quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Carta aberta à ministra da Justiça

público - L.MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS PAULO DE TARSO DOMINGUES 

05/12/2012 - 00:00
Encontra-se em discussão pública o projeto de lei que se propõe realizar uma profunda reforma na organização judiciária nacional.
Um dos objetivos centrais desta reforma diz respeito à especialização dos tribunais. Com efeito, ao nível dos tribunais de primeira instância, a medula da reorganização judiciária assenta na criação de condições para a sua especialização, com a instituição de secções especializadas nas instâncias centrais de cada comarca. Esta é, assim também o pensamos, a solução acertada e o caminho correto para a boa administração da justiça - conquanto o objetivo da especialização não se torne num boi Ápis, uma vez que, como é sabido, a especialização excessiva acarreta mais inconvenientes do que vantagens -, permitindo uma maior racionalização de recursos e, sobretudo, assim se espera, uma melhor qualidade e maior celeridade das decisões judiciais.
Acontece que este aspeto crucial da reforma é, na última proposta do Governo que veio a público, absolutamente desconsiderado, rectius, é completamente subvertido no que respeita ao Tribunal da Relação do Porto. Com efeito, propõe-se ali - sem qualquer razão ou fundamento plausível - que sejam retirados da alçada deste tribunal os distritos de Bragança e Vila Real, os quais, aliás, sempre estiveram no âmbito da sua jurisdição. E, desta forma, impossibilita-se no âmbito deste tribunal de recurso - e é porventura, nesta sede, onde ela é mais necessária - a almejada especialização, uma vez que esta implica necessariamente massa crítica, i.e., um volume suficiente de trabalho que permita e justifique tal desiderato, o que não se verificará com a proposta que está agora em cima da mesa.
Por isso, esta amputação da jurisdição do Tribunal da Relação do Porto está em total contradição com os objetivos da reforma, impedindo, na prática, aquilo que se proclama e que se pretende promover: a especialização judicial. E, importa sublinhá-lo, esta proposta traduz-se numa real ablação do próprio Tribunal da Relação a se - que não atinge apenas as suas competências -, constituindo uma agressão gratuita ao mais antigo tribunal de recurso do país, bem como a esta região e às suas gentes (mormente àquelas que deixariam de ficar sob a alçada do tribunal), que inequivocamente se reveem e aceitam a auctoritas deste vetusto tribunal, a qual se alicerça em séculos de história e que não se consegue alcançar nem conquistar por decreto.
O Tribunal da Relação do Porto é efetivamente, convém lembrá-lo, o tribunal superior mais antigo do país (data de 27 de julho de 1582). Nenhum outro tribunal nacional pode reclamar idênticos pergaminhos. Trata-se de uma instituição nacional, constituindo juntamente com a câmara municipal e a universidade uma das instituições historicamente emblemáticas e estruturantes da cidade e da região. Nas quais se tem, aqui, um justificado orgulho e apreço, só desconhecido por quem nunca respirou as névoas que sobem do Douro.
Acresce que não há razões de ordem logística ou outras que justifiquem aquele esvaziamento deste tribunal. O edifício do Palácio da Justiça dispõe de todas as condições para continuar a albergar, como até aqui, um Tribunal da Relação do Porto à altura da sua história. Aliás, a imponência e a elegância deste granítico edifício - que ficaria claramente subaproveitado com a projetada solução - contribui também para o prestígio e a dignificação da Justiça; de facto, para o fenómeno de descredibilização da Justiça que se vive terá também, estamos certos, concorrido o facto de os tribunais terem sido instalados em edifícios que não foram construídos de raiz para esse efeito e sem as condições adequadas ao exercício de tão importante função como é a de julgar.
Donde, esta proposta de ablação do Tribunal da Relação do Porto, para a qual não se divisa critério nem fundamento, a ser levada à prática, seria um profundo erro histórico, e, reitera-se, constituiria um ato gratuito de agressão àquela instituição, à cidade do Porto, bem como às regiões que ficariam de fora da jurisdição deste tribunal, traduzindo-se em um ato nu de poder.
Que não é seguramente o que se pretende e, nisso queremos acreditar, não virá a acontecer. Temos plena confiança na boa fé, no mérito e nos objetivos que inspiram esta reforma, na necessidade de coerência em que tem de assentar e nos valores que deve respeitar. Retificar um erro, corrigir trajetórias, ser firme na decisão de melhorar, não é sinal de fraqueza. É sinal de coragem e de inteligência.
É, por isso, senhora ministra da Justiça, que lhe solicitamos que reveja esta desastrada e infundada proposta relativa ao Tribunal da Relação do Porto.

Multas do Tribunal dos Direitos do Homem a Portugal ascenderam a um milhão de euros só este ano

PÚBLICO - ANA HENRIQUES
05/12/2012 - 00:00

Existem processos a correr há 12 anos. Um só advogado já se queixou de Portugal mais de 150 vezes, ganhando quase sempre

Ascendem a cerca de um milhão de euros as multas aplicadas só este ano ao Estado português pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Em causa está, entre outras violações da convenção dos direitos humanos, a morosidade da justiça portuguesa, que a tutela reafirma estar empenhada em combater. Só ontem Portugal foi condenado em mais três casos, ficando obrigado a indemnizar os queixosos num total de 17.500 euros. Em todos eles a conclusão dos juízes de Estrasburgo foi idêntica: provou-se a violação do direito de todos os cidadãos a verem a sua causa tratada num prazo razoável.

Um destes processos relaciona-se com os defeitos de construção de uma moradia, que levaram um casal de meia-idade da Maia a processar o empreiteiro responsável pela obra. "O processo demorou mais de cinco anos numa única instância judicial", recorda o advogado de ambos os casos, Jorge Alves, responsável por mais de centena e meia de queixas relacionadas com morosidade no Tribunal dos Direitos do Homem.

"O fumo da lareira ia parar ao roupeiro. Em vez de roupa, mais valia o casal ter lá um porco a defumar", descreve. O casal ganhou a acção, mas "a empresa nunca chegou a fazer as obras a que foi obrigada porque entretanto fechou", lamenta o advogado. O casal vai agora receber 4200 euros, graças ao tribunal europeu.

Um outro casal, desta vez de Matosinhos, conseguiu ao fim de uma década que os tribunais decretassem que o inquilino que haviam despejado por dívidas pagasse as rendas em falta. Mas a justiça portuguesa mandou arquivar o processo, por ter concluído ser impossível executar a acção: o inquilino deixara de ter bens para penhorar, tendo passado a morar num albergue. Aqui, o Estado português foi condenado a pagar 4300 euros.

Num terceiro caso - igualmente divulgado ontem - um processo litigioso relacionado com uma herança continua por resolver desde o ano 2000. Aqui o Estado foi condenado a pagar 9000 euros mais taxas.

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça diz estimar em um milhão de euros as multas aplicadas este ano a Portugal pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A tutela aponta o novo Código do Processo Civil, a reorganização judiciária e a revisão do Código de Insolvências como passos que tem vindo a dar para debelar os atrasos.

"Em Portugal, a justiça não funciona de maneira nenhuma", comenta Jorge Alves, acrescentando ser raro perder um processo sobre morosidade no Tribunal dos Direitos do Homem. "Ultimamente as indemnizações estipuladas têm sido mais baixas, porque está tudo falido. Mas já foram interessantes", refere.

Tribunal absolve pequeno accionista que acusou BCP de ter "enganado o povo"

 


Relação considerou legítimas críticas do investidor à espécie de bullying bancário com que terá sido assediado
Um pequeno accionista do BCP que foi para a porta das instalações do banco protestar com cartazes exibindo frases do tipo "Enganaram o povo com as suas acções p"ra levar no bolso mais uns milhões" acaba de ser absolvido do crime de ofensa a pessoa colectiva pelo Tribunal da Relação do Porto e não vai ter de pagar a indemnização que a instituição bancária reclamava.
Os bancos devem considerar "atípicas as manifestações públicas de cidadãos que, no exercício do seu direito de liberdade de expressão, divulgam situações que podem ser enquadradas num comportamento de bullying banks", justificam os juízes desembargadores.
O pequeno investidor de Fafe já tinha sido absolvido em primeira instância, mas os responsáveis do BCP decidiram recorrer. Manuel Nogueira ficou conhecido como "Senhor dos Passos", por se postar à porta de vários edifícios do BCP vestido de Cristo, carregando uma cruz. O objectivo era vingar-se do banco por lhe ter transformado a vida num "calvário".
Para os desembargadores da Relação, é legítima a "atitude crítica do cidadão comum" na denúncia daquilo que "vulgarmente se apelida debullying banks". Podem então os bancos praticar bullying? Tudo indica que sim. Fazem-no quando, através dos seus colaboradores, realizam "actos, intencionais e repetidos, com o objectivo de vender os seus produtos e serviços, colocando o consumidor numa atitude de acentuada vulnerabilidade decisória, designadamente por omitir a necessária informação para que seja tomada uma opção consciente", especifica o acórdão da Relação.
Terá sido isso o que aconteceu com Manuel Nogueira, cliente antigo do BCP que em 2000 decidiu gastar mais de 500 mil euros na compra de acções do banco, em seu nome e no de mais 27 familiares e amigos. Alegadamente aconselhado por funcionários, que lhe terão garantido a valorização das acções, pediu um empréstimo e arriscou. Ao preço de mais de cinco euros cada, as acções acabariam por cair a pique, deixando-o numa situação aflitiva.
O pequeno investidor foi um entre os muitos clientes do BCP que adquiriram acções nos aumentos de capital do banco, de 2000 a 2001, e não foi o único a reclamar. Vários outros encenaram ruidosos protestos, interpuseram processos em tribunal e apresentaram queixas à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), acusando o banco de os ter levado a comprar os títulos. Mas Manuel foi seguramente o cliente que deu mais nas vistas. Em 2009, surgiu na entrada do edifício da Alfândega do Porto, onde se realizava uma assembleia de accionistas, de roupas roxas, carregando uma imponente cruz. No ano seguinte, voltou. Ameaçava então: "Não tenho medo. Daqui a 20 anos, estarei cá com a mesma vitalidade."
Em Novembro desse ano cumpriu a promessa e voltou, desta vez para a porta das instalações do banco, no Porto, onde ficou posicionado horas a fio, durante dois dias, munido de um banco, de uma cruz de madeira e vários cartazes. "Fui enganado! Não posso ficar calado!", proclamava. Apesar de considerarem que a linguagem usada é "dura e abstractamente insultuosa", os desembargadores da Relação defendem que não ficou provado serem falsos os factos e as afirmações contidas nos cartazes. Quando as acções do BCP começaram a subir, Manuel Nogueira ainda tentou vendê-las, "no que foi impedido pelos funcionários que lhe garantiram que iam subir", lembram, notando que a "agressividade da campanha" levou este e outros clientes a sentirem-se enganados.

“O Tribunal Constitucional é um actor político”

Direito

ECONÓMICO - Rui Pedro Baptista   
05/12/12 00:05
André Salgado Matos defende que o modelo de Estado que hoje temos não é sustentável.
A relação entre o direito e a política e os poderes do Tribunal Constitucional são os temas fortes desta edição do "Direito a Falar". Uma conversa com André Salgado Matos, advogado e professor universitário.
A actual Constituição da República Portuguesa não está desadequada face à realidade económica e social, não só em Portugal, mas também na Europa? 
Parece-me mais ou menos evidente que o modelo de Estado que nós temos não pode continuar tal como existe. Repare: o Estado Social surge num contexto de expansão económica, sem dificuldades de acesso ao crédito. E de facto é possível ter muito, durante muito tempo... 
... o que hoje é difícil de garantir.
Como se responde, juridicamente, a quem fala de direitos adquiridos?
Essa questão dos direitos garantidos é muito importante. O retrocesso dos direitos sociais, em direito, apenas se colocava em termos teóricos...
... já não é assim.
Pois não. A grande questão hoje é saber se os direitos sociais podem ser considerados adquiridos. Hoje percebe-se que essa questão, em tempos considerada lírica, hoje pode ser uma realidade.