Os
homicidas apanhados em flagrante delito vão poder ser apresentados a julgamento
em apenas 48 horas em processo sumário. Esta é uma das principais alterações do
projecto final do novo Código de Processo Penal, que já está concluído e ao
qual o CM teve acesso.
"A
possibilidade de submeter os arguidos a julgamento imediato em caso de
flagrante delito possibilita uma justiça célere que contribui para o sentimento
de justiça e para o apaziguamento social", lê-se na exposição de motivos
do projecto, que alarga os processos sumários aos cimes puníveis com penas
superiores a cinco anos de prisão, incluindo, também assim, os roubos em
flagrante delito. Trata-se de uma das medidas mais polémicas dos novos códigos
e está a dividir as magistraturas.
"Não
existem razões válidas para que o processo não possa seguir a forma sumária
relativamente a quase todos os arguidos detidos em flagrante delito"
defende a proposta do Ministério da Justiça, liderado por Paula Teixeira da
Cruz, que, com esta medida, permite que um um crime grave julgado em tribunal
singular de forma mais célere, o que terá como consequência que um único juiz
possa decidir uma pena máxima, de 25 anos de prisão. Fora dos julgamentos
sumários fica a criminalidade altamente organizada.
Por
estarem em causa crimes graves, que quase sempre obrigam a perícias, e para que
o arguido tenha tempo de apresentar a sua defesa, a lei prevê, porém, prazos
mais alargados para a apresentação do arguido a tribunal e para a conclusão do
julgamento. Assim, o julgamento pode ter início até 20 dias após a detenção e o
prazo para a sua conclusão eleva-se de 90 para 120 dias.
ROUBO
DE COBRE
O aumento significativo dos roubos de cobre está na origem da alteração do
artigo 204 do Código Penal. De acordo com a nova Lei, nos casos em que o furto
causa qualquer perturbação no fornecimento de bens essenciais – como acontece
com o cobre ocrime passa de semipúblico a público e a pena máxima passa de três
para cinco anos de prisão.
ÁLCOOL
AO VOLANTE
É uma medida que vai contra o que foi decidido pelo PGR numa circular
recentemente publicada. De acordo com a nova Lei, deixa de ser possível a
suspensão do processo nos crimes de condução de veículo sob o efeito de álcool.
Isto significa que um condutor apanhado com uma taxa de álcool superior a 1,2 g/l
terá obrigatoriamente de ser presente a tribunal e julgado.
SUPREMO
– MENOS RECURSOS
A possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça é restringida: só é
possível em casos de condenações em penas superiores a cinco anos de prisão
-
CONDENAÇÃO
Para evitar que através de recursos atrás de recursos um arguido consiga
alcançar a prescrição, a contagem do prazo é suspensa após condenação em
primeira instância
ARGUIDOS
– DECLARAÇÕES
Uma das medidas mais emblemáticas desta reforma é a validação em julgamento das
declarações prestadas pelos arguidos nas fases de inquérito e instrução
APONTAMENTOS
REFORMA
PENAL DE 2007
O Código Penal e o Código de Processo Penal foram revistos, pela última vez, em
2007, era Alberto Costa ministro da Justiça.
PRISÃO
PREVENTIVA
A prisão preventiva não sofre qualquer alteração: continua a poder ser aplicada
apenas em crimes com penas superiores a cinco anos de prisão.
SUSPENSÃO
DA PENA
O limite máximo para a possibilidade de suspender a pena também se mantém:
cinco anos de prisão.
PEQUENOS
FURTOS OBRIGAM A QUEIXA PARTICULAR
Os furtos de valor diminuto em estabelecimentos comerciais com produtos
expostos ao público passam a crimes particulares – dependem de queixa – nos
casos em que existe recuperação do objecto furtado ou reparação integral do
prejuízo causado. Salvaguardam-se, porém, os casos em que o furto é cometido
por duas ou mais pessoas.
PRINCIPAIS MUDANÇAS
CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL
Declarações prestadas pelo arguido perante autoridade judiciária em inquérito
ou instrução quedevem ser gravadas em registo áudio e visual – são válidas em
julgamento.
Juiz de instrução pode aplicar medida de coacção diferente da requerida pelo
Ministério Público se houver perigo de fuga ou de continuação da actividade
criminosa.
Processos sumários passam a admitir crimes puníveis com pena superior a cinco
anos de prisão.
Obrigatoriedade de o arguido responder sobre os seus antecedentes criminais é
eliminada em todas as fases do processo.
A suspensão provisória do processo deixa de ser aplicável nos processos-crime
de condução sob o efeito de álcool.
Passam a ser irrecorríveis para o Supremo os acórdãos de segunda instância que
apliquem pena de multa ou inferior a cinco anos de prisão.
CÓDIGO
PENAL
O prazo de contagem da prescrição é suspenso após uma condenação em primeira
instância.
Crimes de furto de valor diminuto em estabelecimentos comerciais com produtos
expostos passam a crime particular – obrigam à apresentação de queixa e à
constituição de assistente – sempre que houver recuperação do objecto furtado.
Um ano de prisão passa a ser o limite mínimo da pena do crime de coação sobre
funcionário.
Crime de falsas declarações prestadas perante autoridade pública ou funcionário
público, que se destinem a produzir efeitos jurídicos, passam a constituir
ilícito criminal.
Pena acessória de inibição de conduzir passa a poder ser aplicada nos crimes de
homicídio ou de ofensas corporais no exercício da condução.
Furto qualificado com consequências no fornecimento de bens essenciais passa de
semipúblico a público e a pena máxima é elevada de três para cinco anos de
prisão.
DISCURSO DIRECTO
"Alteração é positiva"
Rui Cardoso, presidente do Sindicato do Ministério Público, alerta para
necessidade de mudanças nos tempos dos relatórios das autópsias
CM – É possível levar a julgamento, em apenas 48 horas, um homicida
apanhado em flagrante delito?
Rui Cardoso – Actualmente não. Um homicídio implica sempre autópsia e,
actualmente, não é possível ter o relatório da autópsia, nem em 48 horas nem em
20 dias. Mas isso não significa que os prazos não venham a mudar. Após a
reforma penal de 2007 houve uma mudança no Laboratório de Polícia Científica
(LPC) da PJ e no Instituto de Medicina Legal (INML), que fizeram um esforço
para permitir também a realização de mais processos sumários.
- Então acha que esta medida não será posta em prática?
- Hoje, não seria possível. Para ser viável para este tipos de processos terá
de haver uma adaptação do LPC e do INML.
- O que se pode ganhar com esta mudança nos processos?
- Penso que, estatisticamente, esta medida, na prática, será mais aplicável a
casos de roubos ou a furto qualificado. Acho que a alteração é positiva e
aplicar-se-á a um conjunto de crimes que têm expressão, nesta altura, na
sociedade portuguesa, como os roubos ou os furtos a residências. Se as coisas
passarem a acontecer assim, as pessoas verão a Justiça a actuar de forma mais
célere. Não há motivo para esperar dois anos para julgar alguém que foi detido
no momento em que cometia o crime.
- É aceitável que este tipo de crimes seja julgado em tribunal singular,
ou seja, por um único juiz?
- Não há motivo para não permitir que seja um juiz singular a aplicar uma pena
que possa ir até 25 anos de cadeia. A decisão final quanto à pena cabe sempre
ao tribunal superior porque há sempre recurso. Não há que temer isso.
"Justiça não é feita a quente"
A
Associação Sindical dos Juizes Portugueses manifesta algumas reservas em
relação à inclusão dos crimes com penas superiores a cinco anos de prisão nos
processos sumários, alegando que "a Justiça nunca pode ser feita a quente,
sobretudo nos crimes graves". No entanto, Mouraz Lopes, presidente da
Associação, sublinha que a reforma penal em curso é "importantíssima"
e destaca a alteração relativa às declarações dos arguidos. "A reforma tem
muitas virtualidades" diz o juiz.
Ana Luísa Nascimento
Correio da Manhã de 11-06-2012