07/01/2013 - 00:00
1.
As autarquias locais - cujo primeiro nível é o das freguesias - ocupam um lugar
eminente na Constituição de 1976, muito mais significativo do que o que tinham
ocupado nas Constituições anteriores.
Logo,
em "princípios fundamentais", declaram-se os princípios da
subsidiariedade, da autonomia e da descentralização democrática (art. 6.º, n.º
1). E no início do Título VIII da parte III, sob a epígrafe nova de "poder
local", diz se que a organização democrática do Estado compreende (melhor
seria dizer implica) a existência de autarquias locais que, através
de órgãos representativos, visam a prossecução dos interesses próprios das
populações respetivas (art. 235.º).
Mais
do que uma garantia institucional da existência de autarquias locais,
estabelece-se a garantia da prossecução dos interesses locais pelas autarquias
locais, a necessidade da correspondência (embora não exclusiva) entre
descentralização territorial e poder local. Mais do que em descentralização
administrativa justifica-se falar em descentralização autárquica.
Assim,
as autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos
representativos que visam a prossecução dos interesses próprios das populações
respetivas (art. 235.º, n.º 2). Logo, as autarquias locais pressupõem
democracia local. Logo, elas envolvem um verdadeiro direito dos cidadãos à
autarquia local na terra onde residem.
Este
direito à autarquia local será um corolário do direito geral do direito dos
cidadãos de tomarem parte na vida política e na direção dos assuntos públicos
do país (art. 48º, nº 1). Nem por isso se justifica menos autonomizá-lo.
2. A
Constituição não assegura a subsistência de todas e quaisquer freguesias (como
a de quaisquer municípios) existentes em certo tempo; garante, sim, a freguesia
como autarquia local, a divisão de território por municípios e por freguesias,
mas em número suficientemente significativo para lhes emprestar efetividade e
sempre com consulta das populações, por meio dos seus órgãos representativos ou
de referendo (art. 249.º).
A
Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, terá observado, na maior parte dos seus
preceituados, as normas constitucionais. Mas não quanto às freguesias ou
municípios dos níveis 2 e 3 [arts. 4.º, n.º 2, 6.º, n.ºs 1 e 2, e 8.º, alínea
c)], a que correspondem menos habitantes e menor densidade populacional e que
apareçam dispersos pelo espaço territorial, mormente em zonas de montanha, e às
freguesias com menos de 150 habitantes (se bem que, no que toca a estas, não
propriamente por o art. 245.º, n.º 2 da Constituição aludir a "freguesias
de população diminuta", por esta norma abrir apenas uma possibilidade
organizativa).
Ora,
será justificável, à luz dos princípios da autonomia, da subsidiariedade e da
proporcionalidade e do objetivo de aproximação dos serviços das populações
(art. 267.º, n.º 2), suprimir tais freguesias, privando-se os cidadãos que
nelas têm as suas vidas de gerir os seus interesses comuns e de terem as suas
assembleias ou os seus plenários e as suas juntas? Será isto contribuir para o
desenvolvimento harmonioso e para a coesão económica e social de todo o
território nacional e para eliminar as diferenças entre o litoral e o interior
[arts. 9.º, alínea g) e 81.º, alínea d), da Lei Fundamental]? E deverá tudo
ficar à mercê das propostas da Unidade Técnica (art. 14.º da Lei n.º 22/2012)?
A
resposta tem de ser negativa. É o próprio direito à autarquia local que fica
posto em causa.
Professor da Universidade de
Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa
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