Paulo Gaião
A Candidinha
voltou a fazer das suas. Disse que em Portugal “os políticos não são
corruptos.” O problema é que há muitos operadores na Justiça a dizer que os
políticos corruptos não são apanhados nem condenados em Portugal por causa da
confusão que existe no Departamento Central e de Investigação e Acção Penal, o
órgão do Ministério Público que a procuradora geral adjunta Cândida Almeida
dirige desde 2001, especializado no combate à criminalidade mais complexa e
precisamente à corrupção. Em Julho passado, os juízes do Tribunal do Barreiro
que julgaram o caso Freeport em relação a Charles Smith e Manuel Pedro
mandaram extrair uma certidão para que o DCIAP voltasse a investigar o caso no
que se refere a José Sócrates e outros políticos envolvidos. Na verdade,
passaram um atestado de incompetência ao DCIAP de Cândida Almeida. Esta ficou
muito revoltada com a decisão do colectivo do Barreiro mas não teve outro
remédio senão voltar a pegar no caso. Os juízes do Barreiro lá saberão porque
tomaram esta decisão. Conhecerão certamente, entre outros factos, que os
procuradores encarregados do Freeport, Vitor Magalhães e Paes de Faria queriam
acusar Sócrates e revelaram numa reunião em Haia, na Holanda, com as
autoridades inglesas ter “falta de confiança na hierarquia” do Ministério
Público, ou seja, na directora do DCIAP Cândida Almeida, tal como noticiou o
Diário de Notícias em 2010. Os juízes do Barreiro também
saberão o que foi publicado na comunicação social sobre um alegado entendimento
entre Cândida Almeida e os procuradores Vitor Magalhães e Paes de Faria
para que não tendo Sócrates sido envolvido no Feeport pelo menos fizessem parte
do processo 27 perguntas que nunca foram… respondidas pelo então
primeiro-ministro. O que ilustra bem o carácter esquizofrénico do processo. O
penalista Germano Marques da Silva chamou-lhe “uma grande trapalhada”,
considerando “desastrosa” a forma como o caso foi conduzido.
Em Setembro de 2010, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, então
dirigido por João Palma, aprovou uma moção por unanimidade em que pedia
ao PGR Pinto Monteiro “uma rigorosa avaliação da direcção, organização,
funcionamento e desempenho” do DCIAP. Na mesma moção os sindicalistas
exprimiram preocupações sobre a “manutenção do critério da confiança pessoal”
no recrutamento para dirigir o DIAP, situação “susceptível de condicionar a
actuação” dos restantes procuradores do departamento. Foi uma alusão do
SMMP ao facto de Cândida Almeida exercer o cargo desde 2011, primeiro nomeada
por Souto Moura e depois confirmada no cargo por Pinto Monteiro. A última vez
em Janeiro de 2010, para uma comissão de mais três anos. Refira-se que o actual
PGR é amigo de longa data de Cândida de Almeida, tendo ambos trabalhado no
Tribunal de Grândola, a seguir ao 25 de Abril. Foi Pinto Monteiro, como conta a
directora do DIAP, quem lhe apresentou o futuro marido Rodrigues
Maximiano. Em 2008, o ex- director nacional da Polícia
Judiciária (PJ), Alípio Ribeiro lançou mais uma bomba contra a directora do
DCIAP . Considerou urgente “uma nova dinâmica” no órgão para que sejam
“alcançadas respostas adequadas e socialmente perceptíveis”. Acrescentou que há
uma realidade “para a qual não há resposta [do MP], talvez não tanto pela falta
de meios, mas pela falta de propósitos”.
DCIAP a 35 graus
Celsius
Curiosamente, a
própria Cãndida Almeida por várias vezes se queixou das leis garantísticas em
vigor e de dificuldades várias no funcionamento do próprio DCIAP. O que torna
ainda mais anedóticas as suas palavras de que “os políticos não são corruptos”.
Como o pode saber perante a existência de factores que admite dificultarem o
combate à corrupção? Em Fevereiro de 2010, na Comissão Parlamentar para o
Acompanhamento da Corrupção, Cândida Almeida queixou-se da falta de meios no
DCIAP, o que terá contribuído para o baixo número de condenações por corrupção
nos últimos dez anos, apenas 19, uma média de duas por ano. Disse ainda que
apenas tinha a trabalhar no DCIAP 12 magistrados, nove elementos de órgãos de
polícia criminal e 12 funcionários, número que considerou insuficiente ,
realçando que o problema “é a falta de dinheiro”. Adiantou que os membros do
DCIAP “quase não têm tempo de ir a casa”, que “trabalham dia e noite”,
que “praticamente não têm fins-de-semana” e que as condições de trabalho
“também não são as melhores” porque as instalações são más e a temperatura está
sempre oentre os 30 e os 35 graus” Na mesma Comissão Parlamentar, Cândida
Almeida disse que existem problemas “na área do combate à corrupção e com
pessoas concretas” que “levam a mal que os magistrados peçam mais elementos de
investigação.” A directora do DCIAP referia-se à unidade de corrupção da PJ. O
presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal,
Carlos Anjos, respondeu-lhe que era mais uma tentativa sua para empurrar para
terceiros “os inêxitos e a ineficácia” do próprio DCIAP. Em Dezembro de 2011,
numa conferência do Ministério Público sobre o Combate à Corrupção, Cândida
Almeida criticou o “excesso de garantias” de que dispõem os arguidos, os
“poderes infindáveis” de que beneficiam os acusados… de crimes de corrupção e
defendeu alterações da lei para combater o crime organizado. “Deveria haver
alterações cirúrgicas de adaptação à vida moderna e ao crime organizado, que é
cada vez mais evidente e que toma conta do poder de decisão”, disse ainda na
mesma conferência. Não há dúvidas que a Candidinha voltou a fazer das suas mas
desta vez ultrapassou todas as marcas. Um dia que se faça a história exaustiva
do DCIAP e do seu trabalho nos últimos dez anos, vamos por as mãos na cabeça e
perguntar como foi possível? Se não podemos contar com o Ministério Público, o
que nos resta?
Expresso (on line)
2012-09-03