domingo, 3 de junho de 2012

Marinho Pinto gostava de ser provedor de Justiça

"Acho que é um cargo que tem a ver comigo, porque sempre fui uma pessoa comprometida com os Direitos Humanos", disse ao Expresso Marinho Pinto.
O bastonário da Ordem dos Advogados ainda não sabe o que vai fazer quando, daqui a cerca de ano e meio, terminar o segundo mandato. No entanto, Marinho Pinto tem uma ideia do cargo que gostava de ter: provedor de Justiça.
"Acho que é um cargo que tem a ver comigo, porque sempre fui uma pessoa comprometida com os Direitos Humanos", disse ao Expresso. Mas o bastonário não acalenta muita esperança: "dou-me muito mal com os poderes, sempre fui contrapoder".
Marinho Pinto, que não gosta de política por ter sido "abandalhada" nas últimas três décadas, revela que recebe de norte a sul do país pedidos de pessoas que o querem ver como deputado.
"Grande parte da atividade política dos últimos anos foi feita sobre crimes, como o nepotismo, o tráfico de influências e o desvio de dinheiros públicos", acusa. Quanto ao seu futuro apenas há a certeza de que os primeiros três meses, assim que terminar o mandato, serão para hibernar, depois "logo se vê"
António Pedro Ferreira
Expresso de 03-06-2012

Comissão de luxo na função pública

A equipa que vai liderar a escolha de dirigentes da administração pública receberá 25.345 euros por mês.O presidente da Comissão de Recrutamento e Selecção da Administração Pública (CRSAP) é João Bilhim.
O presidente da Comissão de Recrutamento e Selecção da Administração Pública (CRSAP), João Bilhim, tem direito a receber o mesmo que o primeiro-ministro porque é equiparado a gestor público de empresa de grupo A, de acordo com o regime remuneratório publicado recentemente em Diário da República. Isto significa que tem um salário base de 4.892 euros a que acrescem despesas de representação de 1.957 euros. Os três vogais permanentes da comissão recebem 90% deste salário. Todos os membros da direcção têm ainda direito a viatura de serviço a despesas pagas de telecomunicações.
Actualmente, a comissão tem apenas três vogais permanentes, mas de acordo com a lei pode ter até cinco vogais. Numa recente entrevista ao Diário Económico, João Bilhim revelou que irá ter ainda 11 vogais não-permanentes e uma bolsa de 44 peritos. A portaria publicada não fixa, contudo, o salário dos restantes membros da comissão.
A CRSAP recentemente empossada vai servir de júri para todos os concursos públicos que passarão a existir, na função pública, para o preenchimento de cargos de direcção superior. Para cada cargo, a comissão escolherá três nomes que serão apresentados à tutela, que fará a escolha final.
Helena Pereira
Sol de 03-06-2012

Sentir o Direito: Levantando o segredo

Em que condições pode alguém ser obrigado a prestar depoimento sobre factos incluídos no âmbito do segredo profissional? Em geral, a violação deste segredo é punível com prisão até um ano. Porém, um tribunal (em regra, uma Relação) pode determinar o seu levantamento quando considerar preponderante o interesse que é satisfeito pela revelação dos factos.
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
O tribunal tem de confrontar os interesses acautelados pelo segredo com os interesses realizados através do depoimento, tendo em conta, nomeadamente, a sua imprescindibilidade para a descoberta da verdade, a gravidade do crime investigado e a necessidade de proteger os bens jurídicos. Antes de decidir, ouve o organismo representativo da profissão.
Perante o segredo religioso, não procede esta ponderação. Atendendo ao valor constitucional da liberdade religiosa, em caso algum pode um ministro religioso ser obrigado a depor, por exemplo, sobre factos de que se inteirou em confissão. No entanto, o ministro religioso pode decidir depor, violando apenas, porventura, os seus deveres morais e religiosos.
Sendo invocado o segredo de Estado, a lei prevê a confirmação, no prazo de 30 dias, pelo Ministro da Justiça. No caso dos Serviços de Informações, há lei especial que determina que é ao Primeiro-Ministro que compete confirmar o segredo de Estado. Não havendo confirmação, a testemunha que invoca o segredo é obrigada a depor, sob pena de desobediência.
Tratando-se de arguido, coloca-se outra questão. O arguido beneficia do direito ao silêncio e não pode ser obrigado a depor. Para ele, a não confirmação apenas terá a virtualidade de afastar o crime de violação de segredo de Estado, que, de todo o modo, requer sempre um perigo para a independência, unidade, integridade ou segurança interna ou externa do Estado.
A questão mais complexa que se coloca, no caso do segredo de Estado, é saber se o poder executivo tem mesmo a última palavra e os tribunais nunca podem exigir o seu levantamento quando uma testemunha o invoque e ele seja confirmado nos termos referidos. Será um tal regime compatível com a separação de poderes e a reserva da função jurisdicional?
A decisão sobre se a segurança se sobrepõe aos direitos do arguido ou de terceiros tem em conta uma avaliação política mas é, em última análise, uma questão de justiça. E no caso de alguém decidir violar o segredo de Estado invocando um interesse prevalecente, os tribunais terão sempre margem para avaliar a existência de uma causa de justificação.

A prisão

Marcos Ana
Há pessoas que parecem não pertencer ao mundo e ao tempo em que vivem. Marcos Ana é uma dessas pessoas. Como tantos da sua geração, arrastados às prisões do fascismo espanhol, sofreu o indizível no corpo e no espírito, escapou in extremis a duas condenações à morte, é, em todo o sentido, um sobrevivente. A prisão não pôde nada contra ele, e foram 23 os anos que esteve privado de liberdade. O livro que acabou de apresentar em Portugal é o relato simultaneamente objectivo e apaixonado desse tempo negro. O título das memórias, Diz-me Como É Uma Árvore, não poderia ser mais significativo. Com o tempo, a dura realidade da prisão acaba por sobrepor-se à realidade exterior, diluindo-a numa imprecisa neblina que é preciso expulsar da mente em cada dia que passa para não se perder a segurança em si mesmo, por mais frágil que se torne. Marcos Ana não só se salvou a si mesmo, salvou também a muitos dos seus companheiros de cárcere, incutindo-lhes ânimo, solucionando problemas e conflitos, como um juiz de paz de nova espécie. Firme nas suas convicções políticas, mas sem permitir que o seu juízo crítico seja afectado, Marcos Ana transmite a quem quer que se aproxime dele um irreprimível sentimento de esperança, como se pensássemos: «Se ele é assim, eu também o posso ser». Recuperada a liberdade, não ficou em casa a descansar. Voltou à luta política, com risco de ser novamente encarcerado, e deu início a um notável trabalho de assistência e ajuda àqueles que continuavam na prisão. Em Espanha, uns quantos amigos e admiradores da sua invulgar personalidade (o prémio Nobel Wola Soyinka é um deles) apresentámo-lo como candidato ao Prémio Príncipe de Astúrias da Concórdia. Nada seria mais justo. E mais necessário para mostrar ao povo espanhol que a memória histórica continua viva.
José Saramago, O CADERNO

Corrupção sem julgamento

31 Maio 2012 | 23:33
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt
Investigar PPP é incendiar enxofre: o ar torna-se náusea. Falemos de novo de Paulo Campos. Mas falemos, antes, de Alberto Pinto Nogueira. E da entrevista do procurador-geral distrital do Porto, hoje, no Negócios. É uma entrevista absolutamente estarrecedora sobre a corrupção e sobre a justiça. Não é, infelizmente, uma entrevista demolidora - este poder alapado não se demole.
Comecemos onde isto tudo acaba: na impunidade. É disso que fala Pinto Nogueira. Da falta de meios nos órgãos de polícia criminal. Mas também da falta de preparação - e de empenho. Na sua própria casa, o Ministério Público. E dos magistrados que se intimidam. Onde mora a corrupção? Em todo o lado. "Sobretudo nos grandes negócios do Estado e empresas públicas". É preciso dizer mais?
É, é preciso dizer mais. Pinto Nogueira tem uma vida inteira na profissão. Pelas suas mãos passaram-lhe dezenas de processos de corrupção. Vários arguidos foram condenados. Quantos estão presos? Poucos. Mas há esta resposta lacónica: há ex-autarcas condenados, não há autarcas; há ex-governantes condenados, não há governantes. "Sempre ex", ironiza. "O poder persegue e odeia os homens livres, mas favorece, protege e promove os medíocres e os bajuladores".
Num país que elege autarcas condenados, a palavra "ilegal" não incomoda muitas almas. "Escândalo" é infelizmente mais eloquente. Talvez por isso agentes da justiça acabem por gritar reformados o que escreveram durante a sua vida activa. As letras das sentenças foram sendo arquivadas. As palavras nos jornais sempre ecoam. Talvez por isso um procurador distrital, perto de deixar de o ser, assim denuncie a corrupção. Talvez por isso Carlos Moreno, agora jubilado do Tribunal de Contas, diga tantas vezes na praça pública o que ninguém ouvia nas sentenças. Vamos às PPP.
O Tribunal de Contas denunciou anexos a contratos de PPP que aumentam os encargos dos contribuintes, a favor de concessionárias e dos bancos, se determinadas contingências se verificarem no futuro. Ou seja, se o euro acabar, se a Grécia produzir contágio, se a economia for para o galheiro, se os juros dispararem, se estas "contingências" agravarem as condições dos contratos.
Paulo Campos deixou um rasto de polémicas quando foi secretário de Estado. A concessão da Estradas de Portugal. As inaugurações milionárias de estradas em que ninguém percebia para onde ia o dinheiro. O aeroporto de Beja. A Fundação para as Comunicações, o Magalhães. E as concessões em si mesmas, demasiadas para o que a economia podia e as finanças permitiam. Isso foi dito e escrito milhões de vezes. Não em 2012, mas em 2007. Mas hoje escrevemos sobre o caso concreto. Não é política, é justiça.
Contextualizemos. Até porque a revelação foi menos revelação do que parece: o Negócios escreveu lençóis sobre a história, que começa simples.
As concessões de estradas carecem de visto prévio do Tribunal de Contas, ou não podem ser adjudicadas. Com a crise financeira, os custos de financiamento dispararam. E o Tribunal de Contas começou a recusar esse visto porque, por causa do aumento das taxas de juro, a proposta final das concessões era mais cara do que a proposta inicial, o que violava o caderno de encargos. Criou-se um problema político. O impasse foi resolvido à portuguesa, uma espécie de desorçamentação. Os contratos voltaram aos preços iniciais e fizeram-se adendas para condições contingenciais, que não careciam de visto. Nem foram sequer vistas. Segundo o regulador das estradas, o InIR, Paulo Campos deu ordem para essa ocultação. O ex-governante nega. Mas já agora: aqui o Negócios, que teve mais desmentidos de Paulo Campos do que nenúfares há no Japão, noticiou na altura a existência desses anexos. O Tribunal de Contas podia ter pedido para vê-los. Pediu? Se não pediu, devia ter pedido. Se pediu, não recebeu. Recebemos nós a conta: mais 705 milhões de euros.
Vamos assumir a presunção do costume. Que ninguém andou a meter dinheiro ao bolso com isto. Que toda esta loucura resulta da alucinação visível no último Governo de fazer, construir, adjudicar, inaugurar, concretizar, de fazer tudo, a qualquer custo, a qualquer preço, para agradar aos autarcas, aos eleitores, aos utilizadores, até aos ministros das Finanças que queriam mais receitas na Estradas de Portugal para tirá-la do perímetro do Orçamento do Estado. Nesse caso, as concessões foram apenas negociadas com precipitação e prejuízo futuro. Mas também a introdução de portagens nas SCUT, que obrigaram um Estado em má situação negocial dar contrapartidas a privados. Renegociando equilíbrios financeiros por exemplo na concessão do Norte Litoral. Ou, no afã de introduzir portagens na Costa da Prata e no Grande Porto, de ceder à Mota-Engil uma renda fixa do Estado.
Esta presunção tem de ser mais do que o costume. Tem de ser validada. O Tribunal de Contas não é uma comissão de acompanhamento, é um tribunal. Repito: um tribunal. Como o Ministério Público, que está a investigar as PPP, é um órgão de justiça. E os crimes que está a investigar não são leves, são medonhos: corrupção, tráfico de influências, administração danosa, e participação económica em negócios. Como a Comissão de Inquérito às PPP, que está a decorrer. A corda que está ao pescoço do PS é mais grossa do que a que faz um colar ao PSD, mas esta Comissão tem a obrigação de, se encontrar indícios, acusar alguém formalmente junto do Ministério Público. Em democracia, as políticas erradas são julgadas nas urnas, mas as políticas danosas têm outro tribunal.
Paulo Campos pode considerar-se inocente. Mas não pode ignorar que está a ser julgado. Ou sai disto culpado ou sai disto inocente. Se não, o suspeito é outro: o Estado que não investiga nem pune. Aquele de que fala Alberto Pinto Nogueira: "A criminalidade aperfeiçoa-se, o Estado minimiza-se".