Luís
Marques
POBRE CONSTITUIÇÃO
A Constituição está transformada numa bandeira da
esquerda e num espantalho da direita. A coisa está tão banalizada que já nem se
percebe que estamos a falar da Constituição da República Portuguesa (assim se
chama, com toda a dignidade, a lei fundamental do país) e não de um mero
folheto partidário, daqueles que os nossos políticos se entretém a discutir.
Hoje em dia é tão normal invocar a Constituição
como beber um copo de água. Qualquer iniciativa do Governo é acusada de
inconstitucional ainda antes de se saber bem o que é. O próprio Governo quando
anuncia qualquer medida trata de garantir a respetiva constitucionalidade, para
se antecipar à oposição, que garantirá o contrário. As medidas em si mesmas já
interessam pouco. O que vale é saber o que diz o Tribunal Constitucional sobre
as mesmas.
Este Tribunal está transformado no centro do poder
político.
Já não há praticamente ninguém que não recorra para
lá. O Presidente tem dúvidas sobre o Orçamento de 2013? Tribunal
Constitucional. O PS, o PCP, o Bloco de Esquerda, o provedor também têm
dúvidas? Tribunal Constitucional. Isto vale também por antecipação. Vem aí uma
reforma do Estado? A esquerda ameaça com o Tribunal Constitucional, ainda antes
de se saber do que se trata.
A Constituição da República Portuguesa (assim, com
toda a solenidade) serve para tudo. Para paralisar a política. Para evitar a
discussão política. Para adiar a prisão de Isaltino Morais. Para atrasar a
destituição de Macário Correia da presidên
cia da Câmara de Faro. Para eternizar processos em
recurso.
Recorrer ao Tribunal que garante o respeito pela
Constituição é um elemento obrigatório na decisão de políticos e advogados.
A Constituição, ela própria, é motivo de
controvérsia. Pedro Passos Coelho começou por defender mais uma revisão da mesma,
como elemento fundador do seu projeto político. Para o efeito teve a
extraordinária ideia de indicar um monárquico para dirigir uma comissão que
produziu uma proposta que dorme hoje na gaveta das coisas inúteis. Morreu a
proposta e morreu a ideia. Resultado: uns garantem que não é preciso mexer na
Constituição. Outros defendem exatamente o contrário.
Na realidade, a Constituição dá para tudo um pouco.
Para quem quer mudar e para quem quer que tudo fique na mesma.
Invoca-se a Constituição por motivos de
conveniência. Portugal já não é verdadeiramente um país soberano, nem
independente. No entanto, a Constituição diz, nos seus artigos l.º e 7.º, que
Portugal é, respetivamente, uma “República soberana” regida pelo princípio da
“independência nacional”. Alguém se preocupa com isso?
Expresso, 19 Janeiro 2013
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