Homicídio privilegiado - “desespero de fuga” - omissão de pronúncia - fundamentação dos acórdãos de tribunais superiores - intenção de matar - matéria de facto
1 – O art. 374.º, n.º 2 do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos Tribunais Superiores, mas só por via da aplicação correspondente do art. 379.º, pelo que aquelas não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.ª instância e que embora as Relações possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas o tribunal de recurso não pode julgar a causa nos mesmos termos em que o tinha feito a 1.ª instância.
2 – Se a Relação escreveu que «antes de entrarmos na análise da prova produzida em audiência de julgamento importa ter presente que, ao apreciar a matéria de facto, este tribunal está condicionado pelo facto de não ter com os participantes no processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Conforme refere Figueiredo Dias (Princípios Gerais do Processo Penal, pág. 160) só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.» mas depois decide da bondade da impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente, face à prova produzida e documentada nos autos, não se pode dizer que anunciou uma interpretação restritiva (e eventualmente inconstitucional) das normas que regem os seus poderes de cognição no domínio da matéria de facto e a aplicou, com prejuízo do conhecimento das questões que haviam sido colocadas no recurso.
3 – A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
4 – A intenção de matar é matéria de facto que escapa à censura do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista, pois pertence ao âmbito da matéria de facto o apuramento da intenção de matar, a fixação dos elementos subjectivos do dolo nos crimes em que este é elemento essencial e a aplicação do princípio in dubio pro reo. A intenção de matar constitui matéria de facto a apurar pelo tribunal face à diversa prova ao seu alcance e esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
5 – Através do tipo legal de homicídio privilegiado, criou-se uma censura mais suave para o homicídio, em função dos motivos que determinaram a sua perpetração, uma vez que os motivos constituem, modernamente, um elemento valioso a ponderar, uma vez que não há crime gratuito ou sem motivo e é no motivo que reside, em parte importante, a significação da infracção, importando no recorte desse tipo, em primeiro lugar, que se mostre sensivelmente diminuída a culpa do agente, depois, que essa diminuição advenha de uma de quatro cláusulas de privilegiamento: (i) compreensível emoção violenta; (ii) compaixão; (iii) desespero; (iv) motivo de relevante valor social ou moral.
6 – Desespero é o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia.
7 – Não age em «desespero de fuga» o caçador furtivo que de noite, de automóvel, holofotes laterais, com uma espingarda caçadeira, se dedica à caça furtiva em associativa de caça a que não pertence e surpreendido por guardas florestais auxiliares, retrocede em marcha atrás e vem a atingir e a matar com tiro de zagalotes um desse guardas.
AcSTJ de 17.01.2008, proc. n.º 607/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – O art. 374.º, n.º 2 do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos Tribunais Superiores, mas só por via da aplicação correspondente do art. 379.º, pelo que aquelas não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.ª instância e que embora as Relações possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas o tribunal de recurso não pode julgar a causa nos mesmos termos em que o tinha feito a 1.ª instância.
2 – Se a Relação escreveu que «antes de entrarmos na análise da prova produzida em audiência de julgamento importa ter presente que, ao apreciar a matéria de facto, este tribunal está condicionado pelo facto de não ter com os participantes no processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Conforme refere Figueiredo Dias (Princípios Gerais do Processo Penal, pág. 160) só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.» mas depois decide da bondade da impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente, face à prova produzida e documentada nos autos, não se pode dizer que anunciou uma interpretação restritiva (e eventualmente inconstitucional) das normas que regem os seus poderes de cognição no domínio da matéria de facto e a aplicou, com prejuízo do conhecimento das questões que haviam sido colocadas no recurso.
3 – A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
4 – A intenção de matar é matéria de facto que escapa à censura do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista, pois pertence ao âmbito da matéria de facto o apuramento da intenção de matar, a fixação dos elementos subjectivos do dolo nos crimes em que este é elemento essencial e a aplicação do princípio in dubio pro reo. A intenção de matar constitui matéria de facto a apurar pelo tribunal face à diversa prova ao seu alcance e esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
5 – Através do tipo legal de homicídio privilegiado, criou-se uma censura mais suave para o homicídio, em função dos motivos que determinaram a sua perpetração, uma vez que os motivos constituem, modernamente, um elemento valioso a ponderar, uma vez que não há crime gratuito ou sem motivo e é no motivo que reside, em parte importante, a significação da infracção, importando no recorte desse tipo, em primeiro lugar, que se mostre sensivelmente diminuída a culpa do agente, depois, que essa diminuição advenha de uma de quatro cláusulas de privilegiamento: (i) compreensível emoção violenta; (ii) compaixão; (iii) desespero; (iv) motivo de relevante valor social ou moral.
6 – Desespero é o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia.
7 – Não age em «desespero de fuga» o caçador furtivo que de noite, de automóvel, holofotes laterais, com uma espingarda caçadeira, se dedica à caça furtiva em associativa de caça a que não pertence e surpreendido por guardas florestais auxiliares, retrocede em marcha atrás e vem a atingir e a matar com tiro de zagalotes um desse guardas.
AcSTJ de 17.01.2008, proc. n.º 607/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Concurso de infracções - Cúmulo jurídico - Acórdão - Fundamentação
1 – Quem sustenta que a decisão do tribunal colectivo de formulação de um cúmulo jurídico peca por fundamentação muito deficitária, deve levar às conclusões a correspondente arguição de nulidade por omissão de pronúncia e indicar no texto da motivação, com precisão, quais as menções que estariam em falta na decisão recorrida, face ao dever de referência a que estaria adstrita.
2 – Não sofre de falta de fundamentação o acórdão de cúmulo que, embora sinteticamente, identifica o tipo e o número dos crimes cometidos, as datas relevantes e as penas aplicadas, quer parcelares, quer únicas conjuntas anteriormente infligidas, estabelece os pressupostos do concurso de infracções e indica o respectivo quadro normativo, bem como da moldura penal abstracta aplicável ao caso e os critérios atendíveis, e, de seguida, face aos elementos constantes das decisões condenatórias e do relatório social, dá por assentes, nomeadamente, os factos respeitantes às sócio-económicas, familiares, pessoais, de saúde do arguido.
AcSTJ de 17.01.2008, Proc. n.º 4460/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – Quem sustenta que a decisão do tribunal colectivo de formulação de um cúmulo jurídico peca por fundamentação muito deficitária, deve levar às conclusões a correspondente arguição de nulidade por omissão de pronúncia e indicar no texto da motivação, com precisão, quais as menções que estariam em falta na decisão recorrida, face ao dever de referência a que estaria adstrita.
2 – Não sofre de falta de fundamentação o acórdão de cúmulo que, embora sinteticamente, identifica o tipo e o número dos crimes cometidos, as datas relevantes e as penas aplicadas, quer parcelares, quer únicas conjuntas anteriormente infligidas, estabelece os pressupostos do concurso de infracções e indica o respectivo quadro normativo, bem como da moldura penal abstracta aplicável ao caso e os critérios atendíveis, e, de seguida, face aos elementos constantes das decisões condenatórias e do relatório social, dá por assentes, nomeadamente, os factos respeitantes às sócio-económicas, familiares, pessoais, de saúde do arguido.
AcSTJ de 17.01.2008, Proc. n.º 4460/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Aplicação da lei no tempo - prisão preventiva - habeas corpus
1 – Tem entendido o STJ que o habeas corpus, tal como o configura o CPP, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
2 – A entender-se que não obsta à apreciação do pedido de habeas corpus a circunstância de poder ser, ou mesmo ter sido, interposto recurso da decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, como resulta agora do n.º 2 do art. 219.º do CPP, deve ser-se especialmente exigente na análise do pedido de habeas corpus.
3 – Se o arguido está em prisão preventiva desde 29-03-2004, foi declarada a especial complexidade do processo e a incriminação se reporta a um crime agravado de tráfico de estupefacientes e entretanto foi condenado na pena de 12 anos de prisão, confirmada pela Relação, deve optar-se pela aplicação da redacção do art. 215.º do CPP, anterior à Lei n.º 48/2007, mais favorável ao arguido, mas não é a prisão ilegal, por não terem ainda decorrido 4 anos.
AcSTJ de 17.01.2008, proc. n.º 200/08, Relator: Cons. Simas Santos
1 – Tem entendido o STJ que o habeas corpus, tal como o configura o CPP, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
2 – A entender-se que não obsta à apreciação do pedido de habeas corpus a circunstância de poder ser, ou mesmo ter sido, interposto recurso da decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, como resulta agora do n.º 2 do art. 219.º do CPP, deve ser-se especialmente exigente na análise do pedido de habeas corpus.
3 – Se o arguido está em prisão preventiva desde 29-03-2004, foi declarada a especial complexidade do processo e a incriminação se reporta a um crime agravado de tráfico de estupefacientes e entretanto foi condenado na pena de 12 anos de prisão, confirmada pela Relação, deve optar-se pela aplicação da redacção do art. 215.º do CPP, anterior à Lei n.º 48/2007, mais favorável ao arguido, mas não é a prisão ilegal, por não terem ainda decorrido 4 anos.
AcSTJ de 17.01.2008, proc. n.º 200/08, Relator: Cons. Simas Santos