Medida da pena - Cúmulo jurídico - Concurso de infracções - Burla - Passagem de moeda falsa
1 – A primeira finalidade que se prossegue na individualização judicial da pena é a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente. Entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização
2 – A absolvição, pela Relação, de 1 crime a que correspondia a pena de 2 anos de prisão, com o desfazer do cúmulo jurídico de 5 anos de prisão da 1.ª instância, mas apenas reduzida a pena de prisão em 1 ano, não se pode traduzir agora em diminuição da pena de 4 anos de prisão que fora aplicada pelo crime que se manteve. É que fora o cúmulo jurídico que permitira a redução das penas parcelares de 4 + 2 anos a 5 anos, redução que, desaparecido o cúmulo, não podia deixar de se desvanecer.
3 - Verificando-se pluralidade de crimes, costuma distinguir-se entre:
– Concurso legal, aparente ou impuro - em que a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime, mas, por via de interpretação, conclui-se que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido ou absorvido por um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos devem recuar, não sendo aplicados, podendo os diversos tipos de crime podem encontrar-se conexionados por diversas relações entre si, de - especialidade - um dos tipos aplicáveis (tipo especial) incorpora os elementos essenciais de um outro tipo também aplicável abstractamente (tipo fundamental), acrescendo elementos suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente; - consumpção - o preenchimento de um tipo legal (mais grave) inclui o preenchimento de outro tipo legal (menos grave) devendo a maior ou menor gravidade ser encontrada na especificidade do caso concreto; - subsidiariedade - em que certas normas só se aplicam subsidiariamente, ou seja, quando o facto não é punido por uma outra norma mais grave; - facto posterior não punível - os crimes que visam garantir ou aproveitar a impunidade de outros crimes (crimes de garantia ou aproveitamento) não são punidos em concurso efectivo com o crime de fim lucrativo ou de apropriação, salvo se ocasionarem um novo dano ao ofendido ou se dirigirem contra um novo bem jurídico
– Concurso efectivo, verdadeiro ou puro - em que entre os tipos legais preenchidos pela conduta do agente se não dá uma exclusão por via de qualquer das regras, como acontece com o concurso ideal, mas antes as diversas normas aplicáveis aparecem como concorrentes na aplicação concreta.
4 - Enquanto no crime de burla o bem jurídico protegido é o património do ofendido, o bem jurídico protegido nos crimes de moeda falsa tem sido colocado, entre nós, quer na "confiança ou fé pública na moeda", quer na "segurança e a funcionalidade (operacionalidade) do tráfego monetário (internacional)", ou em ambos, falando-se também na "pureza ou autenticidade do sistema monetário",
5 - A protecção do património daqueles que recebem de boa fé a moeda falsa, que resulta da punição da colocação da moeda falsa em circulação é sempre subsidiária em relação ao bem protegido em primeira linha pela incriminação.
6 - Deve ter-se em atenção que não é na mera coexistência de segmentos comuns aos ilícitos em presença que se deve radicar a adopção do concurso real ou do aparente, mas antes, na importância relativa que neles assuma a tutela que visam assegurar, que é o que constitui e integra a base justificativa determinante e decisiva da censura ético-jurídica a emitir.
7 - A questão do concurso aparente ou real dos crimes de colocação em circulação da moeda falsa tem sido objecto de posições contrárias quer na doutrina, quer na jurisprudência do STJ que já se pronunciou no sentido de que a passagem de moeda falsa, não obstante possa envolver a violação de dois bens jurídicos (o da regularidade da circulação fiduciária e o do património dos adquirentes da moeda) constitui um único tipo de crime, não se cumulando, em concurso real, com o crime de burla, mas também se pronunciou no sentido de que o crime de passagem de moeda falsa previsto se acumula, sob a forma de concurso real, com o crime de burla.
8 - É esta a posição a seguir pelo STJ por imposição da jurisprudência fixada em lugar paralelo, pois que, na questão do concurso entre a falsificação e a burla decidiu esse Tribunal, em acórdão uniformizador de jurisprudência, que "no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 228º, nº 1, alínea a), e do artigo 313º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes" e a moeda falsa não é mais do que falsum específico, pelo que lhe é aplicável esta mesma doutrina, devendo concluir-se pelo concurso real.
9 - Mesmo no entendimento diverso devem ressalvar-se as situações em que além do uso da moeda falsa, na boa fé dos ofendidos, são introduzidos outros elementos do engano próprio da burla, caso em que terá lugar o concurso real entre aqueles crimes, como sucede quando é feito uso de falsa identidade.
AcSTJ de 04.10.2007, proc. n.º 2309/07-5, Relator: Conselheiro Simas Santos
1 – A primeira finalidade que se prossegue na individualização judicial da pena é a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente. Entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização
2 – A absolvição, pela Relação, de 1 crime a que correspondia a pena de 2 anos de prisão, com o desfazer do cúmulo jurídico de 5 anos de prisão da 1.ª instância, mas apenas reduzida a pena de prisão em 1 ano, não se pode traduzir agora em diminuição da pena de 4 anos de prisão que fora aplicada pelo crime que se manteve. É que fora o cúmulo jurídico que permitira a redução das penas parcelares de 4 + 2 anos a 5 anos, redução que, desaparecido o cúmulo, não podia deixar de se desvanecer.
3 - Verificando-se pluralidade de crimes, costuma distinguir-se entre:
– Concurso legal, aparente ou impuro - em que a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime, mas, por via de interpretação, conclui-se que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido ou absorvido por um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos devem recuar, não sendo aplicados, podendo os diversos tipos de crime podem encontrar-se conexionados por diversas relações entre si, de - especialidade - um dos tipos aplicáveis (tipo especial) incorpora os elementos essenciais de um outro tipo também aplicável abstractamente (tipo fundamental), acrescendo elementos suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente; - consumpção - o preenchimento de um tipo legal (mais grave) inclui o preenchimento de outro tipo legal (menos grave) devendo a maior ou menor gravidade ser encontrada na especificidade do caso concreto; - subsidiariedade - em que certas normas só se aplicam subsidiariamente, ou seja, quando o facto não é punido por uma outra norma mais grave; - facto posterior não punível - os crimes que visam garantir ou aproveitar a impunidade de outros crimes (crimes de garantia ou aproveitamento) não são punidos em concurso efectivo com o crime de fim lucrativo ou de apropriação, salvo se ocasionarem um novo dano ao ofendido ou se dirigirem contra um novo bem jurídico
– Concurso efectivo, verdadeiro ou puro - em que entre os tipos legais preenchidos pela conduta do agente se não dá uma exclusão por via de qualquer das regras, como acontece com o concurso ideal, mas antes as diversas normas aplicáveis aparecem como concorrentes na aplicação concreta.
4 - Enquanto no crime de burla o bem jurídico protegido é o património do ofendido, o bem jurídico protegido nos crimes de moeda falsa tem sido colocado, entre nós, quer na "confiança ou fé pública na moeda", quer na "segurança e a funcionalidade (operacionalidade) do tráfego monetário (internacional)", ou em ambos, falando-se também na "pureza ou autenticidade do sistema monetário",
5 - A protecção do património daqueles que recebem de boa fé a moeda falsa, que resulta da punição da colocação da moeda falsa em circulação é sempre subsidiária em relação ao bem protegido em primeira linha pela incriminação.
6 - Deve ter-se em atenção que não é na mera coexistência de segmentos comuns aos ilícitos em presença que se deve radicar a adopção do concurso real ou do aparente, mas antes, na importância relativa que neles assuma a tutela que visam assegurar, que é o que constitui e integra a base justificativa determinante e decisiva da censura ético-jurídica a emitir.
7 - A questão do concurso aparente ou real dos crimes de colocação em circulação da moeda falsa tem sido objecto de posições contrárias quer na doutrina, quer na jurisprudência do STJ que já se pronunciou no sentido de que a passagem de moeda falsa, não obstante possa envolver a violação de dois bens jurídicos (o da regularidade da circulação fiduciária e o do património dos adquirentes da moeda) constitui um único tipo de crime, não se cumulando, em concurso real, com o crime de burla, mas também se pronunciou no sentido de que o crime de passagem de moeda falsa previsto se acumula, sob a forma de concurso real, com o crime de burla.
8 - É esta a posição a seguir pelo STJ por imposição da jurisprudência fixada em lugar paralelo, pois que, na questão do concurso entre a falsificação e a burla decidiu esse Tribunal, em acórdão uniformizador de jurisprudência, que "no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 228º, nº 1, alínea a), e do artigo 313º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes" e a moeda falsa não é mais do que falsum específico, pelo que lhe é aplicável esta mesma doutrina, devendo concluir-se pelo concurso real.
9 - Mesmo no entendimento diverso devem ressalvar-se as situações em que além do uso da moeda falsa, na boa fé dos ofendidos, são introduzidos outros elementos do engano próprio da burla, caso em que terá lugar o concurso real entre aqueles crimes, como sucede quando é feito uso de falsa identidade.
AcSTJ de 04.10.2007, proc. n.º 2309/07-5, Relator: Conselheiro Simas Santos
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Questão nova - Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - Medida da pena - Poderes do Supremo Tribunal de Justiça - Recurso de revista
1 – Se no recurso para a Relação, o arguido não suscitou a questão da violação do princípio in dúbio pró reo, embora fosse essa a sede adequada para o fazer, quando a coloca no recurso para o STJ, ela apresenta-se como uma questão nova.
2 – Como é entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. São remédios jurídicos que se destinam sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso
3 – Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre. No caso, o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer de questões que, embora resolvidas pelo Tribunal de 1.ª Instância não foram suscitadas perante a 2.ª Instância, de cuja decisão agora se recorre.
4 – Num sistema como o nosso de penas variadas e variáveis, já não se sustenta a visão da determinação da pena concreta como um acto de individualização judicial da sanção em que à lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível racionalização, tudo relevando da chamada «arte de julgar». Antes se trata de autêntica aplicação do direito: determinação das consequências do facto punível, ou seja, a escolha e a medida da pena, realizada pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução daquele, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas.
5 – No recurso de revista, pode o Supremo Tribunal de Justiça reexaminar a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade e a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
AcSTJ de 04-10-2007, proc. n.º 2433/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – Se no recurso para a Relação, o arguido não suscitou a questão da violação do princípio in dúbio pró reo, embora fosse essa a sede adequada para o fazer, quando a coloca no recurso para o STJ, ela apresenta-se como uma questão nova.
2 – Como é entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. São remédios jurídicos que se destinam sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso
3 – Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre. No caso, o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer de questões que, embora resolvidas pelo Tribunal de 1.ª Instância não foram suscitadas perante a 2.ª Instância, de cuja decisão agora se recorre.
4 – Num sistema como o nosso de penas variadas e variáveis, já não se sustenta a visão da determinação da pena concreta como um acto de individualização judicial da sanção em que à lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível racionalização, tudo relevando da chamada «arte de julgar». Antes se trata de autêntica aplicação do direito: determinação das consequências do facto punível, ou seja, a escolha e a medida da pena, realizada pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução daquele, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas.
5 – No recurso de revista, pode o Supremo Tribunal de Justiça reexaminar a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade e a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
AcSTJ de 04-10-2007, proc. n.º 2433/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Burla - Acção judicial - Elementos - Fraude civil - distinção
1 – A questão de saber se é censurada penalmente a “burla processual”, com recurso à instauração de acção judicial, há-de ser, numa primeira fase, resolvida à luz do disposto no art. 217.º, n.º 1 do C. Penal, determinando-se se se verificam, no caso concreto, os elementos do respectivo tipo de crime.
2 - E não se diga em contrário que o legislador a não a quis abranger, pois conhecedor da polémica sobre ela, «não tomou ainda a opção de a consagrar», diferentemente do que fez em relação à burlas relativas a seguros, para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, burla informática e nas comunicações e relativa a trabalho ou emprego, quando nada sobre matéria tão inovadora resultou dos trabalhos preparatórios. É que, se a controvérsia existia e os trabalhos preparatórios nada dizem sobre a questão, não se pode atribuir a este “silêncio” do legislador um sentido que perturbe a configuração do tipo legal do crime de burla, então feito, e que abrange este tipo de burla, pois seria necessária pronúncia sobre a questão que esclarecesse não se pretender, apesar do carácter amplo da previsão, contemplar tais situações.
3 - Por outro lado, a circunstância de o legislador não ter autonomizado este tipo situações, diferentemente do que fez em relação aos tipos já indicados, significa seguramente que o legislador entendeu que tal se não justificava no caso, em função das modalidades de acção, da sua especificidade ou do seu particular objecto de acção ilícita.
4 - O crime de burla é uma forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:
– intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo;
– por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;
– determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outrem, prejuízo patrimonial.
5 – É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
3 – Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, podendo limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta, ou tratar-se de processos rebuscados ou engenhosos, envolvendo contratos verdadeiros ou falsos e acções judiciais.
4 - Mas não se deve esquecer que neste crime, a matéria punível não é a fraude mesma, o engano ou o induzir em erro, mas a locupletação ilícita ou a injusta lesão patrimonial, sendo o engano somente um momento precursor do crime, concepção que se traduz, aliás, na inserção sistemática do respectivo tipo entre os crimes contra o património.
5 – Pode verificar-se uma identificação, de modo e de finalidade, entre a fraude que integra a burla e o dolo que vicia os contratos de carácter económico, e fraudes civis distintas da fraude penal, bastando considerar o dano culposo, o esbulho possessório sem violência ou ameaça grave, o incumprimento de contrato (em geral), a acção de condenação de dívida não vencida, a lide temerária, o abuso de direito, o recebimento culposo do não devido, como actos ilícitos que, no entanto, a lei não define como crimes.
6 – Numa opção, em que muitas vezes não é imediatamente reconhecível um rigoroso científico ou distinção ontológica entre tais fatos, por razões de política criminal, o legislador efectua uma selecção, elegendo as condutas penalmente censuráveis entre as quais não inclui o facto contra direito que não provoque alarme colectivo, caso em que se contenta com os meios próprios do direito civil, como sancionamento. Parte assim, da maior gravidade do delito penal, da mais extensa e intensa perturbação social que causa.
7 –A linha divisória entre a fraude, constitutiva da burla, e o simples ilícito civil, uma vez que dolo in contrahendo cível determinante da nulidade do contrato se configura em termos muito idênticos ao engano constitutivo da burla, inclusive quanto à eficácia causal para produzir e provocar o acto dispositivo, deve ser encontrada em diversos índices indicados pela Doutrina e pela Jurisprudência, tendo-se presente que o dolo in contrahendo é facilmente criminalizável desde que concorram os demais elementos estruturais do crime de burla.
8 – Há, assim, fraude penal:
– quando há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico:
– quando se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indirecto;
– quando se verifica um violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena;
– quando há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, mise-en-scène para iludir;
– quando há uma impossibilidade de se reparar o dano;
– quando há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio
9 - Na verdade, nos negócios, em que estão presentes mecanismos de livre concorrência, o conhecimento de uns e o erro ou ignorância de outros, determina o sucesso, apresentando-se o erro como um dos elementos do normal funcionamento da economia de mercado, sem que se chegue a integrar um ilícito criminal; mas pode também a fraude penal pode manifestar-se numa simples operação civil, quando esta não passa de engodo fraudulento usado para envolver e espoliar a vítima, com desprezo pelo princípio da boa fé, traduzindo-se num desvalor da acção que, por sua intensidade ou gravidade, tem como única sanção adequada a pena.
10 – Há crime de burla se se está perante um contrato de promessa de compre e venda que depois foi usado numa acção cível destinada a obter a entrega dos bens, falsamente prometidos vender e falsamente já pagos, em que não havendo contrato celebrado, nunca houve vontade de realizar o negócio correspondente, mas antes não só uma decisão pré-concebida de não cumprir o contrato de promessa, mas de o utilizar exclusivamente na acção judicial, como elemento do engano.
AcSTJ de 04.10.2007, proc. n.º 2599/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – A questão de saber se é censurada penalmente a “burla processual”, com recurso à instauração de acção judicial, há-de ser, numa primeira fase, resolvida à luz do disposto no art. 217.º, n.º 1 do C. Penal, determinando-se se se verificam, no caso concreto, os elementos do respectivo tipo de crime.
2 - E não se diga em contrário que o legislador a não a quis abranger, pois conhecedor da polémica sobre ela, «não tomou ainda a opção de a consagrar», diferentemente do que fez em relação à burlas relativas a seguros, para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, burla informática e nas comunicações e relativa a trabalho ou emprego, quando nada sobre matéria tão inovadora resultou dos trabalhos preparatórios. É que, se a controvérsia existia e os trabalhos preparatórios nada dizem sobre a questão, não se pode atribuir a este “silêncio” do legislador um sentido que perturbe a configuração do tipo legal do crime de burla, então feito, e que abrange este tipo de burla, pois seria necessária pronúncia sobre a questão que esclarecesse não se pretender, apesar do carácter amplo da previsão, contemplar tais situações.
3 - Por outro lado, a circunstância de o legislador não ter autonomizado este tipo situações, diferentemente do que fez em relação aos tipos já indicados, significa seguramente que o legislador entendeu que tal se não justificava no caso, em função das modalidades de acção, da sua especificidade ou do seu particular objecto de acção ilícita.
4 - O crime de burla é uma forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:
– intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo;
– por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;
– determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outrem, prejuízo patrimonial.
5 – É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
3 – Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, podendo limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta, ou tratar-se de processos rebuscados ou engenhosos, envolvendo contratos verdadeiros ou falsos e acções judiciais.
4 - Mas não se deve esquecer que neste crime, a matéria punível não é a fraude mesma, o engano ou o induzir em erro, mas a locupletação ilícita ou a injusta lesão patrimonial, sendo o engano somente um momento precursor do crime, concepção que se traduz, aliás, na inserção sistemática do respectivo tipo entre os crimes contra o património.
5 – Pode verificar-se uma identificação, de modo e de finalidade, entre a fraude que integra a burla e o dolo que vicia os contratos de carácter económico, e fraudes civis distintas da fraude penal, bastando considerar o dano culposo, o esbulho possessório sem violência ou ameaça grave, o incumprimento de contrato (em geral), a acção de condenação de dívida não vencida, a lide temerária, o abuso de direito, o recebimento culposo do não devido, como actos ilícitos que, no entanto, a lei não define como crimes.
6 – Numa opção, em que muitas vezes não é imediatamente reconhecível um rigoroso científico ou distinção ontológica entre tais fatos, por razões de política criminal, o legislador efectua uma selecção, elegendo as condutas penalmente censuráveis entre as quais não inclui o facto contra direito que não provoque alarme colectivo, caso em que se contenta com os meios próprios do direito civil, como sancionamento. Parte assim, da maior gravidade do delito penal, da mais extensa e intensa perturbação social que causa.
7 –A linha divisória entre a fraude, constitutiva da burla, e o simples ilícito civil, uma vez que dolo in contrahendo cível determinante da nulidade do contrato se configura em termos muito idênticos ao engano constitutivo da burla, inclusive quanto à eficácia causal para produzir e provocar o acto dispositivo, deve ser encontrada em diversos índices indicados pela Doutrina e pela Jurisprudência, tendo-se presente que o dolo in contrahendo é facilmente criminalizável desde que concorram os demais elementos estruturais do crime de burla.
8 – Há, assim, fraude penal:
– quando há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico:
– quando se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indirecto;
– quando se verifica um violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena;
– quando há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, mise-en-scène para iludir;
– quando há uma impossibilidade de se reparar o dano;
– quando há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio
9 - Na verdade, nos negócios, em que estão presentes mecanismos de livre concorrência, o conhecimento de uns e o erro ou ignorância de outros, determina o sucesso, apresentando-se o erro como um dos elementos do normal funcionamento da economia de mercado, sem que se chegue a integrar um ilícito criminal; mas pode também a fraude penal pode manifestar-se numa simples operação civil, quando esta não passa de engodo fraudulento usado para envolver e espoliar a vítima, com desprezo pelo princípio da boa fé, traduzindo-se num desvalor da acção que, por sua intensidade ou gravidade, tem como única sanção adequada a pena.
10 – Há crime de burla se se está perante um contrato de promessa de compre e venda que depois foi usado numa acção cível destinada a obter a entrega dos bens, falsamente prometidos vender e falsamente já pagos, em que não havendo contrato celebrado, nunca houve vontade de realizar o negócio correspondente, mas antes não só uma decisão pré-concebida de não cumprir o contrato de promessa, mas de o utilizar exclusivamente na acção judicial, como elemento do engano.
AcSTJ de 04.10.2007, proc. n.º 2599/07-5, Relator: Cons. Simas Santos