sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A ministra, os "ex" e os "actuais"

No dia 26 de Setembro, a imprensa noticiou que, por causa da investigação às PPP, o Ministério Público tinha feito buscas nas casas dos ex-ministros das Obras Públicas do PS, Mário Lino e António Mendonça, e do ex-secretário de Estado Paulo Campos. Nesse dia, a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, não se preocupou com uma eventual violação do segredo de justiça: pelo contrário, teve um prazer difícil de esconder ao comentar em frente de todas as câmaras de televisão o que se tinha passado.

E também não se preocupou com essa coisa antiga a que alguns chamam presunção de inocência: pelo contrário, disse esperar que "o apuramento das responsabilidades" fosse "até ao fim" e afirmou, com a dureza que gosta de exibir, que "tudo deve ser investigado" e que tinha acabado "o tempo" em que havia "impunidade". Caso as pessoas não tivessem compreendido, acrescentou: "Ninguém está acima da lei, sejam 'ex' ou actuais. É preciso que as pessoas entendam isso."

Em relação aos "ex", toda a gente entendeu - o problema foi quando passaram a estar em causa os "actuais". Depois de o Expresso ter divulgado que uma escuta do Ministério Público tinha registado uma conversa em que aparecia Pedro Passos Coelho, a ministra da Justiça passou a falar de forma, digamos, um pouco diferente.

O segredo de justiça tornou-se um problema terrível: Paula Teixeira da Cruz "lamentou" imediatamente a suposta violação, admitiu rever a legislação e desejou que o inquérito instaurado pela Procuradoria à notícia "se conclua com sucesso". Agora, para a ministra, a presunção de inocência já é um valor importantíssimo que os governantes devem preservar: "Entendo que qualquer pessoa inocente tenha vontade de que a sua inocência seja claramente exposta."

É incrível como, em apenas duas declarações, Paula Teixeira da Cruz conseguiu errar três vezes: primeiro disse uma coisa; depois, disse o seu contrário; e em nenhuma das ocasiões devia ter dito fosse o que fosse. Uma ministra da Justiça deve seguir o princípio simples de nunca comentar processos que estejam a ser investigados - dessa forma, poupam-se muitos disparates.

FINALMENTE, HÁ UM PARTIDO que fala com clareza: esta se mana, o CD S anunciou que não apoiaria a candidatura de Luís Filipe Menezes à Câmara do Porto e, num comunicado, afirmou que "os princípios que definem a política do dr. Luís Filipe Menezes não seriam benéficos para o Porto, pelo que resultariam num claro retrocesso para a cidade".

Finalmente, há um partido que fala sem fazer calculismos: os dirigentes do partido afirmaram que, "por uma questão de coerência com os 11 anos de coligação com o PSD na Câmara Municipal do Porto, o CDS não pode apoiar o dr. Luís Filipe Menezes, que tem um modelo de gestão completamente diferente daquele que está em vigor".

Finalmente, há um partido que fala de forma determinada: o CDS diz que Menezes seguiu na Câmara de Gaia "um modelo que é responsável pela situação em que o País se encontra, com perda de soberania e perda de autonomia".

Finalmente há um partido que faz tudo isto, mas, no final, há também um problema: o CDS está, desde 1998, numa coligação

com o PSD em Gaia, liderada por Luís Filipe Menezes. Ao fim de um sofrido e prolongado silêncio, com várias eleições pelo meio, o partido de Paulo Portas disse agora aos habitantes de Gaia o que realmente pensa sobre Luís Filipe Menezes. Não está mal: afinal, 14 anos passam a correr.

O GOVERNO QUERIA CORTAR os salários dos gestores das entidades reguladoras e equipará-los ao vencimento do primeiro-ministro. Mas isso, como se compreende, era chato. Portanto, o Governo desistiu e vai apenas criar comissões que terão a missão de fixar os salários desses gestores - que, naturalmente, serão mais altos. Foi para cobrir estes buracos na despesa pública que Deus inventou os aumentos no IRS.

A Direcção

Paula Teixeira da Cruz não se preocupou com a presunção de inocência de Paulo Campos quando o ex-governante foi alvo de buscas. Mas já está preocupadíssima com a presunção de inocência de Passos Coelho.
Sábado, 25-10-2012

Função Pública vai ter regras iguais às da Segurança Social

Baixas por doença, subsídio de desemprego e aposentação dos trabalhadores do Estado vão convergir em pleno com as regras do privado em 2013.
O Governo terá de concluir no próximo ano a convergência plena das regras da protecção social da Função Pública com as do regime geral de Segurança Social. O que significará normas iguais entre trabalhadores do Estado e do privado para as baixas por doença, subsídio de desemprego e pensões. No documento relativo à quinta avaliação ao programa de ajustamento financeiro a Portugal, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estabelece que o Governo terá de “acelerar” a convergência entre os dois regimes até ao quarto trimestre de 2013. Recorde-se que, neste âmbito, o Orçamento do Estado (OE) para 2013 já avança com o aumento da idade da reforma no Estado para os 65 anos a partir de Janeiro e com um corte de 10% no valor das baixas dos trabalhadores do Estado que, actualmente recebem praticamente 100% do salário quando faltam por doença. Porém, apesar das alterações previstas no OE, as regras entre os dois sistemas continuam diferentes.
Segundo disse ao Diário Económico o secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, “durante o ano de 2013 é intenção do Governo continuar o processo de convergência no que ainda não se encontra efectuado, ou seja, nas eventualidades da doença, desemprego, velhice, invalidez e morte e acidentes de trabalho e doenças profissionais”. A forma de financiamento das prestações sociais “ainda está a ser estudada”, já que a maioria dos funcionários públicos não desconta para a Segurança Social, mas sim para a Caixa Geral de Aposentações. Mas uma coisa é certa: “As regras de atribuição vão ser iguais para todos”, sublinha Hélder Rosalino.
Actualmente, os funcionários públicos do regime convergente (a grande maioria) descontam 11% do seu salário para a CGA “e esse valor não será alterado com a convergência em 2013″, garante o secretário de Estado. Porém, a CGA apenas é responsável pelo pagamento das pensões a estes funcionários. Fica ainda por saber quem ficará responsável pelas prestações da doença e do desemprego, que actualmente são asseguradas pelos serviços, excepto nos caso dos professores do básico e secundário e militares em regime de voluntariado. Assim, caso a convergência avance, as baixas por doença na Função Pública passam a valer entre 55% a 75% do salário de referência, regras que já vigoram para quem é abrangido pela Segurança Social.
Quanto ao subsídio de desemprego, na Função Pública é praticamente inexistente, na medida em que são raros os despedimentos. Quando há extinção do posto de trabalho, por exemplo, o funcionário é colocado em mobilidade especial (quadro de excedentários).
Nas pensões, a convergência entre os dois sistemas em relação à idade fica completa em 2013, mas as fórmulas de cálculo ainda divergem.
Professores na mobilidade
No documento sobre a quinta avaliação ao programa de ajustamento, o FMI defende que os vários tipos de mobilidade no Estado devem abranger os professores e os profissionais de saúde. “Os instrumentos de recursos humanos (mobilidade geográfica, especial e as regras de compensação de horas extra) são para aplicar a todos os sectores da Administração Pública, incluindo professores e profissionais de saúde.” A mobilidade especial é o mecanismo que prevê que os funcionários “a mais” sejam colocados em inactividade a receber parte do salário. O ministro da Educação, Nuno Crato, tem garantido que os professores sem colocação não irão integrar a mobilidade especial. D.F.
Diário Económico, 26 Outubro 2012

Decisão judicial adia internamento compulsivo

SURTO A Administração Regional de Saúde do Centro aguarda decisão do Tribunal de Pombal para internar compulsivamente um cidadão que se recusa a tratar uma tuberculose multirresistente. A decisão poderá vir a ser tomada já durante o dia de hoje.
Diário Notícias, 26 Outubro 2012

Casa da Supplicação



ESCUSA
JUIZ
JUIZ NATURAL

I - A subtração de um processo criminal ao Juiz a quem foi atribuída competência para julgar um caso, através de sorteio aleatório, feito por meio informático e nos termos pré-determinados na lei (o “juiz natural”), não pode deixar de ser encarada como absolutamente excecional.
II - Para que possa ser pedida a recusa de Juiz, é necessário que:
- a sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
- por se verificar motivo, sério e grave;
- adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
III – Não é motivo para escusa o facto de o filho de um Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, a quem foi distribuído um recurso penal, prestar serviços jurídicos remunerados, como advogado, numa Sociedade de advocacia, da qual fazem parte os advogados e um solicitador a quem um dos recorrentes conferiu procuração, pois da procuração não consta o referido filho e o nome deste apenas se mostra incluído no grupo de colaboradores impresso no papel timbrado das peças processuais, nomeadamente, as do recurso.
IV - Não há nenhuma ligação profissional ou pessoal entre o filho do requerente e o processo em causa, pois nele não tem qualquer intervenção. Não tem procuração do recorrente e limita-se a ser colega de escritório dos respetivos mandatários, alguns dos quais são os sócios da empresa e, portanto, com funções de chefia.
V - Isto é, o filho do requerente não tem interesse pessoal, profissional ou patrimonial no desenlace do recurso que, por sorteio, foi distribuído ao seu pai, como juiz relator no Tribunal da Relação. A ligação que o requerente invoca como motivo de escusa é, pois, remota.
VI - A menção ao nome do filho do requerente, que se vê no papel que a Sociedade de Advogados usa nas peças processuais que apresenta em tribunal, não tem qualquer relevo substancial no presente processo, pois é visivelmente uma listagem já previamente impressa, como timbre ou marca.
VII - Em suma, só por visível má-fé alguém poderia encontrar motivo para que um Juiz Desembargador, com uma reconhecida carreira profissional, pudesse ser influenciado na decisão, de resto tomada coletivamente, que virá a ser proferida no recurso e, assim, não há razão para afastar o “juiz natural”.
Ac. do STJ de 25-10-2012
Rec. 13750/09.7TDPRT.P1-A.S1
Relator: Conselheiro Santos Carvalho

Casa da Supplicação

CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
PENA SUSPENSA
EXTINÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
MEDIDA DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
I - No concurso superveniente de crimes, nada impede que na formação da pena única entrem penas de prisão efetiva e penas de prisão suspensa, decidindo o tribunal do cúmulo se, reavaliados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução.
II - Mas não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.
III - Sendo assim, há que refletir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respetivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão. Na verdade, no caso de extinção nos termos do art.º 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses.
IV - Assim, o tribunal recorrido ao englobar num dos cúmulos as penas parcelares de processos com o prazo de suspensão ou de substituição já esgotado, sem que nesses processos tenha havido (que se saiba) decisão sobre a respetiva execução, prorrogação ou extinção, incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
V - «Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes» (art.º 78.º, n.º 1, do CP). «O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado» (n.º 2).
VI - Agindo em conformidade com estas regras, o acórdão recorrido não efetuou o chamado «cúmulo por arrastamento», pois, tendo verificado que de entre os diversos crimes cometidos pelo arguido, com sentenças já transitadas em julgado, alguns estavam numa situação de concurso com todos os restantes, de acordo com as regras definidas no art.º 78.º do C. Penal, mas outros não o estavam, por terem sido cometidos depois de transitar a sentença por algum ou por alguns dos outros, não optou por cumular todas as penas parcelares para aplicar uma única pena conjunta.
VII - Verificamos que as infrações do processo n.º 1 estão em concurso com as do n.º 2, mas não com nenhuma das outras, pois essas outras tiveram condenações transitadas em julgado antes de terem sido cometidos os factos do processo n.º 1.
VIII - Já as infrações do processo n.º 2 estão em concurso com todas as outras. Mas as do processo n.º 9 não estão em concurso com as do n.º 21, pois estas foram praticadas depois de transitar em julgado a condenação no processo n.º 9.
IX - A nosso ver, como não se podem englobar todas as penas no mesmo cúmulo, pois isso equivaleria a violar o disposto no art.º 78.º do CP, a melhor solução é a de isolar os processos n.º 1 (factos de 2010) e 21 (factos de 2008), onde foram aplicadas penas, respetivamente, de prisão e de multa, que serão cumpridas autónoma e isoladamente e englobar num único cúmulo jurídico as penas aplicadas nos processos n.ºs 2, 6, 9, 12, 15, 16, 18 e 19, por factos de 2006 e 2007.
X - A atividade criminosa do arguido deve ser enquadrada numa média/pequena criminalidade, muito longe da grande criminalidade, violenta e organizada.
XI - Por isso, apesar da soma das penas em concurso ultrapassar 59 anos de prisão, a pena única deve refletir aquela realidade, pelo que uma pena máxima de 25 anos se mostra completamente desajustada ao caso, tanto ao conjunto dos factos avaliados, como à personalidade do arguido, esta a de um indivíduo desestruturado, sem projeto de vida e com tendência a ligar-se a outros marginais, mas com família (mulher e três filhos) e sem índices de violência contra as pessoas.
XII - Note-se que, apesar de serem muitos os crimes que estão em concurso, o mais grave foi punido com 3 anos e 10 meses de prisão, o que é elucidativo da média/pequena gravidade dos delitos. E, por isso, muitos tribunais, também por desconhecimento da atividade criminosa que o arguido levava, optaram, injustificadamente, por penas de substituição.

XIII - Por isso, na avaliação conjunta de todos estes fatores, considera-se adequada a pena conjunta de 10 (dez) anos de prisão e 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00, a que acrescem as outras duas penas que se isolaram do concurso de infrações.

Ac. do STJ de 25-10-2012, Proc. n.º 242/10.00GHCTB.S1, Relator: Conselheiro Santos Carvalho

Casa da Supplicação

RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
TESTEMUNHA

I - O art.º 453.º do CPP dispõe que se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas (n.º 1), mas o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2).
II - A leitura que se pode fazer desta norma é a de que o recorrente, no recurso de revisão que tenha como fundamento a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º, pode indicar como testemunhas:
- As já anteriormente ouvidas no processo, mas, nesse caso, como não constituem “novos meios de prova”, terão de depor sobre “novos factos” de que se tenha tomado conhecimento posteriormente;
- As que antes não foram ouvidas no processo, mesmo sobre os factos já apreciados no julgamento, mas, nesse caso, só se justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram então impossibilitadas de depor.
III - Na situação em apreço, o depoimento da referida testemunha realizado na 1ª audiência, apesar de documentado em ata, não contou para a decisão do segundo julgamento, pois fora ordenado o reenvio total do processo e, portanto, toda a prova anteriormente produzida teria de ser renovada. Tanto é assim, que na fundamentação do acórdão condenatório da 1ª instância, de que agora é pedida revisão, não há qualquer menção à testemunha, nem ao depoimento que produzira no primeiro julgamento.
IV - O que se pode concluir, portanto, é que a testemunha em causa esteve, no segundo julgamento, “impossibilitada” de depor, pois esta expressão contida na lei parece abranger todos os casos em que, por facto que não é da responsabilidade de quem requer a revisão, a testemunha, cuja existência se conhece, acaba por não depor em julgamento, por exemplo, por doença incapacitante, ausência prolongada em local de muito difícil contacto, desconhecimento do paradeiro, etc.
V - Deste modo, a testemunha, ao ser agora apresentada no recurso de revisão para contribuir para o esclarecimento dos factos discutidos no processo, deve considerar-se um “novo meio de prova”, já que o arguido não logrou obter o seu depoimento no decurso do julgamento que o veio a condenar, por motivo que não lhe pode ser assacado (desconhecimento da sua nova morada, mesmo após intervenção policial para descobrir o seu paradeiro).
VI - Contudo, o depoimento dessa testemunha, analisado criticamente, é inconsistente e, por isso, não se vislumbram factos ou provas que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, já que o tribunal fundamentou exaustivamente a sua convicção e houve pelo menos quatro outras testemunhas presenciais que depuseram no julgamento, o que conduz à decisão final de não autorizar a revisão.  
Ac. do STJ de 25-10-2012
Proc. 601/07.6GCALM-C.S1
Relator: Conselheiro Santos Carvalho

Um juiz fora de jogo

 Escrever direito

Um juiz fora de jogo

Por Francisco Teixeira da Mota"Ele é que tem de provar aos sócios do Benfica que tem 25 anos de associado para ser candidato. Ele não tem 25 anos de sócio. Foi o juiz Cândido de Oliveira, o grande apoiante de Vale e Azevedo, quem testemunhou que ele tem 25 anos de sócio. Este homem quer viver à sombra do Benfica, quer governar-se com o Benfica. O Vale e Azevedo ao pé dele deve ser um principiante", afirmou na quarta-feira à noite na RTP, Luís Filipe Vieira, presidente e candidato a presidente do Benfica, referindo-se ao juiz desembargador Rui Rangel, também candidato a presidente do Benfica.

Estas declarações, a que se seguiram outras do mesmo tipo, em directo na televisão - de resto, o presidente do Benfica parece ter o dom da ubiquidade, já que estava ao mesmo tempo na SIC e na RTP1 -, enquadram-se numa profícua campanha eleitoral que tem, seguramente, entusiasmado muitos portugueses. 

Afirmou ainda Luís Filipe Vieira em resposta a insinuações do seu adversário eleitoral quanto ao enriquecimento daqueles que consigo trabalham ou mesmo de si próprio, que seria necessário fazer uma auditoria à Associação Sindical dos Juízes Portugueses no período em que Rui Rangel foi seu presidente. E, em anteriores declarações, o presidente do Benfica já afirmara que "... este senhor mentiu aos benfiquistas. Um senhor que é juiz, que tem de pautar a vida dele com rigor e verdade, continua a mentir, descaradamente, a todos os benfiquistas. Esse senhor envergonha a magistratura. Não sei como o Conselho Superior de Magistratura não se pronunciou, isto é vergonhoso".

Rui Rangel, segundo foi noticiado, respondeu na própria quarta-feira, afirmando que as declarações de Luís Filipe Vieira são "... de uma baixeza e indignidade tão grande, são próprias de quem não quer debater o Benfica, não tem dimensão democrática e está de cabeça perdida e desesperada. A mim não me ofende qualquer pessoa. Amanhã irá haver uma participação criminal sobre as afirmações que foram produzidas". Toda esta novela é profundamente lamentável, mas quanto a mim há um único responsável: Rui Rangel.

Na verdade, é deprimente para qualquer cidadão com um mínimo de cultura cívica ouvir um presidente de um clube de futebol referir-se a um juiz nos termos referidos, mas não tenho dúvidas que foi a falta de sensatez do juiz desembargador ao candidatar-se à presidência do Benfica que deu origem a este lamentável episódio.

Não sei quais foram as razões que levaram Rui Rangel a dar este passo público - na minha opinião, menosprezando a sua qualidade de juiz. Até pode ser por amor ao Benfica, mas não posso deixar de lembrar que "quem não quer ser lobo não lhe veste a pele" ou que "quem vai à guerra, dá e leva". Acrescentaria, ainda, a clássica frase do Presidente norte-americano Truman: "Se não suportas o calor, evita a cozinha".

Recorrer agora à via judicial contra o seu adversário é a prova provada de que nunca se devia ter metido nestas eleições, desprestigiando-se pessoalmente e aos juízes em geral ou será que estava à espera de ser tratado como juiz ? 

Ora, Luís Filipe Vieira, de facto, não o respeitou como juiz, mas foi Rui Rangel que não se deu ao respeito ao entrar nesta luta eleitoral, sendo certo que algumas das suas afirmações públicas também não terão sido as mais elegantes.

Esta questão das relações entre os juízes e o mundo do futebol já está "mais do que gasta". Em tempos, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) proibiu mesmo esta promiscuidade, mas o Tribunal Constitucional considerou que tal limitação nas actividades extraprofissionais dos juízes violava a Constituição. O CSM - sublinhe-se que, na altura, se discutia a presença de juízes em órgãos disciplinares das instâncias desportivas e não na presidência dos clubes - passou, então, a apelar ao bom senso dos juízes, até porque as experiências havidas da passagem de juízes pelo mundo do futebol não eram nada positivas, antes pondo em causa a imagem de independência e seriedade que os magistrados devem ter. 

A referência feita pelo presidente do Benfica ao juiz Cândido de Oliveira não é inocente; lembro-me da forma como Vale e Azevedo tratou esse juiz numa conferência de imprensa televisionada: como um empregado. Verdadeiramente triste de se ver, como é triste estarmos a presenciar este conflito. 

Espero que de tudo isto resulte, pelo menos, uma coisa positiva: que tão cedo nenhum juiz caia na tentação de fazer os títulos da 1.ª página dos jornais desportivos.

P.S.: Bem fez a Ordem dos Advogados ao protestar publicamente contra o violento espancamento de que foi alvo Silvestre Alves, advogado da Guiné-Bissau, por parte de um grupo de militares daquele país. Espera-se que a Ordem continue a acompanhar activamente a situação. 
PÚBLICO - Sexta-Feira 26/10/2012

Magistrados vão continuar a ter transporte gratuito e sindicato pede segredo

25.10.2012 - 18:11 Por Mariana Oliveira

Magistradosvão continuar a não pagar nos transportes públicosA direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) anunciou ontem num email enviado aos seus associados o recuo do Governo na intenção de retirar aos juízes e aos procuradores a utilização gratuita de transportes dentro da área em que exercem funções, uma medida prevista na última versão do Orçamento de Estado para 2013.

Aconselham ainda os magistrados a não discutirem “na comunicação social este episódio”, justificando que isso “poderia dificultar o recuo por parte do Governo”.

“A direcção [do SMMP] teve esta tarde a garantia da senhora Ministra da Justiça que tal norma, que não constava do projecto de proposta de lei que foi aprovado em Conselho de Ministros na manhã do dia 15 de Outubro, será retirada na Assembleia da República”, lê-se no email a que o PÚBLICO teve acesso, após uma notícia avançada pelo Jornal de Notícias. E acrescenta-se: “A senhora Ministra da Justiça reafirmou o compromisso de não existir qualquer alteração ao Estatuto do Ministério Público ou ao Estatuto dos Magistrados Judiciais na lei do Orçamento”.

A proposta do orçamento prevê a revogação de várias normas que atribuem o transporte gratuitos a várias categorias: juízes, procuradores, membros dos gabinetes do Governo, pessoal de apoio aos presidentes da câmara e vereadores, entre outros. Não se sabe se o recuo do Governo que o SMMP fala seria apenas na parte relativa aos magistrados.

O email termina pedindo aos procuradores para não falarem deste assunto na comunicação social. “Sem prejuízo de continuarmos a acompanhar atentamente os trabalhos parlamentares, será conveniente que não se discuta na comunicação social este episódio, o que poderia dificultar o recuo por parte do Governo”, aconselham.

Hoje o presidente do SMMP, Rui Cardoso, explicou que a utilização gratuita dos transportes públicos “integra o estatuto socioprofissional dos magistrados e deveria ter sido objecto de negociação colectiva imposta pela Constituição”. “Isso não houve”, assegurou na Assembleia da República, depois de ter sido ouvido na Comissão parlamentar de Direitos, Garantias e Liberdades. 

Rui Cardoso insistiu que “a matéria não é qualquer privilégio”, sendo “apenas uma solução que o Estado, desde sempre, encontrou para permitir aos magistrados o cabal exercício das suas funções de forma mais barata para o Estado”. Contactado pelo PÚBLICO, nem o SMMP, nem o Ministério da Justiça fizeram qualquer comentário sobre o assunto.