1 - Se a questão da validade das escutas telefónicas já foi objecto de recurso intercalar (interposto do despacho de pronúncia) para a Relação, que decidiu anular as escutas, mas mantendo a validade das provas resultantes de busca, revista e apreensão efectuadas, não pode essa questão voltar a ser levantada no recurso para o STJ interposto da decisão final da mesma Relação, ainda mais quando esta, nessa decisão final, se escusou a reapreciar tal matéria com fundamento no esgotamento do poder jurisdicional.
2 - Os vícios da matéria de facto, do art. 410.º, n.º 2 do CPP, que tenham sido apreciados no recurso interposto para a Relação não podem voltar a ser reeditados no recurso interposto para o STJ, que, assim, nessa parte, tem de ser havido como manifestamente improcedente.
3 - Não se mostra exagerada a pena de 5 anos de prisão aplicada a arguido sem antecedentes criminais, que, na companhia de outro e a pedido deste, sabedor dos seus contactos no domínio do tráfico, se dirige a Espanha, logra contacto com indivíduos espanhóis e obtém deles, para o acompanhante, 3771,606 g de canabis (resina), divididos por 16 sabonetes, e 94,296 g de canabis (resina), constituídos por meia placa de pólen, dirigindo-se em seguida para Portugal, onde foram interceptados pela entidade policial no veículo-automóvel de um deles.
AcSTJ de 24.05.2007, Proc. n.º 665/07–5, Relator – Conselheiro Artur Rodrigues da Costa *
1 – Foi escolhida, entre nós, uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o acto jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, e que se traduz na possibilidade limitada de revisão das sentenças penais, que foi entre nós consagrada, tendo presente que nenhuma legislação moderna adoptou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado.
2 – A segurança é um dos fins do processo penal mas não é o único e nem sequer o prevalente, que se encontra antes na justiça, inscrevendo-se o recurso de revisão também, parcialmente, nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no n.º 6 do art. 29.º da Constituição.
3 – São os seguintes os fundamentos e condições de admissibilidade da revisão:
— Falsidade dos meios de prova: falsidade reconhecidos por sentença transitada, de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever (art. 449.º, n.º 1, al. a)];
— Sentença injusta: crime cometido por juiz ou jurado, reconhecido em sentença transitada relacionado com o exercício de funções no processo [art. 449.º, n.º 1, al. b)];
— Inconciabilidade de decisões: inconciabilidade entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. c)];
— Descoberta de novos factos ou meios de prova: descoberta de novos factos ou meios de prova que, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. d)].
4 – Tratando-se da revisão de uma decisão de não pronúncia, não pode ser invocada como fundamento a descoberta de novos factos ou meios de prova que só pode fundar a revisão de decisão condenatória.
AcSTJ de 24.05.2007, Proc. n.º 1778/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
I – É pacificamente aceite o bem fundado da doutrina e da jurisprudência que admitem a figura do homicídio qualificado atípico, tendo como verificado um crime agravado dessa natureza, não obstante, no caso, não se haver provado nenhuma das circunstâncias a que alude a enunciação exemplificativa do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal.
II – Isto porque um grau especialmente elevado de ilicitude ou de culpa, para se poder afirmar um homicídio qualificado atípico, constitui um critério razoavelmente seguro quanto à decisão a tomar relativamente a casos cuja pena concreta se venha a situar no âmbito de justaposição das molduras penais do tipo simples e do tipo qualificado, e, assim, com tais exigências, é posta de parte qualquer possibilidade de multiplicação de casos de homicídio qualificado atípico, e, assim, a ofensa ao princípio da tipicidade.
III – Porém, importa ter sempre em conta que, em última análise, pode ver-se como alguma ousadia a possibilidade de o juiz criar homicídios qualificados [atípicos]...sobretudo na base da pirâmide normativa, onde actua o tribunal, confrontado com o caso concreto e sem a legitimação parlamentar em última instância, que tem o legislador penal.
IV - Embora os factos mostrem que o arguido agiu com ilicitude e culpa elevadas, quer pelo modo de actuação (arma de fogo, duplo disparo, espera e actuação de surpresa), quer pela intensidade do dolo, tal não implica necessariamente o preenchimento do tipo qualificado atípico – que pressupõe a verificação de uma censurabilidade e ou perversidade para além do comum previsto no tipo-base – desde que tais circunstâncias encontrem no tipo comum elementos de gradação e adaptação ao caso concreto, já que a moldura penal é suficientemente elástica para abarcar casos de maior ou menor gravidade relativa, numa amplitude que varia entre os 8 e os 16 anos de prisão.
V - Se a acusação se reporta a uma singular hipótese típica de homicídio qualificado, o tribunal de 1.ª instância a convola para o crime base – homicídio simples - e o Ministério Público recorre para reposição do tipo qualificado típico, a convolação levada a cabo pela relação para o crime de homicídio qualificado atípico, sendo possível por se tratar de uma mera aplicação de direito a que o tribunal procede ex officio, sempre demandaria, para salvaguarda bastante do princípio do contraditório e do direito de defesa, a observância prévia do disposto no artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o que, não tendo sido observado em tempo, implicaria a nulidade do acórdão recorrido nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, b), do mesmo diploma adjectivo.