Por António Cluny, publicado em 23 Jul 2013
- 05:00
Que condições
existem para acautelar e, desejavelmente, impedir as ultrajantes violações das
comunicações e, bem assim, da privacidade dos cidadãos?
Na última
terça-feira, Carlos Coelho concedeu a este jornal uma importante entrevista.
Falou de
"escutas" e intercepções electrónicas que os serviços secretos
norte-americanos efectuam, indiscriminadamente, sobre as comunicações de
cidadãos de outros países.
O deputado
europeu não foi meigo, nada meigo mesmo.
Este atentado em
massa contra as liberdades, com confirmação oficial, parece, contudo, ter
merecido uma débil indignação dos nossos media e seus comentadores,
que, perante a crise económica e social, costumam arvorar a defesa das
liberdades civis acima de quaisquer outros direitos.
Há violações das
liberdades e violações das liberdades!
2. Decorre,
entretanto, na sociedade portuguesa, um singular "debate técnico"
sobre a proposta da ministra da Justiça para que se concentrem escutas
judiciais na PJ, de molde a permitir um melhor e mais efectivo controlo por parte
das magistraturas.
Do lado destas,
a maioria dos argumentos contra tal proposta assenta, de facto e curiosamente,
neste aspecto: a viabilidade técnica desta ideia.
Não deixa,
porém, de ser intrigante que aqueles que deveriam pensar-se a si próprios como
os guardiões das liberdades - função que a Constituição e as leis lhes atribuem
- caiam, desta forma, na ingenuidade de querer discutir tal matéria sobretudo
nesse plano.
A proposta -
reconheça-se - pode comportar alguns constrangimentos ao desenvolvimento e à
manutenção da eficácia de certas investigações criminais, que importa
esclarecer.
A sua discussão
não deveria, porém, situar-se especialmente aí.
A verdadeira
questão que a proposta veicula e que importa analisar com rigor é, com efeito,
outra: é uma questão de natureza política. Mais ainda: é uma das mais
significativas questões da vida democrática de um país.
Que condições
existem para acautelar e, desejavelmente, impedir as ultrajantes violações das
comunicações e, bem assim, da privacidade dos cidadãos?
Sobre os
aspectos técnicos e logísticos que a proposta levanta, cumpre apenas perguntar
ao ministério se está ciente deles e como tenciona assegurar uma solução.
A ideia de
concentrar numa única entidade policial, especializada na investigação criminal,
a capacidade para conduzir e efectuar esse modelo de intercepções não pode, por
isso e à partida, merecer uma resposta negativa, se ela se dirigir - como
parece ser o caso - a um esforço verdadeiro de contenção e maior controlo no
uso dessas medidas.
Nesse sentido,
designadamente para quem deve cuidar da salvaguarda dos direitos de cidadania,
o que pareceria importante - imperativo mesmo - era aproveitar este debate e ir
mais longe.
Não seria,
porventura, apropriado - num momento em que se discute a reforma dos estatutos
das magistraturas - reflectir seriamente sobre a colocação orgânica da PJ na
instituição judicial e, por exemplo, pensar a oportunidade de reintroduzir,
mesmo que em moldes novos, a possibilidade de "inspecções" regulares
à oportunidade do uso de tais medidas e ao funcionamento dos departamentos
técnicos encarregados de proceder a tal tipo de vigilância?
Não permitiriam
tais iniciativas reactivar a confiança dos cidadãos nas instituições
democráticas? Não reforçariam estas o prestígio e o papel ímpar da justiça na
sociedade?
Não deixa de
ser, também, um inequívoco sinal destes estranhos e conturbados tempos que, de
certo modo, tenha sido a ASFIC - a Associação dos Investigadores da PJ - a
primeira entidade a suscitar uma tal reflexão!
Jurista e presidente da MEDEL
Escreve à terça-feira