Miguel Cadilhe,
Daniel Bessa e Carlos Moreno debatem a reforma do Estado no “Conversas
Cruzadas” da Renascença. “O Governo tem de fazer um esforço muito, muito grande
de ordem política para reconstruir, recriar entendimentos com a oposição e com
os parceiros sociais. Eu acho que, de facto, o Governo destruiu alguma coisa
nesse domínio que é vital”, defende Miguel Cadilhe, no programa Conversas
Cruzadas, este domingo, na Renascença.
Considerando
importante o diálogo Governo-oposição para a reforma do Estado, o antigo
ministro das Finanças de Cavaco Silva diz também que a “oposição tem de fazer
um esforço. O Partido Socialista não tem estado ultimamente à altura das suas
responsabilidades. Nós não podemos esquecer que o Partido Socialista foi o
primeiro subscritor do acordo com a ‘troika’ e o Partido Socialista foi o
grande responsável da situação a que o país chegou e que desaguou no acordo com
a ‘troika’”. “Não podemos esquecer isto.”
Cadilhe lembra
que “não podemos omitir isto: estamos nesta situação que é dolorosíssima para
os portugueses, porque o Governo do Partido Socialista presidido por Sócrates
durante os anos em que lá esteve – e foram longos – em vez de corrigir a
indisciplina das finanças públicas criou mais dívida pública e tornou a
situação insustentável”.
Já Daniel
Bessa, ex-ministro da Economia de António Guterres, reparte falhas estratégicas
e de comunicação entre o Executivo e o principal partido da oposição: “Quando
quero conversar com alguém eu não ponho um anúncio no jornal a dizer que o convidei.
Este é o pior dos pontos de partida. O PS há-de ter aqui muitas culpas, mas não
as tem todas e nem quero saber se tem mais se tem menos. Esta coisa de querer
conversar com alguém e dizer ‘eu convidei aquele fulano para não sei o quê’….
Isto suscita o quê? A rejeição.”
“Parece partir
logo do princípio que vai rejeitar e procura criar condições para o culpar por
ter rejeitado. Quando quero convidar alguém, convido-o para minha casa no maior
dos segredos e procuro construir uma cumplicidade” defende Daniel Bessa.
Mas Miguel
Cadilhe não acredita que os danos nos canais de comunicação sejam irreparáveis.
“Tem de haver aqui uma aproximação, tem de haver aqui um acto de inteligência,
um acto de nobreza dos políticos, um acto de nobreza no sentido mais elevado da
expressão. Tem de haver uma aproximação entre o líder da oposição que é o líder
do PS e o líder do Governo, do PSD e do líder do CDS também. E, é claro admito
que o Presidente da República sem que se veja sem que se ouça, mas que se sinta
e acho que sentimos isso, deve estar a fazer todos os esforços para que essas
pontes sejam restabelecidas. O rio não é assim tão largo para estarmos a
destruir as pontes que resultaram, afinal de contas, de um acordo de 2011, o
acordo da ‘troika’ por mais exigente que seja para todos os portugueses”
sustenta o ex-ministro das Finanças.
Reforma do
Estado: uma discussão atrasada
Carlos Moreno,
juiz jubilado do Tribunal de Contas, defende que a discussão sobre a reforma do
Estado chega atrasada. “Devia ter sido antes, discutir agora é fazê-lo no
momento errado. Devia ter sido em uníssono na sequência do acordo com a
‘troika’ quando envolvendo os partidos do governo e o maior partido da
oposição. Era esse o momento ideal”.
Daniel Bessa,
por seu lado, alerta para os riscos que decorrem da pressão imposta pela
necessidade de resultados. “Deve haver um planeamento na discussão destas
questões de reforma do Estado. É um tema que de tempos a tempos deve ser
revisitado. O pior momento para o fazer é agora. Agora, enfim, só pode correr
mal. Está-se debaixo de uma pressão imensa, tem tudo de ser feito á pressa,
porque pedem-se resultados para ontem numa escassez de recursos que dificultam
algumas soluções, porque rescisões amigáveis e coisas do género exigem
dinheiro” afirma o director da Cotec Portugal.
O juiz Carlos
Moreno renova o alerta para as consequências da austeridade quase ilimitada:
“Manifestei-me, desde sempre, e desde 2010, contra aquilo que eu chamo a
facilidade que são os cortes sucessivos que são cortes cegos e horizontais.
Repare, vou dar um exemplo: quando se chega ao ponto de ter de cortar pensões
em reformados, quando o corte é cego e quando o corte é horizontal sem
distinguir aspectos de vulnerabilidade social como o seu verdadeiro rendimento
per-capita em 2012. Porque os reformados receberam em sua casa filhos, netos,
familiares que estão desempregados e ficaram com o seu rendimento mensal
afectado. Isto é do conhecimento de toda a sociedade” denuncia o autor do livro
“como o Estado gasta o nosso dinheiro”.
Já Miguel
Cadilhe defende a inevitabilidade do aproveitamento de um marco histórico: o
acordo com a “troika”: “Sem este mau momento, nós não faremos as reformas
estruturais e a história está aí para o provar. Aqui há uns anos escrevi sobre
o dilema do grande reformador: Se em eleições anuncia que vai fazer as grandes
reformas perde as eleições. Se não anuncia as grandes reformas, não tem
legitimidade para as fazer a seguir.”
“Portanto,
quer num caso quer no outro, não faz as grandes reformas. Mas, na altura, dizia
que poderá acontecer um cenário de um acordo pré ou pós eleitoral entre os
maiores partidos. Nós agora estamos nessa situação, porque há o acordo com a
‘troika’ feito pelo PS, PSD e CDS. Um acordo que é um momento histórico único
para fazer as grandes reformas que o nosso reformador, o nosso
político-reformador nunca conseguiu fazer” sustenta Miguel Cadilhe.
Daniel Bessa:
Governo com verdade. PS sem ilusões
Verdade e
transparência é a receita de Daniel Bessa para o discurso público e para a
solução dos problemas. “Eu costumo dizer, disse uma vez, que o governo tinha de
falar verdade e o PS deixar de vender ilusões. O Dr. António José Seguro deve
ter visto isto e até reagiu, porque, no dia a seguir, começou a dizer que não
vendia ilusões. Eu acho que o princípio de verdade é indispensável nestas
coisas”, aconselha Bessa.
O economista
considera também que “o Governo português com todo o respeito por tudo o que
tem feito, com o devido mérito que se haverá de reconhecer, tem um sério
problema de execução em matéria de finanças públicas”.
“Eu não posso
contar como sendo de sucesso o que tem acontecido em matéria de finanças
públicas em Portugal nos últimos anos. O FMI foi condescendente quando veio
dizer que a coisa tem corrido muito bem. Não tem e não pode ser apregoada como
um sucesso. Não tem. E depois do outro lado, o Dr. António José Seguro, se
chegar a primeiro-ministro tem um problema, porque ele vai fazer rigorosamente
o contrário do que anda a prometer. Alguém tem alguma dúvida sobre isso? Foi
isso o que eu chamei de vender ilusões. Portanto, tem que haver aqui princípios
sem os quais o acordo se torna impossível. Se o PSD disser ‘estou em
dificuldade preciso de ajuda’ e não é verdade que está em dificuldade e precisa
de ajuda? Certamente que do outro lado a resposta será diferente, não será bem
a que tem sido dada” sustenta Daniel Bessa.
O ex-ministro
da Economia elogia a posição de Francisco Assis quando o candidato derrotado
por Seguro defende que o PS não pode ser uma provedoria acrítica de todas as
contestações e deve apontar alternativas com clareza. “Alguém no PS diz que é
preciso mexer na ADSE e, imediatamente, quase em uníssono ouvimos coisas como
‘não, não, porque os funcionários públicos são eleitores do PS’ ou a direcção
do Partido Socialista que imediatamente veio dizer ‘não, não, o nosso porta-voz
para esta área fala em nome próprio porque a posição é esta ‘ nós não vamos
mexer na ADSE’. Eu talvez apostasse 99 contra 1 como, se forem Governo, mexem
na ADSE” conclui Daniel Bessa.
Rádio Renascença
Online, 20 Janeiro 2013
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