Nisso, a semelhança com a crise da
natalidade: sem esperança, nada de novo e de bom pode nascer já nesta sociedade
Que tem a ver a diminuição da taxa de
natalidade em Portugal com os fenómenos de violência que se terão passado
depois da manifestação da CGTP no dia da greve geral? Aparentemente nada, e
realmente tudo.
Bem sei que, como justificação para a
violência política e social que crescentemente se vai instalando, a explicação
oficial é a existência de grupos “profissionais” de agitadores que se infiltram
entre os manifestantes que, ordeiramente, protestam contra os responsáveis e as
consequências desta crise.
Sem procurar aqui indagar das orientações
ou das obediências dos elementos que, estranhamente impunes, apedrejaram a
polícia durante mais de duas horas e aparentemente justificaram assim a reacção
desta e todos os demais actos, que, já depois e bem longe daqueles
acontecimentos, vieram a acontecer, a pergunta que importa fazer é: quem e
porquê se dispõe a tal tipo de acções?
Parece evidente que os trabalhadores em
greve que se manifestaram, bem como todos os outros que teriam gostado de nela
participar, mas por motivos vários não o puderam fazer, encontram ainda força e
motivos de esperança e mobilização que os levam a não necessitar de
desrespeitar em vão a “ordem” que afinal rege mal as suas vidas.
A violência, ou pelo menos este tipo de
violência, não podia, por isso e por enquanto, vir daí.
Este tipo de violência não é, aliás, novo
entre nós, embora se manifeste hoje em circunstâncias específicas, com
objectivos e protagonistas políticos distintos; se não é herdeiro, encontra
pelo menos paralelo naquele que era protagonizado, imediatamente antes do 25 de
Abril, por jovens, maioritariamente estudantes, de grupos extremistas.
Quem da minha idade não se lembra das
manifes-relâmpago levadas a cabo por grupos de umas quantas dezenas de jovens
radicalizados, em zonas de Lisboa como a Estrada de Benfica ou da Luz? Nelas,
às claras, com uma audácia inaudita, imobilizavam carros eléctricos para
impedir o acesso das carrinhas da polícia de choque, e em velocidade recorde,
gritando slogans contra a guerra colonial e o regime, partiam montras de bancos
e empresas estrangeiras, pinchavam as paredes contra o “fascismo”, enfrentando,
se necessário, a própria polícia.
Hoje muitos deles passaram já pelo
governo, por instâncias europeias ou integram e dirigem importantes meios de
comunicação social.
O que levava então tais jovens, muitos
vindos de sectores instalados da burguesia, a fazê-lo e a arrostar com a
prisão, a tortura e a incorporação para a frente da Guiné?
Apenas a desesperança!
A desesperança – mesmo para eles – num
qualquer futuro que não fosse a guerra, a deserção, o exílio ou viver num país
cinzento e aparentemente bloqueado.
Hoje a desesperança é outra e em certo
sentido pior, pois sucedeu a momentos de euforia, de promessas visivelmente
plausíveis e, mais grave ainda, não encontra qualquer projecto ou utopias
credíveis, que a redimam ou sublimem.
Tal desesperança só pode conduzir, claro,
à raiva e à violência. Procurar os culpados individuais, prendê-los e estigmatizá-los,
pode, a curto prazo, parecer a solução para os da ordem pública, mas não
resolve o problema.
Só a projecção e a evidência de
alternativas reais e socialmente justas para a “crise” e as soluções que a têm
sustentado podem inverter o ciclo da violência já instalado.
Nisso, a semelhança com a crise da
natalidade: sem esperança, nada de novo e de bom pode nascer já nesta
sociedade.
Jurista e presidente da MEDEL
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