31 Maio 2012 | 23:33
Investigar
PPP é incendiar enxofre: o ar torna-se náusea. Falemos de novo de Paulo Campos. Mas falemos, antes, de Alberto Pinto
Nogueira. E da entrevista do procurador-geral distrital do Porto, hoje, no
Negócios. É uma entrevista absolutamente estarrecedora sobre a corrupção e
sobre a justiça. Não é, infelizmente, uma entrevista demolidora - este poder
alapado não se demole.
Comecemos
onde isto tudo acaba: na impunidade. É disso que fala Pinto Nogueira. Da falta
de meios nos órgãos de polícia criminal. Mas também da falta de preparação - e
de empenho. Na sua própria casa, o Ministério Público.
E dos magistrados que se intimidam. Onde mora a corrupção? Em todo o lado.
"Sobretudo nos grandes negócios do Estado e empresas públicas". É
preciso dizer mais?
É, é preciso
dizer mais. Pinto Nogueira tem uma vida inteira na profissão. Pelas suas mãos
passaram-lhe dezenas de processos de corrupção. Vários arguidos foram
condenados. Quantos estão presos? Poucos. Mas há esta resposta lacónica: há
ex-autarcas condenados, não há autarcas; há ex-governantes condenados, não há
governantes. "Sempre ex", ironiza. "O poder persegue e odeia os
homens livres, mas favorece, protege e promove os medíocres e os
bajuladores".
Num país que
elege autarcas condenados, a palavra "ilegal" não incomoda muitas
almas. "Escândalo" é infelizmente mais eloquente. Talvez por isso
agentes da justiça acabem por gritar reformados o que escreveram durante a sua
vida activa. As letras das sentenças foram sendo arquivadas. As palavras nos
jornais sempre ecoam. Talvez por isso um procurador distrital, perto de deixar
de o ser, assim denuncie a corrupção. Talvez por isso Carlos
Moreno, agora jubilado do Tribunal de Contas, diga tantas vezes na praça
pública o que ninguém ouvia nas sentenças. Vamos às PPP.
O Tribunal
de Contas denunciou anexos a contratos de PPP que aumentam os encargos dos
contribuintes, a favor de concessionárias e dos bancos, se determinadas
contingências se verificarem no futuro. Ou seja, se o euro acabar, se a Grécia
produzir contágio, se a economia for para o galheiro, se os juros dispararem,
se estas "contingências" agravarem as condições dos contratos.
Paulo Campos
deixou um rasto de polémicas quando foi secretário de Estado. A concessão da Estradas de
Portugal. As inaugurações milionárias de estradas em que ninguém
percebia para onde ia o dinheiro. O aeroporto de Beja. A Fundação para as
Comunicações, o Magalhães. E as concessões em si mesmas, demasiadas para o que
a economia podia e as finanças permitiam. Isso foi dito e escrito milhões de
vezes. Não em 2012, mas em 2007. Mas hoje escrevemos sobre o caso concreto. Não
é política, é justiça.
Contextualizemos.
Até porque a revelação foi menos revelação do que parece: o Negócios escreveu
lençóis sobre a história, que começa simples.
As
concessões de estradas carecem de visto prévio do Tribunal de Contas, ou não
podem ser adjudicadas. Com a crise financeira,
os custos de financiamento dispararam. E o Tribunal de Contas começou a recusar
esse visto porque, por causa do aumento das taxas de juro, a proposta final das
concessões era mais cara do que a proposta inicial, o que violava o caderno de
encargos. Criou-se um problema político. O impasse foi resolvido à portuguesa,
uma espécie de desorçamentação. Os contratos voltaram aos preços iniciais e
fizeram-se adendas para condições contingenciais, que não careciam de visto.
Nem foram sequer vistas. Segundo o regulador das estradas, o InIR, Paulo Campos
deu ordem para essa ocultação. O ex-governante nega. Mas já agora: aqui o
Negócios, que teve mais desmentidos de Paulo Campos do que nenúfares há no
Japão, noticiou na altura a existência desses anexos. O Tribunal de Contas
podia ter pedido para vê-los. Pediu? Se não pediu, devia ter pedido. Se pediu,
não recebeu. Recebemos nós a conta: mais 705 milhões de euros.
Vamos
assumir a presunção do costume. Que ninguém andou a meter dinheiro ao bolso com
isto. Que toda esta loucura resulta da alucinação visível no último Governo de
fazer, construir, adjudicar, inaugurar, concretizar, de fazer tudo, a qualquer
custo, a qualquer preço, para agradar aos autarcas, aos eleitores, aos
utilizadores, até aos ministros das Finanças que queriam mais receitas na
Estradas de Portugal para tirá-la do perímetro do Orçamento do Estado. Nesse
caso, as concessões foram apenas negociadas com precipitação e prejuízo futuro.
Mas também a introdução de portagens nas SCUT,
que obrigaram um Estado em má situação negocial dar contrapartidas a privados.
Renegociando equilíbrios financeiros por exemplo na concessão do Norte Litoral.
Ou, no afã de introduzir portagens na Costa da Prata e no Grande Porto, de
ceder à Mota-Engil uma renda fixa do Estado.
Esta
presunção tem de ser mais do que o costume. Tem de ser validada. O Tribunal de
Contas não é uma comissão de acompanhamento, é um tribunal. Repito: um
tribunal. Como o Ministério Público, que está a investigar as PPP, é um órgão
de justiça. E os crimes que está a investigar não são leves, são medonhos:
corrupção, tráfico de influências, administração danosa, e participação
económica em negócios. Como a Comissão de Inquérito às PPP, que está a
decorrer. A corda que está ao pescoço do PS é mais grossa do que a que faz um
colar ao PSD, mas esta Comissão tem a obrigação de, se encontrar indícios,
acusar alguém formalmente junto do Ministério Público. Em democracia, as
políticas erradas são julgadas nas urnas, mas as políticas danosas têm outro
tribunal.
Paulo Campos
pode considerar-se inocente. Mas não pode ignorar que está a ser julgado. Ou
sai disto culpado ou sai disto inocente. Se não, o suspeito é outro: o Estado
que não investiga nem pune. Aquele de que fala Alberto Pinto Nogueira: "A
criminalidade aperfeiçoa-se, o Estado minimiza-se".