço de tempo, é preciso angariar receitas e têm de ser tomadas
decisões rapidamente, correndo-se o risco de um controlo menos rigoroso.
– E quais são as áreas mais preocupantes? – Sectores ligados
ao urbanismo e às grandes aquisições e contratações públicas – como as
aquisições no domínio da defesa, protegidas pelo segredo de Estado, e da saúde.
Jornal
I 2012-09-05