Alguns sindicatos
da função pública estão a ponderar avançar com acções judiciais para reclamarem
o pagamento ainda este ano do subsídio de Natal, numa tentativa de contornar o
acórdão do Tribunal Constitucional (TC). Os gabinetes jurídicos dos sindicatos
estão a analisar a viabilidade das acções, que deverão dar entrada nos
tribunais durante o mês de Setembro.
A 5 de Julho, o TC
declarou inconstitucional a suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos
funcionários públicos e dos pensionistas, mas entendeu que essa decisão não se
aplicaria em 2012, mas a partir de 2013, uma decisão inédita que surpreendeu
tudo e todos. Porém, a doutrina dominante em Portugal entende que essa
limitação dos efeitos do acórdão não pode ocorrer quando os tribunais e o
próprio TC são confrontados com um caso em concreto.
Rui Medeiros,
advogado e professor da Universidade Católica, foi quem alertou para esta
possibilidade, numa entrevista ao Jornal de Negócios há algumas semanas. Agora,
em declarações ao PÚBLICO explica que a questão tem sido meramente teórica e
doutrinária, porque o TC nunca tinha remetido os efeitos de uma decisão para o
futuro. "Esta é a primeira vez que se suscita esta questão. Mas a posição
dominante entre os constitucionalistas é que esta limitação de efeitos pode
acontecer no âmbito da fiscalização abstracta, mas não quando se está perante
um caso em concreto", realça. E concretiza: "Uma coisa é a fiscalização
abstracta, que foi pedida por um grupo de deputados, outra coisa é um
funcionário do Estado propor uma acção judicial, a pedir que lhe reconheçam o
direito ao subsídio de Natal. Aqui já estamos perante uma situação
concreta". Ou seja, mesmo que na fiscalização abstracta o TC tenha
remetido os efeitos da inconstitucionalidade para 2013, se lhe for pedida a
fiscalização de um caso concreto, a decisão pode ser diferente, e os efeitos
podem aplicar-se já este ano.
Embora não defenda
que isso deva acontecer, Rui Medeiros alerta que existe um risco que deve ser
tido em conta.
O
constitucionalista Tiago Duarte vai contra a corrente dominante e entende que
os tribunais administrativos e fiscais "aplicarão a norma tal como foi
aplicada pelo TC, considerando que os efeitos só se produzem a partir de 1 de
Janeiro de 2013". Tiago Duarte assinala que a Constituição prevê a
possibilidade de o TC fixar os efeitos para o futuro no caso da fiscalização
abstracta de uma norma. E reconhece que se o tribunal tivesse sido colocado
perante um caso concreto, não podia adiar os efeitos. No entanto, agora, dado
que já existe uma decisão em sede de fiscalização abstracta, o
constitucionalista entende que se o TC tiver que se pronunciar sobre casos
relacionados com este assunto, "dificilmente mudará de opinião".
Também o
especialista em Direito Público e Administrativo Raul Mota Cerveira diz não
vislumbrar "qualquer fundamento para as acções individuais, porque o
acórdão do TC legitimou os cortes em 2012". Embora assinale que a questão
"não está fechada".
Estratégias sindicais
Perante estas
posições, os sindicatos tentam aproveitar a brecha deixada em aberto pela
decisão inédita - mas não unânime - dos juízes do Constitucional, embora
reconheçam que nada é garantido.
O Sindicato dos
Quadros Técnicos do Estado (STE) enviou uma carta aos sócios, no final de
Julho, a disponibilizar-se para interpor novas acções em tribunal para reclamar
o pagamento dos subsídios de férias e de Natal. O STE pergunta se os
funcionários devem resignar-se com a decisão do TC ou reagir "dentro da
estreita margem em que é possível fazê-lo e com as dúvidas e incertezas que a
situação concreta suscita".
Bettencourt
Picanço, presidente do STE, é cauteloso e reconhece que "não são favas
contadas". "Convém não esquecer que são os tribunais que, face a
pedidos concretos, irão decidir se as normas declaradas inconstitucionais devem
ou não ser aplicadas relativamente ao subsídio de Natal de 2012",
realça-se.
Bettencourt Picanço
adianta que "poucas dezenas" de funcionários já se mostraram
interessados em avançar com acções, mas o prazo dado aos sócios é até ao final
de Agosto.
Também no Sindicato
da Função Pública do Sul e Ilhas (STFPSA) o tema está a ser estudado pelo
gabinete jurídico. "Convém ter uma posição consolidada. Não vale a pena
criar expectativas nas pessoas, que depois não se concretizam", adiantou
ao PÚBLICO Alcides Teles, dirigente do sindicato da CGTP.
Em cima da mesa
está a decisão de avançar ou não com acções e, por outro lado, decidir se elas
devem ser individuais ou uma acção do sindicato em representação dos sócios.
"No princípio de Setembro teremos uma decisão quanto à forma de recuperar
o subsídio de Natal", acrescenta.
José Abraão,
dirigente da Frente Sindical para a Administração Pública (Fesap), dá conta de
alguns casos de trabalhadores que pediram apoio jurídico para avançar com
acções contra o Estado. E não tem dúvidas: "Não pode haver intervalos e os
tribunais certamente decidirão nesse sentido".
O acórdão do TC
chumbou os cortes nos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores das
entidades públicas e dos pensionistas por considerar que a medida viola o
princípio da igualdade e por considerar que estes cortes têm um peso
"excessivamente gravoso". Mas para evitar problemas orçamentais este
ano, o TC remeteu os efeitos para 2013.