A interpretação da Lei nº
46/2005 (que determina que os presidentes das câmaras municipais e das juntas
de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos) tem sido
objeto de viva controvérsia. O argumento mais recente resultou da descoberta de
uma alteração que terá sido introduzida, por erro, na publicação do diploma em
Diário da República.
Tal
como foi aprovada, a letra da lei mencionava o presidente "da" câmara
ou "da" junta da freguesia. Porém, a publicação refere-se ao
presidente "de" câmara ou "de" junta de freguesia. Ora, a
versão originária é agora utilizada como argumento a favor da tese que
restringe a inelegibilidade à autarquia onde o presidente exerceu os mandatos.
Na verdade, a diferença de redação tem algum significado
linguístico, embora se não afigure decisiva. Quando falamos em presidente
"da" câmara, poderemos ter em mente um município determinado: aquele
em que o presidente cumpriu os mandatos. Já a expressão presidente
"de" câmara parece apontar para uma referência geral e abstrata ao
cargo.
Tendo em conta a razão de ser da lei, é possível sustentar que a
limitação à renovação de mandatos se estende a outras autarquias (municípios ou
freguesias, conforme o caso). Tratar-se--ia de impedir a perpetuação de certos
circuitos negociais e de rotinas antidemocráticas, que são fáceis de transpor
territorialmente, sobretudo num país pequeno.
Mas é plenamente viável uma interpretação mais restritiva da lei,
que conclua que só se pretende evitar a eternização de um presidente numa certa
autarquia. Esta interpretação pode invocar a letra do artigo 118º da
Constituição, que admite limites à "renovação de mandatos", e a
natureza restritiva (de um direito fundamental) da lei que limita essa
renovação.
Deveria ser o legislador a superar, antes das próximas eleições
autárquicas, esta dificuldade interpretativa. Uma lei com esse sentido poderia
entrar imediatamente em vigor, porque não há aqui expetativas jurídicas a
proteger. Se necessário, deveria encarar-se até uma revisão constitucional,
porque esta incerteza só pode gerar desconfiança nos eleitores.
Quanto ao erro cometido na publicação da lei, a retificação teria
de ser publicada até 60 dias após a publicação do texto retificado, nos termos
da Lei nº 74/98, sob pena de se considerar nulo o ato de retificação. Significa
isto que a letra da lei que prevalece, neste caso, é a que usa a preposição
"de", embora o erro seja um elemento a considerar na sua
interpretação.
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