Sentir o Direito
As sondagens nacionais têm
revelado que os juízes e os magistrados do Ministério Público chegam a
ultrapassar pela negativa, em níveis de popularidade, os políticos (que tra-
dicionalmente detinham os piores resultados). Uma das causas desta má reputação
da nossa Justiça, que afeta a imagem do próprio Estado de Direito, é a
morosidade dos processos judiciais.
Uma
Justiça que se arraste para além de um horizonte temporal razoável deixa de ser
justa. Esta afirmação vale tanto em matéria civil como em matéria penal. Tal
como observava o Barão de Montesquieu, há já perto de trezentos anos – em ‘Do
espírito das leis’ –, muito mais importante do que a gravidade das penas é a
certeza e a celeridade da punição.
É neste contexto que se compreende a proposta feita pela
Procuradora-Geral da República, no âmbito de uma audição parlamentar sobre a
reforma do Código de Processo Civil. Segundo essa proposta, deveria
instaurar-se um processo pré-disciplinar de averiguações ou inquérito sempre
que os juízes excedessem em mais de três ou seis meses prazos processuais.
É claro que a proposta de instauração automática de um processo
pressupõe, no entanto, uma relativa ineficácia das inspeções a que são sujeitos
os juízes. Essas inspeções deveriam ser, na verdade, a sede própria para
detetar atrasos processuais e apurar as suas causas, determinando, sempre que
isso se justificasse, o apuramento de responsabilidades.
De todo o modo, a automaticidade não pode permitir, em caso
nenhum, a instauração de processos disciplinares ou a punição de juízes de
acordo com um princípio de responsabilidade objetiva e abstraindo da sua
responsabilidade pessoal pelos atrasos. Tal solução violaria gravemente o
princípio da culpa, decorrente da essencial dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, pior ainda do que a morosidade processual seria a
precipitação e a arbitrariedade no julgamento dos processos. Sem pactuar com
atrasos injustificados e violações grosseiras do dever de zelo, devemos
reconhecer que a "pressa" é má conselheira. Julgamentos
"sumários" e sentenças irrecorríveis estão na origem de conhecidas
iniquidades.
Por esta razão, é muitíssimo duvidosa, por exemplo, a solução de
alargar o processo sumário a todos os crimes. Pode um crime com a gravidade do
homicídio qualificado, por exemplo, ser julgado sem fase de inquérito e por um
só juiz, mesmo que haja flagrante delito – que, entre nós, abrange detenções
feitas por quaisquer pessoas em flagrante delito presumido?