Grande confusão: as Finanças dizem que já instauraram processos de contra-ordenação a consumidores que não pediram factura, mas os advogados contactados pelo i garantem que a medida é ilegal. Alguns até duvidam que seja verdade. José Miguel Júdice ao i: "Se a insensatez pagasse imposto, o défice estava resolvido".
O governo já tinha avisado que a emissão de facturas passaria a ser obrigatória a partir de 1 de Janeiro deste ano, o que ninguém estava à espera é que o consumidor pudesse ficar sujeito a coimas que variam entre os 75 e os 2 mil euros por não pedir a emissão desse comprovativo, como agora vem dizer o Ministério das Finanças.
"Se a insensatez pagasse impostos – o que seria mais razoável do que esta ameaça –, o défice estava resolvido. Há muitos anos que peço sempre factura, mas com estas medidas ameaçadoras apetece-me deixar de o fazer. O Estado tem o direito de exigir que se passem sempre facturas e deve controlar isso, até por razões de luta contra a concorrência desleal. Mas não deve transformar os portugueses em fiscais não remunerados". A afirmação é de José Miguel Júdice, advogado sócio da PLMJ & Associados, e ilustra a polémica criada em torno do assunto.
"Não há nenhuma obrigação decorrente do código do IVA dirigida ao consumidor no sentido de este exigir a emissão de factura, o que torna ilegal a aplicação de uma sanção", garante ao i Tiago Soares Cardoso, sócio da Sérvulo & Associados.
A única obrigação do consumidor já estava prevista na lei antes da alteração do diploma e prende-se com a exigência do pedido de factura referente ao pagamento de rendimentos empresariais ou profissionais de pessoas singulares (categoria B), vulgarmente designados recibos verdes.
De resto, todas as obrigações recaem sobre os agentes económicos (prestadores de serviços ou transmitentes de bens), que são quem tem de emitir a factura.
Também Joaquim Pedro Lampreia, associado coordenador da área fiscal da Vieira de Almeida & Associados, disse ao i que, no entendimento da sociedade, "esta situação não é legalmente admissível".
Por duas razões. Por um lado, porque "viola o direito à privacidade e à vida privada, um direito fundamental que não pode ser posto em causa por obrigações desta natureza", por outro, porque se está a exigir do consumidor uma obrigação sem motivo e a aplicar uma punição sem demonstração de culpa".
O advogado da Vieira de Almeida & Associados explica que na lógica da lei as coimas implicam, além do mais, a existência de dolo ou culpa do contribuinte, no caso do consumidor. Ou seja, está vocacionada para casos em que há um conluio entre prestador de serviços e consumidor, de forma a que ambos beneficiem de uma situação ilícita.
Apesar dos argumentos, o Ministério das Finanças, através de um comunicado emitido esta quarta-feira, informa que "durante o ano de 2013 e no âmbito da acção de fiscalização em larga escala para garantir o cumprimento das novas regras de facturação, a inspecção tributária da AT [Autoridade Tributária] já instaurou diversos processos de contraordenação a consumidores finais por incumprimento da obrigação da exigência de factura".
O jornal i quis saber quantos são os processos e a quem foram instaurados, mas o ministério tutelado por Vítor Gaspar recusou-se a dar mais informações. Este é um dos motivos que levam algumas entidades a considerar que a informação prestada não é verdadeira e que se trata apenas de fazer pressão para acabar com a fuga ao fisco. Outro, é que o consumidor tem até cinco dias para pedir a emissão de factura.
Contactada pelo i, a Comissão Nacional de Protecção de Dados diz que esta matéria não é da sua competência. E recorda que foi contactada em 2012, na altura em que estavam a ser preparadas as alterações à lei, tendo chamado a atenção para a necessidade de proteger a privacidade dos cidadãos, o que é feito, uma vez que o consumidor não tem de se identificar, nem tão pouco descrever o que pagou e na factura consta apenas a soma do valor pago.
Isabel Tavares
ionline, 15-02-2013
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