domingo, 12 de fevereiro de 2012
Trabalho a favor da comunidade e crime violentos de género
Elena Martínez García, Juan Carlos Vegas Aguilar, La ejecución de los trabajos en beneficio de la comunidad por delitos de violencia de género, Editorial Tirant lo Blanch, Valencia 2012, ISBN: 9788490041031
Resumo do livro
La posibilidad de cumplir la pena de Trabajos en Beneficio de la Comunidad a través de talleres o programas formativos o de reeducación ha sido introducida en virtud de la LO 5/2010 de 22 de junio y actualizada por el Real Decreto 840/2011, de 17 de junio, por el que se establecen las circunstancias de ejecución de las penas de trabajo en beneficio de la comunidad y de localización permanente en centro penitenciario, de determinadas medidas de seguridad, así como de la suspensión de la ejecución de la penas privativas de libertad y sustitución de penas.
Esta sanción penal es una de las consecuencias jurídicas más aplicadas en los delitos relacionados con la violencia de género. Desde el ámbito de la práctica forense se considera que una aplicación rigurosa y planeada de estas penas puede traer beneficios para la víctima, para la sociedad y para el condenado. Por esta razón se debe de reflexionar sobre el sentido y contenido de esta concreta pena ante delitos ejercidos como forma de sometimiento y violencia contra la mujer, cohonestando ambos aspectos desde una perspectiva realista e integradora del tipo penal,, de la función de la pena y de la necesaria rehabilitación que señala nuestra Constitución. Afrontar el sentido de los programas de reeducación del maltratador, con sus contenidos y fines, conlleva también integrar el concepto de reparación del daño. Siendo esto como decimos, la pena que consiste en someterse a cursos terapéuticos y formativos pueden ser una herramienta necesaria y útil, siempre que no se conviertan en un sucedáneo de sanción penal. En este sentido, el presente trabajo analiza experiencias muy diferentes y le corresponde al lector juzgar su eficacia.
Laborinho Lúcio: “Rever a Constituição e reforçar o poder dado aos juízes
Entrevista de Paula Torres de Carvalho a Laborinho Lúcio
Rever a Constituição e reforçar o poder dado aos juízes
Para mudar a Justiça, é preciso rever a Constituição e reforçar o poder dos juízes, defende Laborinho Lúcio, ex-ministro da Justiça. “O problema não está na Constituição, mas na falta de vontade de a rever”, diz, em entrevista ao PÚBLICO.
Ex-ministro da Justiça, Laborinho Lúcio vê na letra da Constituição um obsctáculo à reforma da justiça e diz que é preciso reforçar o poder dos juizes: “Temos que dar cada vez mais poder ao juiz no processo, para que seja ele a decidir, em cada caso, as diligências que devem ou não devem realizadas”. Vai lançar um livro, de título inspirado em Almada: Manifesto anti-Dantes.
Paula Torres de Carvalho (entrevista) Pedro Maia (fotos)
Para mudar a Justiça, é preciso rever a Constituição e reforçar o poder dos juizes, defende Laborinho Lúcio, ex-ministro da Justiça. “O problema não está na Constituição, mas na falta de vontade de a rever. E não se revendo a Constituição, continuamos a ter um quadro global de gestão do sistema que é absolutamente disfuncional”, diz em entrevista ao PÚBLICO.
Retirado da política mas com uma intensa actividade cívica, prepara-se para publicar um novo livro inspirado em Almeida Negreiros.
Chama-se Manifesto anti-Dantes e fala da Justiça e da falta dela. Imagine que era assaltado hoje.
- Queixava-se?
- Não preciso de fazer esse esforço, já fui assaltado e queixei-me.
- Porque continua a confiar na Justiça…
- Porque tenho a noção de que, nos tempos actuais, uma das formas de poder combater a criminalidade é permitir que as polícias de investigação aumentem a informação disponível. Não me queixo na convicção de que quem praticou o assalto venha a ser descoberto, mas na ideia de que há o dever cívico de o fazer porque é uma maneira de contribuir para a qualidade de informação.
- Os inquéritos de vitimização indicam que uma grande percentagem de vítimas de crimes não apresenta queixa porque acha que não vale a pena, porque a polícia e os tribunais não funcionam e porque ainda por cima a justiça é cara. É um sinal muito claro da falta de confiança e de credibilidade na Justiça. O que é preciso fazer para restituir essa confiança do cidadão no sistema judicial ?
- Um conjunto de coisas bastante diversificadas. Não há uma causa e um efeito, mas um conjunto vasto de factores. Para intervir nesse conjunto, precisamos de encontrar uma estratégia.
- Ou seja, uma política de Justiça.
- Mas uma política voltada para o sistema de Justiça no seu todo. Encontrar uma clara estratégia que permita fazer um diagnóstico diferenciado daquilo que são os problemas da Justiça e que permita encontrar um conjunto de grandes questões e as respostas a essas questões. E usar uma metodologia de intervenção que aposte mais na cooperação e na co-responsabilização e menos na atomização e na separação das responsabilidades. Julgo que isso tem sido um dos motivos pelos quais nós dificilmente avançamos a despeito da imensa quantidade de medidas que vão sendo adoptadas para resolver o problema da Justiça.
- Porquê?
- É que não se actua sobre o sistema com co-responsabilização, actua-se em termos pontuais, step by step, fazendo com que cada elemento do sistema corra por si próprio, muitas vezes corra contra os outros, responda por si e encontre muitas vezes nos outros a causa da sua menor capacidade de resposta, o que não permite encontrar uma saída verdadeiramente eficaz.
- Já foi ministro da Justiça e também não conseguiu desbloquear essa quantidade de problemas. Com que principais obstáculos se debateu?
- Com dificuldades de vária ordem. No núcleo duro dos problemas há um que apontei: a necessidade de criar um Conselho Superior de Justiça único, que tomasse em mãos a gestão global do sistema de Justiça. Continuo hoje a dizer exactamente a mesma coisa, mas como sabe há aí um obstáculo que é a Constituição. O problema não está na Constituição, mas na falta de vontade de a rever. E não se revendo a Constituição, continuamos a ter um quadro global de gestão do sistema que é absolutamente disfuncional. Se olharmos para a sessão solene de abertura do ano judicial, estão lá todas as instituições do sistema, mas cada uma por si. Cada um produz o seu discurso, de si para o sistema. E durante o ano não há a cooperação, não há a coresponsabilização entre todos para produzirem uma acção comum. É um sistema que dificilmente alguma vez funcionará.
- Já houve tentativas para estabelecer um pacto para a Justiça que não funcionaram…
- Não funcionou o pacto nem o congresso anterior ao pacto… porque também se pretende privilegiar sempre o consenso como ponto de partida e isso dificilmente leva à adopção das medidas essenciais já que algumas delas geram necessariamente conflito. A ideia do consenso, ao contrário do que se pensa, deve ser um desejo que na implantação das medidas novas seja conseguido mas não pode ser um ponto de partida nem necessariamente um objectivo porque ele é de sua natureza redutor. O objectivo não pode ser obter consenso num espaço que é por sua natureza conflituoso.
- Então isso significa que é melhor desistir dessa ideia que ainda no início do ano judicial foi referida pelo Presidente da República, que apelou à conjugação de esforços? Não vale a pena tentar reunir o consenso à volta da Justiça?
- Não, pela minha parte não desisto. Há que pegar no discurso do Presidente da República e perguntar onde se faz essa conjugação de esforços. Se houver o Conselho Superior de Justiça, a conjugação é natural, tem que ser porque estão lá todos representados.
- Na génese do problema do mau funcionamento da Justiça, está também uma deficiente gestão da Justiça.
- Sim, mas da gestão estratégica da justiça, não apenas da gestão administrativa e corrente da justiça. Aliás, um órgão destes, pode claramente assumir competências que hoje não cabem a nenhum dos conselhos superiores.
- Como por exemplo?
- Como por exemplo a formação de magistrados. Quem fala na formação de magistrados, fala também em tudo o que tem a ver hoje com a internacionalização da justiça, há questões completamente novas na área da cooperação judiciária internacional, nomeadamente no domínio da União Europeia. É necessário um órgão que responda politicamente sobre a gestão global deste sistema. Isto traria uma melhoria imensa do funcionamento da justiça, nomeadamente num ponto, que para mim é essencial também e passa muito pela questão da confiança e da credibilidade, que falou inicialmente, que é o do tratamento da comunicação, a maneira como o sistema de justiça se relaciona com o exterior. Como se relaciona com o cidadão que procura o sistema de justiça, com os media e com a opinião pública, como permite que o exterior se relacione com ele próprio… nada disto está verdadeiramente organizado. Mais uma vez, o que nós encontramos sistematicamente são vários agentes do sistema de justiça que conflituam entre si sem nenhuma co-responsabilização nos próprios conflitos que geram.
- Em suma, defende a criação de um Conselho Superior de Justiça como condição para mudar o sistema, o que implicaria a revisão da Constituição?
- Claramente. Para extinguir todos os outros conselhos e depois permitir uma revisão em termos da organização interna e então aí sim, aquilo que no fundo cabe, em parte aos outros conselhos do ponto de vista estritamente executivo, caberia a secções próprias deste conselho superior onde estaria representado o Presidente da República, contaria com a participação do ministro da justiça, de membros maioritariamente designados pela Assembleia da República, e com a participação de altas figuras do poder judicial. Tratando-se de um órgão de Estado, este Conselho não incluiria a representação corporativa de magistrados já que as representações seriam institucionais e não electivas.
- A lentidão e burocratização da Justiça está nas leis ou na forma da sua aplicação?
- Acho que um pouco nas duas coisas. Mas é necessário termos a noção exacta do que queremos dizer quando falamos disso, porque há alguns mitos que se criaram e é necessário desfazê-los, senão dificilmente se consegue ter uma intervenção modificadora. Hoje as pessoas queixam-se de que há uma enorme proliferação de leis. E que as leis não têm estabilidade e estão sistematicamente a ser alteradas. Penso que é necessário afrontarmos com algum espírito aberto a ideia de que isso é assim porque tem de ser assim. A sociedade hoje é marcada por uma imensa complexidade, por uma enorme diversidade e por uma dinâmica muito diferente daquela que havia há 20,30 ou há 50 anos . E portanto temos que nos habituar à regra da mutabilidade legislativa. Isto cria um problema novo. É que para que as leis, mesmo enquanto não são alteradas, tenham capacidade para se adaptarem à realidade, isso pressupõe tribunais com mais poder de intervenção.
- O que quer dizer concretamente?
- Falo de mais poder dado aos juizes. Para dar um exemplo concreto, eu posso sistematicamente alterar os códigos de processo. E é necessário que isso aconteça, é importante que não se deixe de fazer uma progressiva actualização das leis processuais. Mas temos que dar cada vez mais poder ao juiz no processo, para que seja ele a decidir, em cada caso, as diligências que devem ou não devem realizadas, ser ele a marcar o ritmo do processo. Isto é um juiz com mais poder.
- Que não se cinja à letra da lei?
- Em que a própria lei lhes dá esse poder. Um poder de decisão sobre o processo, em que o juiz diz neste caso sim, neste caso não, nesta circunstância pode, naquela não pode. Mas este é um juiz poderoso, e portanto mais uma vez voltamos ao início. Em democracia, quanto mais poder, maior responsabilização. Não pode ser um juiz com mais poder e com menos mecanismos de responsabilizar o exercício do seu poder. Por isso eu digo que muita da alteração legislativa é compreensível, mas muito daquilo que hoje temos colocado como novo, é o tema da relação do juiz com a lei e como é que, com mais poder, ele pode ser o gestor do processo. Temos de acabar de uma vez por todas com a “processualite”, isto é, com esta relação quase umbilical e proprietária que o juiz tem com o processo. O processo é um instrumento para resolver problemas das pessoas, e não pode por isso ser uma forma de dificultar a resolução dos seus problemas. Em termos democráticos, há que reconhecer maior poder aos juizes, mas obviamente responsabilizar a má utilização desse poder.
- Outro impedimento que é apontado para um eficaz e célere funcionamento da justiça tem a ver com aquilo que muitas pessoas consideram o excesso de garantismo que permite que se recorra sucessivamente das decisões judiciais e se vá adiando o cumprimento das penas. Agora a ministra propôs uma alteração para diminuir os casos em que os recursos têm um efeito suspensivo nas condenações. Acha que há um excesso de garantismo em Portugal?
- Essa é outra questão que tem necessariamente de ser mudada com uma grande seriedade Eu preferiria dizer que o garantismo não é excessivo. O problema não está no excesso, mas no abuso do uso das garantias para atrasar no tempo a decisão e para no limite levar à prescrição. Isto não pode acontecer. Perante isto a intervenção vai no sentido de reduzir as garantias, isto é, atingese a saúde da própria cidadania. O importante era actuar de forma a punir seriamente o uso ou a utilização abusiva das garantias.
- De que forma?
- Mais uma vez com o poder do juiz. O juiz hoje, numa perspectiva de legalidade estrita não pode oporse à utilização de uma garantia. Temos de encontrar um espaço, onde este poder seja dado ao juiz. Por exemplo, também entendo que os recursos para o Tribunal Constitucional não deverão ter efeito suspensivo. Admito que a prescrição do procedimento criminal deixe de funcionar a partir de uma acusação em primeira instância. Já me custaria pura e simplesmente acabar com a prescrição criminal como chegou a ser proposto. Temos um exemplo curioso, que até há relativamente pouco tempo não podia haver julgamentos crime sem a presença do arguido. Os adiamentos dos julgamentos-crime eram imensos. Fez-se uma revisão constitucional, alterou-se o princípio que impunha que assim acontecesse, e hoje é possível fazer julgamentos sem a presença de um arguido. E há muito menos adiamentos do que havia na altura. Nós ganhamos em eficácia, mas perdemos em cidadania. Na Europa, quando punha esta questão, as pessoas achavam estranhíssimo esta coisa das pessoas faltarem ao julgamento. Nós temos de crescer em cidadania, não podemos apenas garantir eficácia. Esta é uma questão clara para colocar num Conselho Superior de Justiça. Como vamos nós dentro da co-responsabilização do funcionamento do sistema, garantir que ele funcione? Porque aqui estamos num ponto em que o próprio cidadão é responsável pelo mau funcionamento do sistema, quando falta aos julgamentos.
- Isso é uma questão que já se coloca no domínio do cultural, da educação.
- Mas é no plano cultural que as pessoas dizem que não têm confiança na justiça e que acusam a justiça de ser lenta.
- A dimensão da corrupção em Portugal, exige que seja prioridade?
- Não temos dados que nos permitam ter a noção exacta de qual é o grau de corrupção, qual é a extensão e qual é a dimensão em valor da corrupção que existe entre nós. A imagem que o cidadão tem em relação à corrupção é preocupante, a percepção é significativamente perturbadora, de que hoje há uma corrupção mais generalizada do que já houve e que há também uma imensa dificuldade em combater essa corrupção. Acho bem que ela constitua uma prioridade política. O problema é que tem constituído sempre uma prioridade política e os resultados têm sido também sempre escassíssimos.
- Por falta de meios?
- Também terá a ver com a falta de meios mas julgo que tem muito menos a ver com a falta de meios e mais como uma dimensão estratégica para intervir no combate à corrupção e ainda com outro problema. Não sei até que ponto é que a criminalidade económica e financeira em geral, que abrange muito o domínio da fraude fiscal que se prende com questões ligadas à economia paralela de forma não visível, oculta, de aumentar o rendimento e o património, se tudo isto não encontrou um terreno fértil para poder crescer, e se isto é assim, mais do que um problema criminal estamos perante um problema social. Os tribunais não servem para resolver problemas sociais. A questão hoje é saber até que ponto é que podemos ter uma definição de prioridades internas no combate a este tipo de criminalidade que nos diga qual o objectivo desse combate e quais os resultados que antecipamos nesse objectivo.
- Qual a sua opinião sobre a criminalização do enriquecimento ilícito?
- Já tive uma opinião mais reservada, hoje tenho uma aberta, mas que resulta mais de uma desistência do que de uma persistência, tenho um pouco a noção de que nós não podemos prescindir de instrumentos, ainda que estes sejam discutíveis quanto à sua eficácia. Tenho reservas quanto à eficácia desse caminho e até quanto a constitucionalidade da medida. Também gostarei de ver a formulação definitiva. Aparentemente afasta a questão da inversão do ónus da prova. Julgo que ainda precisamos, na especialidade, de encontrar ali uma formulação que permita ter a noção de que este crime virá a ter uma função mais dissuasora do que repressora. Admito que, pelo facto de estar previsto, algumas situações de enriquecimento ilícito deixem de existir. Nos casos em que a corrupção é já quase uma profissionalização não sei se por este caminho se conseguirá alguma coisa porque julgo que é muito difícil chegar a uma decisão clara de condenação por esse tipo de crime.
- E quanto à reforma do mapa judiciário, concorda?
- Há dois pontos em que é preciso intervir, no processo e na gestão do sistema de justiça. Podemos dar um salto qualitativo importante usando também a reforma do mapa judiciário. Esta reforma não nasce por si mas em confronto com a reforma anterior. Há um caminho feito. Há um ponto importante: O governo apresenta um ensaio de reorganização judiciária e diz que está em discussão pública até Setembro. Isto parece muito positivo na medida em podemos dizer que sobre a reforma anterior esta constitui agora um primeiro passo. O fundamental é saber se por parte do governo há a noção de que este é um primeiro passo e de que o caminho é longo e se a noção é de que este é o caminho e é o caminho todo que está a ser posto à discussão. Se esse é o primeiro passo, acho que claramente é um magnífico primeiro passo. Se for o projecto para a definição do caminho tenho muita pena porque mais uma vez não se pega naquilo que me parece essencial. Porque, se fazemos do mapa judiciário apenas uma reorganização territorial dos tribunais, isso vai produzir efeitos relativamente parcos. Gostaria muito do que o que fosse apresentado como diploma legislativo fosse uma lei de bases do sistema de justiça. E não uma lei de organização dos tribunais, porque mais uma vez, estamos a fechar os tribunais e a fazer uma lei de pura organização e não estamos a ver a globalidade do sistema.
- A autonomia do Ministério Público, está em risco?
- Não poderá estar e espero bem que não esteja.
- Mas acha que está ou não?
- Se for posta em causa há um imenso desequilíbrio, quer na qualidade do estado de direito, quer na garantia da eficácia no combate à criminalidade organizada, internacional e complexa… A investigação criminal pressupõe hierarquia e cadeia de comando…
- Isso falha no ministério público?
- Não discuto no concreto se falha ou não, o que sei é que criámos um modelo de investigação criminal que tem todas as potencialidades para ser um modelo de excelência. Não podemos perdê-lo agora com alterações. O Ministério Público tem de manter claramente a sua autonomia e internamente uma ordem hierarquizada. Hierarquia significa poder de intervenção no processo e não que o Ministério Público se transforme num serviço do procurador-geral da República.
- É a favor do sindicalismo judiciário?
- Sou. Em primeiro lugar porque os magistrados, sendo simultaneamente titulares de órgãos de soberania, são profissionais com uma carreira e portanto têm interesses corporativos legítimos a defender. Por outro lado, como eu entendo que não deve haver juizes eleitos no Conselho Superior de Justiça, entendo que devem ter órgãos próprios para poderem manifestar os seus legítimos interesses corporativos e esses órgãos são os sindicatos. Portanto, sou claramente a favor. Simplesmente é necessário estabelecer aqui uma concordância prática. Entendo que deve haver uma limitação que é a não previsão do direito à greve justamente dada a condição dos magistrados de titulares de órgãos de soberania.
- Há cada vez mais crimes praticados por jovens. Defende uma diminuição da idade penal?
- Não sou a favor da diminuição da idade penal, sempre achei que a idade dos 16 anos é perfeitamente adequada. É certo que também temos uma criminalidade violenta por jovens com idade inferior aos 16 anos, mas precisamos de ter especial atenção quanto a essa criminalidade e de ter a noção clara e exacta que temos de apostar inequivocamente na intervenção sobre esses jovens no sentido de os retirar de uma possível carreira criminal. E uma carreira criminal normalmente começa com um diploma e o diploma é a pena. Se nós não diplomarmos esses jovens cedo demais, talvez tenhamos condições para que eles escolham outro modo de vida e não esse para o qual nós lhes demos acreditação.
Público de 12-02-2012
O maltratado mapa judiciário
Mouraz Lopes e Nuno Coelho, Juiz-desembargador e juiz de direito referem-se a três equívocos:«A nova proposta de mapa judiciário apresentada pela Direção-Geral da Administração da Justiça vem acompanhada de três equívocos.»
Um é que a proposta decorre da reforma do mapa judiciário em curso. Outro é que se encontra criteriosamente realizada, sendo uma medida pronta a aplicar e baseada no ‘Memorando de Entendimento’ que determinou a ajuda financeira a Portugal. Por último, diz-se que esta reforma é inevitável e transformará a realidade judiciária, não voltando a adiar a reforma da justiça.
A verdade é que se trata de uma rutura com a reforma do mapa judiciário em curso, em aspetos tão fundamentais como a escala territorial das várias comarcas, a distribuição de competências e grau de especialização dos diversos tribunais, e a estruturação dos recursos humanos e materiais. Tudo isto feito sem apoio de um estudo idóneo. No fundo, o documento agora em discussão deve ser visto como apenas mais um ensaio, não se apoiando em nenhum pensamento coerente sobre esta reforma.
A estruturação da oferta judiciária que se propõe não atende a uma dimensão dinâmica da procura (litigância e seus fatores). Utilizam-se referenciais quantitativos pouco apurados e ignoram-se parâmetros como a diferenciação processual (complexidade e saturação), os desempenhos estatísticos e a duração dos processos. Só com uma aritmética mal trabalhada e fiável se pode defender, por exemplo, que a uma escala distrital se prescinda de um quarto dos juizes em exercício de funções nos tribunais de 1.- instância, colocando-os como juizes liquidatários itinerantes.
Sobre o previsível impacto dessa alteração na nomeação e colocação de juizes, ou nas presidências de tribunais, nada se diz. Porque nada se conhece? Idem sobre a dinâmica da litigância processual (distribuição) e o respetivo impacto na resolução da procura, ou sobre a movimentação global das pendências.
A reorganização judiciária agora proposta pode implicar o estabelecimento de soluções que contrariem as essenciais garantias do princípio do juiz natural, da inamovibilidade dos juizes ou da legalidade dos mecanismos de distribuição de processos. A função desses princípios, note-se, é garantir um poder judicial independente e imparcial. Para isso também contribuiria uma utilização mais regulada dos poderes previstos na lei para os cargos de gestão dos tribunais (Conselho Superior da Magistratura e presidências dos tribunais), ausente da proposta. Como também o estão critérios de alteração das distribuições dos processos ou de atribuição de prioridade a categorias processuais.
O processo legislativo da reforma do mapa judiciário encontra-se desgastado. As sucessivas alterações criam instabilidade e problemas de aplicação prática, prejudicando quem pretende exercer os seus direitos em tribunal. Uma verdadeira reforma estruturante, envolvendo leis organizativas, estatutárias e processuais, exige um consenso. Os juizes sempre estiveram e estarão disponíveis para intervir numa reforma assente em pressupostos válidos e coerentes com a Constituição e em boas políticas na administração da justiça. Mas sobretudo, na perspetiva de cidadania em nome da qual fazem justiça.
Mouraz Lopes e Nuno Coelho
Expresso de 11-02-2012
Paisanos em 'manifs' são legais, ilegais ou depende?
Debate. Juristas e especialistas dividem-se. Mesmo os favoráveis advertem para a delicadeza da situação. Tema ganha atualidade com a concentração promovida pela CGTP. É normal haver agentes policiais à paisana em manifestações? Qual o enquadramento legal específico dessa presença e que objetivos serve?
Estas perguntas, aparentemente simples, e suscitadas pela atuação, sob investigação pelo Ministério Público (na sequência de uma queixa do advogado Garcia Pereira) , de paisanos da PSP na manifestação de 24 de novembro de 2011, foram colocadas pelo DN à PSP, ao Ministério da Administração Interna e à Procuradoria-Geral da República. Nenhuma das instituições respondeu de forma minimamente satisfatória; a PGR remeteu mesmo o esclarecimento sobre a matéria para a análise da queixa de Garcia Pereira, o que indicia não a considerar passível de resposta imediata ou óbvia.
Estas questões ganham atualidade hoje, dia em que vai ter lugar uma manifestação nacional liderada pela CGTP no Terreiro do Paço, em Lisboa, a partir das 16.00.
Será que, como pensam o juiz desembargador Rui Rangel e Garcia Pereira, se está perante uma atuação ilegal da polícia? "Não existe lei clarificadora que permita a intervenção de agentes à paisana em manifestações", diz Rangel. "Numa cultura da democracia, a tendência é sempre duma cultura de identificação; os cidadãos têm o direito de saber se estão perante um agente em funções, a não ser em casos muito específicos de investigação criminal. Claro que se for à estratégia da polícia, eles poderão dizer que há a possibilidade de haver infiltração de elementos criminosos numa manifestação. OK, mas então que isso esteja regulamentado na lei. Porque neste momento, se não há um quadro normativo, é ilegal." Garcia Pereira vai mais longe:" Toda a gente que vai a uma manifestação é suspeita da prática de crimes? A presença de agentes à paisana no meio de uma manifestação, mesmo que não abram a boca, é já em si provocatória. Quanto mais andarem a deter e espancar pessoas, como sucedeu a 24 de novembro."
Germano Marques da Silva, penalista e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, não vê ilegalidade à partida: "O problema de os agentes estarem fardados ou não é de técnica policial e não é necessária qualquer norma específica para o permitir; basta que para realizar o efeito de prevenção se justifique não estarem fardados." Mas adverte: "A atuação dos agentes no concreto é que pode levantar questões. Porque o agente infiltrado está muitas vezes resvés com o agente provocador. O agente infiltrado destina-se a prevenir a prática de crimes. No caso da manifestação, é para ver se há alguém que vá perturbar a sua prática, preservando assim o direito de manifestação. Se o agente ultrapassa isso, e é ele próprio a provocar, transforma-se num criminoso, e aí o facto de ser polícia não desculpa, agrava." No mesmo sentido se pronuncia o juiz António Martins, presidente do sindicato dos magistrados judiciais e ex-diretor adjunto da PJ: "Só posso enquadrar a atuação não fardada da PSP numa manifestação na perspetiva de prevenção da criminalidade. Aí não vejo qualquer problema, apesar de a regra da atuação na manutenção da ordem ser a farda e de claramente haver um limite que nunca pode ser ultrapassado - o de a atuação ir para além da prevenção."
Já para a penalista e ex-juíza do Tribunal Constitucional Fernanda Palma, se "a utilização de agentes não fardados em funções de mera segurança está dentro da área de discricionariedade da administração pública", é preciso atentar ao critério de proporcionalidade que deve reger sempre a atuação policial: "A polícia pode tomar as suas precauções, perante determinadas informações, para evitar situações piores, mas não se pode admitir que sempre que haja manifestações haja essa prática - se for sistemático, isso significa ver as manifestações como uma perturbação da ordem pública, algo de perigoso, o que é um condicionamento do direito de manifestação e remete para uma visão autoritária."
Motivos mais que suficientes para, como urge o catedrático de Penal Costa Andrade, se proceder a uma clarificação da situação: "É um problema que cada vez se tenderá a por mais, até com o agravar da situação social."
Ordens para infiltrados sob investigação
Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), assumiu ontem, em entrevista ao jornal i, que pediu explicações ao diretor | nacional em relação ao aconteceu na manifestação de 24 de novembro. Este ter-lhe-á dito que ordenou um processo disciplinar. "Aquelas situações... devem ser investigadas. Se houve comportamentos menos adequados, devem ser esclarecidos, mas não se pode ficar pelo agente que executou é necessário saber se houve ordem para aquilo acontecer."
'A polícia não deve substituir-se aos manifestantes"
Superintendente da PSP, novo diretor do Instituto Superior da Polícia e professor universitário na área de políticas de segurança, Pedro Clemente vê com estranheza a presença de agentes não fardados, sem qualquer identificação, em manifestações.
"Um agente de segurança não deve estar 'infiltrado' numa manifestação. Deve ter uma tarja, uma braçadeira que o identifique, como se passa com os elementos policiais que acompanham as claques de futebol. Não se devem confundir as qualidades. E a polícia não deve substituir-se aos manifestantes." E ensaia uma explicação: "Tivemos uma época morta na área da ordem pública e em que a polícia se virou muito para a área da investigação criminal. Agora estamos a começar a ter manifestações que vêm de áreas não tão estruturadas como aquelas a que estávamos habituados e são essas manifestações que podem trazer problemas para o futuro, como aliás está já a acontecer na Europa há algum tempo. E é preciso ir buscar boas práticas. Se houve alguma coisa que correu menos bem na manifestação de 24 de novembro, é preciso tirar ilações, colher lições para o futuro. Há que ter a cultura da avaliação: não tanto andar à procura de culpados, mas corrigir e melhorar."
Fernanda Câncio
Diário de Notícias de 11-02-2012
Guerra de estrelas no MP
Duas ‘estrelas’ do Ministério Público estão em guerra por quererem investigar o mesmo gangue do Multibanco. Cândida Almeida, diretora do DCIAP, acusa Vilar, da Unidade de crime violento, de desviar processos para entregá-los à GNR e à PSP.
Quando rebentou com uma caixa Multibanco no Pinhal Novo, Carlos R., suspeito de vários assaltos do mesmo género, estava longe de imaginar que ia dinamitar a relação entre duas das mais importantes figuras do Ministério Público e do combate ao crime mais grave: Cândida Almeida e Cândida Vilar. A diretora do DCIAP fez uma participação ao procurador-geral, Pinto Monteiro, contra a chefe da Unidade de Combate ao Crime Especialmente Violento do DIAP de Lisboa. Motivo: Carlos R. já estava a ser investigado pela PJ num processo dirigido pela equipa de Cândida Almeida. Mas foi a GNR, com mandados de busca e detenção assinados por Cândida Vilar, que prendeu Carlos R. há menos de um mês, numa casa do Pinhal Novo.
Segundo o Expresso apurou, Cândida Almeida alegou junto do PGR que a colega desvia deliberadamente processos do DCIAP e da PJ para os entregar à PSP e à GNR, violando assim a Lei de Organização Criminal.
“Eu sei que houve uma participação ou uma queixa da doutora Cândida Almeida por causa do processo do Multibanco, mas não me posso pronunciar porque não sei exatamente o que foi dito”, admite Cândida Vilar. “O que eu posso dizer é que qualquer pessoa que leve um tiro ou seja assaltada na rua não quer saber se é a brigada 51 ou a 53 que vai investigar. Eu quero combater o crime e a PJ não pode ficar com os processos todos porque não tem pessoas suficientes”, defende a procuradora, que já investigou casos como o dos skinheads ou a máfia da noite liderada por Alfredo Morais.
Contactada pelo Expresso, Cândida Almeida diz que não fará qualquer declaração “até haver uma decisão do procurador-geral”. A diretora do DCIAP, responsável pela investigação dos crimes mais complexos e violentos, é a magistrada mais antiga do MP e amiga pessoal de Pinto Monteiro, apesar da relação ter arrefecido depois de Cândida Almeida ter autorizado os procuradores do ‘processo Freeport’ a incluírem as perguntas que não fizeram a José Sócrates no despacho de arquivamento.
Dê-me a bateria
De acordo com o que o Expresso conseguiu apurar, depois da detenção de Carlos R., o DIAP de Lisboa pediu à PJ que entregasse alguns objetos que já tinha apreendido ao suspeito numa busca, nomeadamente uma bateria e fios de cobre. Foi levantado um conflito de interesses e Pinto Monteiro acabou por decidir que seria o DIAP e a GNR a ficarem com o processo.
Quando foi ouvida, Cândida Almeida terá feito “acusações muito graves”, diz uma fonte judicial que não quer ser identificada. “Agora terá de as concretizar”, diz a mesma fonte. Há três semanas decorreu uma reunião tensa entre Cândida Vilar, o procurador Vítor Magalhães (que integra a equipa de Cândida Almeida e conduzia a investigação), um oficial da GNR e o diretor do contraterrorismo da PJ, Luís Neves.
Esta não é a primeira vez que surgem conflitos entre a Unidade de Crime Violento e a PJ. Em março de 2010, em entrevista ao Expresso, Carlos Figueira, procurador do DIAP, acusou a PJ de se recusar a investigar grupos criminosos e de não ter motivação para concluir casos descobertos pelas outras polícias. Houve uma reunião para esclarecer “as dúvidas”, mas ficou tudo na mesma. Até agora.
O PGR encarregou a sua vice, Isabel São Marcos, de investigar as acusações de Cândida Almeida. Mas nenhuma das intervenientes foi chamada para prestar declarações e o Conselho Superior do Ministério Público ainda não tem conhecimento oficial do caso.
Rui Gustavo
Expresso e 11-02-2012
O comércio ilícito e a economia global
Paul De Grauwe, , Cláudia Costa Storti, Illicit trade and the global economy, Editora: The Mit Press, Cambridge 2012, ISBN: 9780262016551
Resumo do livro
Resumo do livro
O comércio internacional expandiu-se dramaticamente no período pós-guerra - uma expansão acelerada pela abertura da China, Rússia, Índia e Europa Oriental – também o comércio ilícito internacional tem crescido em conjunto com ele. Este livro utiliza as ferramentas do economista para examinar os problemas económicos, políticos e sociais resultantes de tais actividades ilícitas como o comércio ilegal de drogas, o contrabando e o crime organizado. Os participantes consideram vários aspectos do mercado ilegal de drogas, incluindo as relações às vezes intrigantes entre pureza, risco de preço, e, o efeito da globalização nos mercados de heroína e cocaína, avaliadas, tanto através de modelos matemáticos e com dados empíricos provenientes do Reino Unido, a propagação de khat, uma droga psicoactiva importada legalmente para o Reino Unido como um vegetal, e o efeito económico da "guerra contra as drogas" em países produtores e consumidores. Outros capítulos examinam os fluxos financeiros ocultos do crime organizado, os padrões de contrabando no comércio internacional, a actividade do Irão com o comércio ilícito, e do impacto da criminalidade mafiosa sobre o investimento directo estrangeiro na Itália.
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