Por Francisco
Teixeira da Mota
Aqui há uns
anos, um advogado amigo disse-me que deixara de tratar de questões de
arrendamento porque as leis já tinham mudado tantas vezes desde que começara a
advogar, e sempre sem qualquer eficácia, que já não estava disposto a
estudá-las.
É certo que na
hipercomplexa sociedade em que vivemos a produção legislativa não pode ter um
fim, nem mesmo uma pausa, mas também é verdade que, muitas vezes, duvidamos da
necessidade de certa legislação. E mesmo quando nos convencemos da sua
necessidade, ficamos com dúvidas quanto ao seu acerto.
Veja-se o caso
da reorganização do mapa judiciário. Parece evidente que não faz sentido manter
tribunais com um reduzido número de processos mas, por outro lado, quais os
custos acrescidos que vão resultar para os cidadãos que residem nessas futuras
ex-comarcas? Será que se está a ter em conta todos os aspectos relevantes e a
minimizar os prejuízos e, sobretudo, será que se está a garantir o serviço da
Justiça que é um bem público inestimável? Dúvidas que pairam no ar.
Quando o então
ministro da Saúde Correia de Campos procurou reduzir o número de
estabelecimentos de saúde públicos, logo apareceram na comunicação social
exemplos de partos em ambulâncias comprovando a necessidade de manter todos os
estabelecimentos existentes. E quando o anterior Governo tentou criar um mínimo
de avaliação dos professores caiu o Carmo e a Trindade, bem como a ministra e o
ministro.
Mas, neste
momento em que vivemos de constantes cortes, salariais ou outros, de constantes
perdas, de direitos ou outras, os ministros não caem, as ambulâncias “não dão à
luz” e os sindicatos dos professores não enchem as ruas. Estarão a delinear-se
acertadas políticas que merecem a concordância geral?
No campo da
Justiça, preocupa-me que as políticas não sejam devidamente discutidas e receio
que se esteja a ceder ao populismo ou ao economicismo como únicos ou principais
critérios para a adopção das reformas ou alterações que se anunciam.
Quando lemos
nos jornais que os casos de homicídio, quando haja flagrante delito, poderão
ser levados a julgamento em 48 horas, sendo esta uma das principais alterações
do Código de Processo Penal, não nos podemos deixar de perguntar se estão a
brincar com coisas sérias ou se já não há pudor.
É por demais
evidente que por mais simples que seja a descoberta da verdade material num
caso de homicídio, nunca num período tão curto de tempo será possível
apresentar em tribunal tudo quanto seja relevante para uma correcta aplicação
da Justiça. Em nenhuma parte do mundo, creio eu.
É verdade que
uma justiça tardia já não é justiça, sendo muitas vezes uma injustiça, porque a
pessoa que é julgada anos depois do crime já não é a mesma pessoa que o
praticou e a sua condenação não terá nenhum efeito regenerador antes pelo
contrário, pode até ter um efeito de marginalização. Mas também é verdade que o
julgamento quase imediato de um caso com a gravidade, a seriedade e as
implicações de um homicídio não pode ser julgado “a quente” sob pena de a
verdade poder ser falseada pela paixão ou emoção e não se terem em conta todas
as questões relevantes.
Podemos, é
claro, admitir que esta ideia dos julgamentos fast food é para inglês ver e
que, na prática, tudo ficará na mesma, já que a própria lei prevê suficientes
excepções para evitar a concretização do seu objectivo. É possível que seja
assim, mas não devia ser.
Não se devia
legislar nem para oito nem para 80. Não se devia legislar só para encher a
arena pública e satisfazer consciências, eleitorados ou clientelas. Quando
estão em causa prazos, devia-se estabelecer prazos razoáveis e esses deviam ser
para cumprir. Porque quando os prazos são irrealistas caem em desuso e não há
sanção para o seu incumprimento, antes se gerando uma aceitação tácita da sua
ineficácia ou inutilidade.
Curiosamente,
esta medida de fast food judicial que se anuncia vem a par e passo com o
anúncio de uma medida, com um sinal absolutamente oposto, de verdadeiro
empanturramento judicial, ao prever dilatadíssimos prazos de prescrição
criminal, gerando uma total irresponsabilidade dos tribunais superiores quanto
ao andamento dos processos, ao prever que, na prática, a prescrição deixa de
correr proferida a decisão da 1.ª instância.
É certo que
internacionalmente já nos tinha sido chamada a atenção para o facto de, por
exemplo, o combate à corrupção ser muitas vezes frustrado pelas prescrições
decorrentes da lentidão dos tribunais, mas a verdade é que tal frustração pode
decorrer de outros comportamentos dos tribunais que não a lentidão e que a
melhor forma de assegurar a boa marcha dos tribunais não é, seguramente, a
quase extinção do instituto da prescrição. Porque o objectivo, parece-me, não
devia ser acabar com as prescrições criminais, mas sim acabar com a lentidão e
o mau funcionamento dos tribunais.
Público
2012-06-15