Paulo
Gaião [Expresso]
17:43 Segunda
feira, 2 de abril de 2012
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O procurador
distrital, Euclides Dâmaso, apontado como possível novo PGR, fez um ataque
indirecto ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do
Nascimento, por ter declarado nulas as escutas a Sócrates no caso "Face
Oculta". Falou com ironia num novo ramo penalístico, o "Direito penal
dos amigos", para se referir à lei processual, aprovada em 2007, no tempo
do governo Sócrates, que prevê autorização prévia do presidente do
Supremo Tribunal de Justiça às escutas que envolvam o primeiro-ministro
(pertencente ao pacote de alterações feitas à medida do caso Casa Pia).
Em 2006,
o atual Procurador Geral da República, Pinto Monteiro, foi escolhido para
o cargo pelo governo Sócrates depois de ter feito um ataque a Noronha do
Nascimento, então candidato favorito à eleição pelos seus pares para presidente
do STJ. Pinto Monteiro, um desconhecido juiz conselheiro, acusava-o de ter um
poderoso sindicato de voto no STJ que lhe garantia a eleição. O STJ
parecia a União Nacional, dizia.
Noronha do
Nascimento foi eleito, como era esperado com grande vantagem, presidente do STJ
em Setembro de 2006. Pinto Monteiro tornou-se PGR um mês
depois.
Antigos
rivais, Noronha do Nascimento e Pinto Monteiro desenvolveram curiosamente muito
em comum no exercício dos seus cargos. Ambos foram atacados pelas associações
de classe, a Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do
Ministério Público pela gestão de casos políticos. Pinto Monteiro por causa do
caso Freeport e Noronha do Nascimento precisamente por causa do Face
Oculta. No caso Freeport, o primeiro-ministro José Sócrates, apesar de
índicios controvertidos, não foi constituído arguido. No caso Face Oculta,
apesar das conversas entre José Sócrates e Armando Vara poderem revelar
indícios suficientes do ponto de vista material, o líder socialista também não
respondeu criminalmente por causa do vício formal de as escutas não terem sido
autorizadas previamente pelo presidente do STJ.
O que pensar
disto tudo?
Nas mãos dos políticos
Olhe-se, também,
para a história da PGR nos últimos 30 anos. Cunha Rodrigues, que foi PGR entre
1984 e 2000 saiu do lugar criticado pelo PSD em virtude do caso Leonor
Beleza/Sangue contaminado com sida. Souto Moura, PGR entre 2000 e 2006,
abandonou o cargo criticado pelo PS por causa do caso Casa Pia/Paulo
Pedroso. Hoje, Pinto Monteiro, prestes a terminar o seu mandato de 6 anos, sai
da PGR acusado por vários níveis da hierarquia do MP de não ter sido
independente no cargo e favorecer os socialistas.
O Ministério
Público é uma entidade dotada de autonomia nos termos constitucionais. Mas o PGR,
que está no topo da hierarquia do MP, é escolhido pelo Governo e nomeado pelo
Presidente da República. A sua legitimidade assenta, pois, nesta dupla
confiança política (como até se lembra na página on-line da PGR). É esta
contradição que está na base dos conflitos existentes e da própria
instabilidade associada ao exercício do cargo.
Por mais que
apregoem o princípio da separação de poderes, na hora da verdade os políticos
não toleram que o PGR não ponha na ordem procuradores justiceiros que decidiram
tratar políticos de topo como qualquer outro cidadão perante a
justiça. Então, das uma. Ou o PGR cumpre a lógica dos políticos e fica de
mal com a estrutura do MP. Ou os enfrenta e tem a vida estragada (sem levar a
água ao seu moinho porque atritos inexplicáveis acabam por põr fim ao
processo).
É um modelo
que só serve para manter as aparências de que há um Estado de Direito em
Portugal (onde os Isaltinos e Felgueiras servem como máscaras). Até
o modelo para Provedor da Justiça, eleito por maioria de dois
terços pela Assembleia da República, independente e inamomível do cargo,
a não ser por vagatura - enquanto o PGR pode ser exonerado pelo PR a todo o
tempo sob proposta do Governo -garantiria mais independência ao PGR.