sábado, 7 de janeiro de 2012

"Morosidade" da Justiça


António José Fialho: «Haverá razões para falar em morosidade processual quando a causa desses atrasos não repousa no tribunal?»
“Ninguém bate palmas só com uma mão.”
Esta frase ilustra bem a necessidade que os tribunais (em especial os tribunais de família e menores) têm de realizar uma avaliação interdisciplinar das situações para que são chamados, ou seja, da necessidade de convocar outros saberes para resolver questões relativas às responsabilidades parentais.
Digo isto porque, nestes poucos dias de 2012, tenho recebido diversas informações de entidades públicas e privadas que colaboram com o tribunal das quais ressalta, em poucas palavras, a incapacidade para assegurar os exames e avaliações para que foram convocados durante este ano, afirmando que apenas terão capacidade de o fazer a partir de 2013.
Dessas informações, retiro um denominador comum: a dificuldade em prestar uma resposta face aos constrangimentos financeiros que justificaram a redução de recursos materiais ou humanos.
Escusado será dizer o que isto irá representar na duração desses processos.
Haverá razões para falar em morosidade processual quando a causa desses atrasos não repousa no tribunal?
António José Fialho (Juiz de DIreito)
Correio da Manhã de 07-01-2012

Oficiais de Justiça: “Circulem para não dar mau aspecto”


Desde segunda-feira que mais de 40 oficiais de justiça estão no Palácio da Justiça, em Lisboa, sem local de trabalho. A situação começou a ser resolvida esta quinta-feira, mas ainda há funcionários que estão a trabalhar, por exemplo, numa sala de testemunhas.
Numa sala com cerca de 20 metros quadrados seis funcionários do extinto Tribunal da Primeira Instância Cível de Lisboa estavam instalados a trabalhar, enquanto aguardavam que os colegas de uma das varas extintas no Tribunal Cível de Lisboa – que agora funciona no Palácio da Justiça tentavamredistribuir cerca de 4500 processos.
Os oficiais de justiça vieram do Tribunal da Primeira Instância que funcionava na Rua Artilharia 1, em Lisboa, e dos juízos cíveis instalados na Rua Mouzinho da Silveira, também em Lisboa. Ambos os edifícios foram desocupados, mas na mudança “a Direcção Geral da Administração da Justiça (DGAJ) revelou uma total falta de organização logística”, considera o presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), Carlos Almeida. O dirigente disse ao JN que, desde que o tribunal abriu ao público no dia 4 de Janeiro, as caixas dos processos e os funcionários acumularam-se junto às secções.
Estes últimos sem saberem onde iam ser colocados, e até se ficariam naquele tribunal. Os responsáveis do Palácio da Justiça, “conforme indicações da DGAJ, pediram aos funcionários para circularem pelos corredores para não dar mau aspecto”.
Anteontem começaram a chegar as colocações dos oficiais de Justiça em faxes individuais, o que para o presidente, revela a falta de transparência nas colocações e a suspeita sobre os critérios definidos por lei, como a antiguidade e outros e “que criam a convicção de amiguismo na colocação dos diversos oficiais de justiça”.
Esta alteração nos tribunais já estava prevista, mas não coincide com o memorando assinado com a “troika” que previa, entre outras disposições, menos juizes nos tribunais cíveis. Uma das decisões tomadas foi retirar dois escrivães de cada uma das varas cíveis (fica um), o que colocou vários oficiais de justiça na situação de supranumerários.
Augusto Freitas Sousa
Jornal de Notícias de 07-01-2012

Aventais e outras obediências


Sou, por princípio democrático, avesso a qualquer tipo de organização que assenta a sua atuação no secretismo, na opacidade, na discrição, enfim, na falta de transparência. Se em ditadura a sobrevivência daqueles que se lhe opõem depende da clandestinidade e do segredo - foi assim com o PCP e outras organizações políticas na resistência ao Estado Novo, mas também com o Grande Oriente Lusitano (GOL), que, naquele tempo histórico, desempenhou um papel importante -, num regime democrático como é o nosso a cultura do segredo e do obscuro não fazem qualquer sentido, a não ser para esconder práticas socialmente condenáveis e moralmente inaceitáveis.
Em democracia, o imperativo da publicidade e o respeito pelo escrutínio público são, ou deveriam ser, linhas fundamentais da orientação de quem é titular de cargos públicos. Sobretudo num momento em que, mesmo descontados os exageros típicos de Vasco Lourenço - eminente maçom da Loja 25 de Abril -, ficamos a saber que na maçonaria, à boleia da "fraternidade", há quem "forme gangues a coberto de lojas maçónicas". Esta denúncia do general é, no mínimo, inquietante.
O que está nas bases fundadoras da maçonaria são ideais nobres - liberdade, igualdade e fraternidade. O que esta semana ficou mais uma vez à vista foi a perversão, total e completa, destes valores. Para que fique claro, recuemos ao verão de 2011 e aos factos que entretanto foram apurados. Soube-se nessa altura que um ex-dirigente dos serviços secretos, Jorge Silva Carvalho, terá, alegadamente, passado informações a uma empresa privada para a qual foi posteriormente trabalhar. Soube-se ainda que, no exercício das suas funções públicas e privadas, mantendo canais abertos nos serviços que dirigiu, terá, alegadamente, sido protagonista de outras más práticas, como, por exemplo, a violação do registo telefónico de um jornalista, o suborno de uma funcionária de uma operadora de telecomunicações ou o pedido do registo criminal do ex-marido da mulher de um atual funcionário dessa mesma empresa privada. Já esta semana, soube-se que, após uma sindicância da Assembleia da República a este caso, terão sido apagadas de uma primeira versão de relatório referências às ligações maçónicas existentes entre diversos protagonistas desta história. E soube-se finalmente que Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, pertence à mesma loja, a Mozart49, que o ex-espião e outras figuras relevantes deste caso. Do que se trata, a ser tudo isto verdade, é, como é óbvio, de obediência não ao interesse público, como é próprio das democracias, mas à irmandade a que pertencem estes cidadãos. Falar aqui de igualdade e fraternidade só mesmo entre "irmãos" e nunca enquanto valores universais.
Feita a síntese dos factos desta narrativa, importa sublinhar que à maçonaria pertencem centenas ou milhares de portugueses, de todos os quadrantes. Estão, naturalmente, no seu direito. E talvez assim se compreenda o incómodo transversal que esta discussão provoca no arco parlamentar, com maior impacto no PSD e no PS. Mas o que já não é aceitável é que, a coberto desta pertença, se movam interesses que se assemelham mais ao tráfico de influências do que à promoção da matriz fundadora destas orga-nizações. Convém também, em nome do rigor histórico, dizer que a franco-maçonaria nasce, no período iluminista por oposição aos excessos da Igreja Católica.
É pois em nome da transparência e da boa saúde do regime democrático que, à luz do que hoje estamos a assistir, é urgente fazer, sem baias, o debate sobre a obrigatoriedade de colocar nos registos de interesses dos titulares de cargos políticos a filiação a este tipo de organizações. Não por qualquer tentação voyeurista, mas porque dada a natureza secreta ou "discreta" da maçonaria esta não é escrutinável.
Dizer, a este propósito, que a confissão pública da pertença à irmandade é uma violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos é uma falácia. Não se trata de qualquer "caça às bruxas" ou de devassar ou invadir a vida privada de quem quer que seja, mas sim de garantir a salutar vigilância dos atos públicos de quem tem poder, garantindo que estes obedecem escrupulosamente ao interesse da comunidade e não a quaisquer outros, porventura ocultos. E afirmar que se trata da mesma coisa que ter de dizer se se é católico ou muçulmano é uma boutade. Que se saiba, nenhum católico se inibe, por exemplo, de se benzer em público ou nenhum muçulmano, orgulhoso do seu credo, deixa de jejuar no Ramadão ou de rezar as vezes ao dia que o Alcorão determina, com receio de ser identificado.
Trata-se pois de um imperativo democrático e de transparência da vida pública, uma vez que, é um facto, estão em causa a constituição de teias de poder e influência subterrâneas que visam a solidariedade, promoção e protecção entre "irmãos".
Como já disse acima, em democracia nenhuma obediência se pode sobrepor ao interesse público. Porque quem não deve, não teme!
NUNO SARAIVA
Diário de Notícias, 7-1-2012

Jornal Oficial da União Europeia

Data: 07.01.2012
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