segunda-feira, 14 de março de 2005
Jurisprudência Constitucional
Índice
Nota de abertura
"O objecto 'idóneo' dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as 'interpretações normativas' sindicáveis pelo Tribunal Constitucional" - Carlos Lopes do Rego
Anotações
"Uniões de facto e pensão de sobrevivência" (Anotação aos Acórdãos TC nºs 195/2003 e 88/2004) - Rita Lobo Xavier
"Expulsão de estrangeiros com filhos menores a cargo" (Anotação ao Acórdão TC nº 232/2004) - Anabela Costa Leão
"Guantanamo" no Supremo Tribunal dos EUA
"A luta contra o terrorismo, ou os fins não justificam os meios" - José Alberto Azeredo Lopes
"Que fazer com o inimigo?" - J. A. Teles Pereira
Excerto da Nota de Abertura do Conselho de Redacção:
Especificamente no que toca ao número três desta Revista, importa destacar uma novidade: pela primeira vez são anotadas decisões de constitucionalidade proferidas por um órgão jurisdicional estrangeiro, no caso o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América. Trata-se das importantes decisões proferidas em recursos interpostos por pessoas acusadas de pertencer à 'al-Qaeda' e detidas na Base Militar de 'Guantanamo', após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, e a subsequente intervenção militar no Afeganistão. São anotadas pelo Prof. Doutor José Alberto Azeredo Lopes, numa perspectiva de direito internacional público, e pelo Dr. José António Teles Pereira, numa perspectiva de direito constitucional e de direito penal.
Dada a extensão do presente número, não é possível nele inserir a habitual Informação de Jurisprudência sobre a actividade do Tribunal Constitucional, que voltará no número quatro, com a indicação das decisões mais importantes proferidas no primeiro semestre de 2004 e o resenho das normas cuja constitucionalidade foi apreciada no mesmo período.
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Casa da Suplicação XXIII
Jovem adulto — regime especial — dever de pronúncia — omissão de pronúncia — nulidade da sentença
Se o recorrente tinha apenas 20 anos de idade à data da prática dos factos e as instâncias nada disseram sobre a possibilidade de aplicação, ou não, ao caso, do regime especial para jovens adultos previsto no DL n.º 401/82, de 23/9, configura-se ostensiva omissão de pronúncia que implica a nulidade da decisão recorrida, face ao preceituado na alínea c), do n.º 1 do art. 379.º do Código de Processo Penal, tal como já de há muito vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça
Ac. de 10.03.2005 do STJ, proc. n.º 644/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
Abuso sexual de criança — «in dubio pro reo» — medida da pena — atenuação especial
1 - O controlo processual do uso do princípio «in dubio pro reo» está ao alcance do Supreo Tribunal de Justiça, na medida do possível. Mas essa sindicância tem de bastar-se com a indagação do aspecto exterior da fundamentação, enfim, com a correcção da objectivação e motivação da solução de facto a que se chegou, apenas havendo que censurá-lo quando, apontando aquela motivação, racionalmente, para uma resposta dubitativa, o tribunal recorrido se tenha orientado por uma solução de certeza.
2 - Só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar a atenuação especial da pena. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, “ existem as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios”
3 – Se a imagem global do facto está longe de o apresentar de gravidade diminuta.
Se a natureza abjecta do crime cometido sobre a inocência de uma criança de tenros 5 anos de idade, com a agravante de ser filha do arguido, nada encontram nos factos provados, capaz de dar daqueles uma imagem global minimamente atenuada, muito menos, especialmente atenuada. Se, tirando a ausência de antecedentes criminais, para o caso de relevo diminuto, nada mais há a valorar no âmbito da questão posta, então, o recurso naufraga manifestamente em ambas as vertentes em que se apresenta, motivo por que é de rejeitar.
Ac. de 10.03.2005 do STJ, proc. n.º 656/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
Recursos — rejeição — manifesta improcedência — limitação do recurso — caso julgado
1 – Se, no recurso para a Relação, o recorrente não impugnou a qualificação jurídica dos factos levada a cabo em 1.ª instância, limitando-se a atacar a medida concreta da pena, e resolveu erigir agora essa questão, com que tacitamente se conformara, em questão nova que não colocou perante o tribunal recorrido, que, por isso, sobre ela se não debruçou; se, face ao disposto no artigo 403.º n.º 1, do Código de Processo Penal, estava ao seu alcance a limitação do recurso nos termos em que o fez para a Relação, já que o que ali peticionou – medida concreta da pena e declaração de perdimento – era passível de ser decidido com autonomia relativamente à qualificação jurídica operada, então, a qualificação jurídica com que se conformou tem de haver-se como coberta por caso julgado, portanto, insusceptível de modificação em novo recurso.
2 - É certo que a qualificação jurídica é tarefa que o tribunal leva a cabo sem limitações que não as da submissão à lei, portanto oficiosamente. Mas também o é que isso só acontece inapelavelmente quando ela se inscreva no âmbito do objecto da causa, e, assim nos tribunais superiores, no do recurso.
Ac. de 10.03.2005 do STJ, proc. n.º 908/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
Acórdão da Relação confirmativo — Admissibilidade de recurso para o STJ — Mesmo em caso de concurso de infracções
1 – Se não estiver em causa directamente no recurso de decisão da Relação, proferida em recurso, a legalidade da operação do cúmulo jurídico, qualquer que seja a pena única conjunta aplicada ou aplicável, são as penas - cada uma delas, singularmente considerada - aplicáveis aos singulares crimes em concurso que hão-de dizer da recorribilidade ou irrecorribilidade da decisão.
2 – Se a moldura abstracta de qualquer destes crimes singularmente considerados não ultrapassar os oito anos de prisão, a decisão, verificada a "dupla conforme" é irrecorrível; se alguma ou algumas ultrapassarem esse limite, ou não houver confirmação, então tal decisão já será recorrível.
Ac. de 10.03.2005 do STJ, proc. n.º 545/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Homicídio qualificado — motivo fútil — meio particularmente perigoso — meio insidioso — frieza de ânimo
1 - A falta de prova sobre o motivo do crime, não é a mesma coisa do que um “crime sem motivo” (ou com um motivo que não tem qualquer relevo, que não chega a ser motivo, que não pode sequer razoavelmente explicar). Não se verifica, assim, “motivo fútil”, devendo antes retirar-se a ilação de que aquela falta de prova não pode prejudicar o arguido (in dubio pro reo).
2 - O facto da arma ter sido usada “à queima-roupa” é uma circunstância que não pertence à natureza da arma e que, portanto, não a torna particularmente perigosa.
3 - Nada autoriza a afirmar que o arguido usou de insídia no seu gesto criminoso, pois dos factos provados não resulta que o arguido já levasse a arma consigo com a finalidade de cometer o crime e que tenha atraído a vítima para um embuste, para a poder alvejar à “queima-roupa”.
4 - A frieza de ânimo indica a firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa. Mas, a falta de prova sobre o embuste que o arguido terá armado à vítima, para assim mais facilmente a matar, impede que se considere verificada essa circunstância.
5 - Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples.
Ac. de 10.03.2005 do STJ, proc. n.º 224/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho