Inexistência de subsídio de desemprego na mobilidade
dos funcionários públicos está entre as questões que ameaçam alterações
propostas pelo Governo, alertam especialistas ouvidos pelo PÚBLICO Economia, 14
Mudanças na função pública sob risco de
inconstitucionalidade
Alerta foi lançado no Parlamento pelo deputado
socialista Pedro Silva Pereira. Técnicos ouvidos pelo PÚBLICO têm dúvidas em
relação à inexistência de subsídio de desemprego na questão da mobilidade
Função pública
Raquel Martins
O novo sistema de requalificação proposto para a
função pública pode estar “em rota de colisão com a Constituição”. O alerta foi
lançado ontem pelo deputado socialista Pedro Silva Pereira, mas advogados e
especialistas em direito laboral também receiam que a licença sem vencimento
“forçada”, tal como é apresentada, coloque em causa princípios constitucionais
como o direito à retribuição e ao emprego.
“O Governo está de novo a entrar em rota de colisão
com a Constituição, com os funcionários públicos sujeitos a salário zero e a
uma licença forçada sem vencimento”, alertou o deputado do PS durante uma
audição parlamentar com o secretário de Estado da Administração Pública, Hélder
Rosalino.
Em causa está o novo sistema de requalificação (que
substitui a mobilidade especial) que prevê que os funcionários nomeados que
passaram para o contrato de trabalho em funções públicas (CTFP) em 2009 apenas
possam ficar nessa situação por 18 meses, com cortes no salário que podem
chegar aos 33%. Passado este tempo, os trabalhadores serão colocados em licença
sem remuneração, mantendo o vínculo ao Estado, ou optar por fazer cessar o
contrato, com direito a indemnização.
“Há algum artigo na Constituição que permita à
entidade empregadora dizer ao trabalhador: tu continuas ao meu serviço mas eu
não te pago?”, ironizou Silva Pereira. O antigo ministro da Presidência de
Sócrates considera que a proposta viola o artigo 59.º da Constituição, que
determina que todos os trabalhadores “têm direito à retribuição do trabalho,
segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que
para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência
condigna”. Hélder Rosalino faz uma leitura diferente e diz que a Constituição
remete para o direito à retribuição do trabalho e que estes funcionários não
terão funções atribuídas. “Não faz sentido manter funcionários na mobilidade
que não estão a trabalhar”, referiu, criticando o modelo de mobilidade
especial, criado pelo PS, que permitia que os trabalhadores pedissem licença
extraordinária remunerada, que podiam acumular com um emprego no privado.
Também António Monteiro Fernandes, professor de
direito laboral, coloca reservas à solução que o Governo propõe e receia que os
princípios constitucionais do direito ao emprego e à retribuição possam estar
em causa. “Não atribuir retribuição a alguém que mantém o vínculo, privar as
pessoas da retribuição sem haver nenhum acordo oferece-me muitas reservas”,
realçou em declarações ao PÚBLICO.
Nuno Pais Gomes, especialista em direito laboral e
administrativo, afirma que o sistema de requalificação não será mais do que a
“antecâmara do despedimento” de funcionários que até aqui estavam protegidos
dessa eventualidade.
“Manter o lugar, sem retribuição, é despedimento”,
resume. E acrescenta que se está a pôr em causa o espírito da lei dos vínculos
(12A/2008), que previa que os trabalhadores com vínculo definitivo que não
exerciam funções de soberania passavam automaticamente para o CTFP, mas
mantinham os regimes de cessação de contrato e de colocação em mobilidade
especial aplicada aos funcionários nomeados.
No sector privado, esta situação não tem paralelo,
refere Pedro Furtado Martins, responsável pelo departamento laboral na
sociedade de advogados Sérvulo, acrescentando que a licença sem vencimento só é
possível a pedido do trabalhador. “No sector privado, a extinção do lugar
levaria ao despedimento por extinção de posto de trabalho ou a um despedimento
colectivo”, realça, acrescentando que, além da indemnização, o trabalhador
teria subsídio de desemprego.
Ora, os funcionários públicos não terão protecção no
desemprego, como ontem garantiu o secretário de Estado. Rosalino deixou claro
que, no fim de 18 meses em requalificação, “ou entram para uma licença sem
vencimento com prioridade de recrutamento” ou então “têm direito a uma
indemnização por cessação objectiva de contrato de trabalho e nessa
circunstância não tem subsídio de desemprego”.
O problema constitucional pode ganhar força com esta
restrição. O professor da Universidade de Coimbra Jorge Leite considera que a
inexistência de subsídio de desemprego “conflitua” com o artigo 59.º, que
também prevê a assistência material no desemprego a todos os trabalhadores. Um
alerta que também é deixado por Monteiro Fernandes Jorge Leite considera que o
Governo ainda vai a tempo de legislar nesta matéria, dado que o prazo de
garantia para aceder ao subsídio é de 12 meses. Sugestão partilhada por Nuno
Pais Gomes que considera que o Governo “podia e devia prever o direito ao
subsídio”.
Outro problema que pode surgir tem que ver com a
convergência das regras de atribuição de pensões. O Governo ainda não
esclareceu se isso afectará apenas os futuros aposentados da Caixa Geral de
Aposentações ou as pensões que já estão em pagamento. Caso a medida seja para
todos, também aqui o Governo pode ser confrontado com questões de
constitucionalidade.
Durante a audição parlamentar, o PCP considerou o novo
sistema de requalificação e o programa de rescisões como “o maior despedimento
colectivo de sempre”. Já o BE exigiu saber qual o efeito das reformas e das
medidas na qualidade dos serviços. Rosalino reconheceu que “a redução de 50 mil
funcionários [nos últimos dois anos] não é indiferente aos serviços, que têm
que a acomodar”.
Público, 9-5-2013
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