recurso de revisão - novos factos - falsidade
de depoimento ou declaração - livre apreciação da prova
I
- O fundamento invocado pelo recorrente para requerer a revisão da sentença condenatória
é o da referida alínea d) do n.º 1 do art.º 449.º, isto é, a descoberta de
novos factos ou meios de prova que, por si só, ou conjugados com os já
existentes nos autos, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
II
- O recorrente, portanto, não apelou à falsidade dos meios de prova (apesar de
invocar a existência de um falso depoimento por parte das duas menores vítimas
dos abusos sexuais, as quais tinham sido testemunhas fundamentais para a
produção da prova no julgamento), pois sabe que, por essa via, só haveria lugar
a revisão da sentença se a falsidade resultasse de uma outra sentença
transitada em julgado (al. a do n.º 1
do art.º 449.º do CPP) e, portanto, como tal sentença não existe, seria um
pedido de antemão votado ao fracasso.
III
- Todavia, no fundo, o seu pedido, embora mascarado pelo manto da invocação de
“novos factos”, resume-se à alegação de que as menores terão mentido em
julgamento e que, agora, «arrependidas», vêm pedir perdão pelo erro que
cometeram. Isto é, o que o recorrente está a fazer, na verdade, é a invocar a falsidade dos meios de prova
produzidos no julgamento, mas fá-lo por via ínvia, sem juntar certidão da
sentença onde tal falsidade tenha sido declarada.
IV
- Em circunstância alguma o depoimento em processo penal, de quem quer que
seja, faz prova plena dos factos relatados pela testemunha, pois está sempre
sujeito ao princípio da livre apreciação das provas (art.º 127.º do CPP). De
resto, a prova testemunhal tem de ser prestada com observância das regras
processuais que constam dos art.ºs 128.º e segs. do CPP e perante a entidade
competente, a qual, na fase atual, só pode ser o juiz do processo ou o juiz que
o STJ determinar, pelo que as declarações prestadas perante um notário não têm
valor de prova testemunhal neste processo quanto às afirmações que as menores
fizeram e, nesse aspeto, são apreciadas como se tratasse de um documento particular
redigido por pessoa devidamente identificada (por exemplo, uma carta com a
assinatura do remetente reconhecida notarialmente).
V
- O art.º 453.º do CPP dispõe que se o fundamento da revisão for o previsto na
alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar
indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a
escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas
(n.º 1), mas o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido
ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao
tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2).
VI
- A leitura que se tem feito desta norma é a de que o recorrente, no recurso de
revisão que tenha como fundamento a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º, pode
indicar como testemunhas:
-
As já anteriormente ouvidas no processo, mas, nesse caso, como não constituem
“novos meios de prova”, terão de depor sobre “novos factos” de que se tenha
tomado conhecimento posteriormente;
-
As que antes não foram ouvidas no processo, mesmo sobre os factos já apreciados
no julgamento, mas, nesse caso, só se o recorrente justificar que ignorava a
sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram então impossibilitadas de
depor.
VII
- Na situação em apreço, o recorrente apresentou para deporem como testemunhas
no recurso de revisão duas pessoas já inquiridas no julgamento, pelo que os
seus depoimentos só seriam admissíveis se viessem depor sobre “novos factos”.
VIII
- Todavia, o “facto novo”, para efeito de revisão de sentença, é aquele que
nunca foi ponderado anteriormente no julgamento e não o que, tendo aí sido
escalpelizado, foi julgado de uma determinada maneira e, posteriormente, com
base nos mesmos meios de prova, se pretende que venha a ser julgado em sentido
diverso.
IX - As menores vêm agora,
supostamente, «confirmar» a tese que o recorrente defendeu no julgamento e,
portanto, o que o recorrente pretendia com um novo depoimento das mesmas era
voltar a discutir factos que já foram escalpelizados e que nada têm de «novo»,
pois o facto é o mesmo, a testemunha é que mudou a sua versão. Por isso, foi
indeferida a inquirição de acordo com o art.º 453.º do CPP, já que se reportava
a depoimentos de testemunhas já inquiridas no julgamento e sobre factos já aí
escrutinados.
X - A «novidade», portanto, é a alegada
falsidade dos meios de prova, mas a falsidade, a existir, tem de ser declarada
por sentença transitada em julgado e não por um novo depoimento da testemunha
que alega ter «mentido».
Ac. do STJ de 14-02-2013, Proc. n.º
859/10.3JDLSB-A.Sl
Relator: Conselheiro Santos Carvalho
Juiz Conselheiro Adjunto: Rodrigues da
Costa
Juiz Conselheiro no exercício da função
de Presidente: Arménio Sottomayor
Sem comentários:
Enviar um comentário