O
Instituto de Medicina Legal foi reformado e vai ter peritos em novas áreas: da
balística às impressões digitais e informática. Duarte Nuno Vieira diz que o
futuro passa por concentrar serviços.
- Com a nova lei orgânica, que
perícias vão passar a ser feitas peto Instituto?
- A nova lei alarga as competências a praticamente todas as áreas das ciências
forenses, nomeadamente a análise de documentos, a balística, a lofoscopia,
explosivos, etc. Isto resulta da criação de um novo serviço técnico, chamado
Serviço de Tecnologias Forenses e Criminalística. De certa forma, é um regresso
ao passado, pois até 1957 todas as áreas periciais estavam concentradas nos
três institutos de Medicina Legal de que o país dispunha. Mas é sobretudo uma
evolução que vai ao encontro de uma tendência internacional, que é a criação de
institutos nacionais de ciências forenses – e que, estou convicto, irá
reforçar-se nas próximas décadas.
- Em que países já existe esse
modelo?
- Em múltiplos países de vários continentes, embora com designações e
modalidades de funcionamento diversas. Mas os institutos de ciências forenses
da Holanda e da Estónia são considerados, neste momento, as grandes referências
mundiais.
- Por essa linha de raciocínio,
defende que Portugal devia passar a ter um único organismo e extinguir (ou
fundir) o Laboratório de Polícia Científica (LPC), da Polícia Judiciária, as
estruturas técnicas da PSP, GNR e do SEF?
- Embora não considere obrigatório, penso que o país teria muito a ganhar com
isso, em termos de rentabilização de recursos, harmonização de procedimentos e
qualidade das perícias. Mas é uma opinião muito pessoal que nem todos
compartilham. Há muitos interesses instalados, nomeadamente institucionais,
corporativos e pessoais, que tornam difícil concretizar essa opção a curto
prazo. Mas não tenho dúvidas de que lá chegaremos um dia. Terá de ser um
caminho percorrido com serenidade, evitando sobressaltos e prejuízos para os
profissionais envolvidos.
- De que forma se garante isso?
- Por exemplo, dando aos funcionários que vierem a trabalhar nesse instituto (e
que pertenciam a outros organismos) a opção de manter as regalias da carreira
de origem até à aposentação. Mas não considero obrigatório concretizar este
modelo já. Na realidade, desde que haja boa cooperação entre os intervenientes
na peritagem forense, nada impede que o sistema possa funcionar bem. mesmo que
disperso por diversos organismos.
- Atendendo à morosidade das
perícias, alargar as competências não terá o efeito contrário ao pretendido?
- Alargar as competências só poderá contribuir para um reforço da resposta
pericial aos tribunais, a entidades públicas e privadas e aos cidadãos. E
deixe-me sublinhar que há uma percepção pública absolutamente errada quanto aos
atrasos nas perícias. Actualmente realizamos mais de 180 mil perícias por ano e
apenas cerca de três mil demoram mais de 90 dias [padrão internacional]. A
maioria destes atrasos estão concentrados na grande Lisboa, onde são mais
significativas as carências de peritos.
- Vai optar por formar ou
contratar os novos peritos de Criminalística?
- Serão formados novos peritos e reafectos peritos do mapa de pessoal a estas
novas áreas. Mas alguns poderão transitar de outros organismos. Serão formados
pelo próprio Instituto e também por organismos com quem temos parcerias. Ainda
na semana passada assinei um acordo de colaboração com o instituto holandês de
Ciências Forenses, em Haia, já a pensar nessa possibilidade.
- Que formação de base terão?
- Não serão certamente médicos, mas sim outros profissionais: biólogos,
bioquímicos, químicos, farmacêuticos, informáticos, psicólogos e licenciados em
ciências forenses.
- E quando vai começar a
funcionar este serviço?
- Prevemos que algumas áreas possam entrar em funcionamento a médio prazo.
Gostaríamos que ainda este ano, mas tudo depende dos compromissos e
possibilidades orçamentais.
- O Instituto vai passar a ter
equipas nos locais dos crimes?
- Não está nos nossos objectivos. Mas em muitas zonas do pais (pelo menos onde
temos especialistas em número suficiente) já há peritos a participar nos exames
aos locais de crime, em colaboração com as polícias. E também no levantamento
de corpos em casos de mortes suspeitas.
- Estas novas competências,
nomeadamente a balística e a lofoscopia, não colidem com as do LPC da PJ, tendo
em conta que este já assegura essas especialidades?
- Algumas cruzam-se. Mas isso não é novidade. Ambos já partilham competências
na genética e na toxicologia forenses. Estão integrados no mesmo ministério
[Justiça], sendo que o LPC depende da Polícia Judiciária enquanto o Instituto
tem total independência (administrativa, patrimonial e financeira). Aliás, o
volume de perícias aumenta todos os anos e, por isso, todo o potencial reforço
de resposta será bem-vindo.
- Em todo o caso, não lhe
parece que está em causa uma duplicação de serviços?
- Enquanto não caminharmos para um único instituto de ciências forenses teremos
de viver com esta situação. Há que ter em conta que o LPC apenas tem
competências no âmbito da investigação criminal, enquanto o Instituto tem em
todos os domínios do Direito (penal, civil, trabalho, administrativo). Tem que
haver serviços para dar resposta a essas áreas.
- A partir de agora, os
magistrados do Ministério Público vão recorrer ao laboratório do Estado ou
poderão continuar a optar pelo LPC?
- Poderão recorrer às entidades oficiais a quem, nos termos da lei, podem
solicitar perícias médico-legais e forenses. Tanto o LPC como o Instituto
Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses estão nesse grupo.
Sónia Graça
Sol de 07-09-2012